Por YURI SAHIONE
Elaboradas pela Força Tarefa do MPF que atua na Operação Lava-jato, as 10 Medidas Contra a Corrupção são uma proposta de alteração da legislação sobre o combate à corrupção apresentada a partir da experiência com as investigações realizadas no maior escândalo do país.
De todas as medidas, vamos destacar neste artigo, aquela que tem por fim instituir no direito brasileiro o chamado teste de integridade dos agentes públicos.
Os testes de integridade previstos na proposta são nada mais do que simulações de situações em que a honestidade do agente público é testada, ou seja, agentes da corregedoria ou órgão similar criam um contexto fictício em que o funcionário testado será tentado a se corromper.
Os destinatários das simulações podem ser escolhidos de forma aleatória ou dirigida, quando pairar alguma suspeita sob determinado funcionário.
A modalidade de teste sugerida pelo MPF foge dos usuais testes de integridade que são aplicados. As práticas que parecem ser as mais comuns é o background check, a de aplicação de questionários sobre as relações pessoais, sobre casos concretos e de dinâmicas em treinamentos, a fim de se detectar aspectos desviantes de personalidade.
O projeto de lei extrapola a realização das simulações. Estas podem ser utilizadas com fins disciplinares, bem como para a instrução de ações cíveis, de improbidade administrativa e, inclusive, criminais.
Não bastasse a dimensão jurídica dada ao teste, o mesmo somente poderá ser realizado mediante notificação prévia ao Ministério Público, que poderá contribuir com sugestões de abordagens.
Os testes aplicados ficarão sob sigilo e preservados pelo prazo de 5 anos, não podendo o funcionário jamais ser cientificado de que foi testado, não obstante a possibilidade do MP acessar os testes aplicados sempre que entender necessário.
Há ainda a possibilidade de os testes de integridade serem aplicados diretamente pelo MP e pelas Polícias em investigações criminais ou que envolvam atos de improbidade administrativa, desde que mediante autorização judicial.
A abordagem arrojada dos testes de integridade é justificada pela adoção de medidas semelhantes pelas polícias da cidade de Miami e de Hong Kong e que geraram resultados mensurados de maior integridade das forças policiais e também com o reconhecimento por organismos internacionais de que a prática, embora muito controversa, pode surtir efeitos.
O problema na proposta não é a realização desse tipo de teste que, aliás, é bastante interessante, mas na dimensão jurídica que se pretende dar a ele.
Imaginemos que o teste proposto fosse aplicado em uma empresa privada e, uma vez falhando no teste, o funcionário viesse a sofrer uma demissão por justa causa – se pressupõe que no caso o funcionário, ao falhar, praticasse um ato de improbidade definido na Lei Trabalhista. Diversas são as decisões da Justiça do Trabalho no sentido de que a justa causa forjada não apenas é ilegal, como é passível de gerar dano moral ao funcionário.
Na medida em que o funcionário celetista não pode sofrer punições ao ter sua integridade testada, desde já teríamos um problema de isonomia. Não entre o funcionário público e o privado, mas entre os celetistas que trabalham tanto em empresas privadas, quanto em empresas públicas.
Afora o problema trabalhista, existe outra repercussão muito mais grave, na esfera criminal.
Do ponto de vista criminal, para fins de configurar a prática de um delito, o teste representa um flagrante preparado, o que é ilegal, segundo a jurisprudência sumulada do STF. Mesmo que o funcionário não possa ser preso, por se tratar de uma situação forjada, a proposta quer fazer com que esse teste possa ser usado para outras finalidades no processo penal.
É possível cogitar que havendo dúvidas em um caso concreto quanto a um funcionário ter praticado ou não um ato de corrupção, o fato de ter falhado no teste de integridade poderia servir de elemento para confirmar a hipótese acusatória, quer por uma análise da personalidade do agente – acreditamos que esse resultado desfavorável poderia ser usado também para aumentar a pena base em caso de eventual condenação -, quer porque maliciosamente poderia ser forjada uma situação idêntica à que se quer provar para se então confirmar a prática do crime, diminuindo a exigência pela prova da verdade.
A proposta do teste de integridade, tal como formulada, dá ainda margem a outras questões relevantes tais como a validade do flagrante preparado como fundamento para demissão do servidor estável ou ainda para ajuizamento da ação de improbidade administrativa – considerando o atual estágio doutrinário do direito administrativo sancionador; a sua utilização para provar fatos contra terceiros, no caso de haver suspeitas de prática de corrupção do funcionário testado por empresas; a possibilidade do MP interferir na administração pública em matéria afeta a servidor público – restrita à Administração; ou ainda a eventual vício de iniciativa da proposta que trata de competência exclusiva do Executivo para legislar.
A existência de tantas polêmicas é um indicativo claro de que a proposta deve ser debatida com profundidade. No entanto, o que se tem visto até agora é um debate maniqueísta entre os que são a favor da corrupção e os que são contra, deixando de lado o mérito do projeto por receio da opinião popular.
http://www.lecnews.com/web/10-medidas-contra-a-corrupcao-o-teste-de-integridade/
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