R$ 200 bilhões! Esse é o número da Organização das Nações Unidas que nos dá conta (de modo aproximado, talvez subestimado) do prejuízo que sofremos, anualmente, no Brasil, com a grande corrupção. Trata-se de um assalto gigantesco aos cofres públicos viabilizado por poderosas relações de compadrio entre agentes públicos e empresários que fazem de tudo para obter do Estado, de forma ilegal, secreta e imoral, os mais variados favores e privilégios.
Nessa cena, nada importa além do dinheiro, de modo que, se um empresário estiver disposto a pagar para ganhar um contrato governamental e um agente público se dispuser a vendê-lo, será feito o negócio, bastando apenas acordarem o preço para que ambos sejam igualmente beneficiados (utilidade recíproca). Portanto, esse agente fará do seu ofício um negócio como outro qualquer, cuja renda ele deseja maximizar. Aqui não há lugar para quaisquer motivações não econômicas, como a amizade, a não ser que esta seja o meio para se obter o dinheiro, caso em que será criada ou fortalecida.
Não é isso que hoje vemos descoberto no Brasil? Pois bem. Dessa inescrupulosa relação entre “amigos” deriva o modelo de capitalismo que alguns autores denominam de “capitalismo de compadrio” (Luigi Zingales, Stephen Haber, David Kang, Gustavo Franco, entre outros).
Ocorre que esse capitalismo degenerado se revela extremamente prejudicial ao potencial econômico da nossa sociedade, a julgar pela quantidade e qualidade de recursos produtivos que se perde, como sejam os recursos humanos. Isso porque, para além de antiético e criminoso, esse capitalismo é, na sua essência, ineficiente. Ora, aqui não há competição, logo, não há incentivo para que a empresa busque a eficiência e, por conseguinte, a meritocracia. Por que um empresário fará investimentos em capital humano se um agente público “amigo” pode elevar os seus lucros com um contrato governamental milionário? O sucesso, nestas bandas, advirá mais da “amizade” com o agente público (quem se conhece) do que de idéias brilhantes e eficiência produtiva daí decorrente (o que se conhece). Segundo a lógica dessa confusão, mais vale um “amigo” incompetente, conquanto monetariamente útil, do que um “inimigo” competente, porém econômica e funcionalmente inútil.
Com efeito, nesse processo de monetarização da prática social, mesmo política, não há espaço para os empresários mais inovadores, eficientes e socialmente responsáveis que, ao invés de se dedicarem a atividades aéticas e/ou ilegais, preferem investir tempo e recursos em fontes de vantagem competitiva, como, por exemplo, (a) em funcionários talentosos e com sólida qualificação; (b) em softwares que aperfeiçoem as atividades da cadeia de valor; (c) em um programa de compliance efetivo que previna, detecte e puna condutas antiéticas e/ou ilegais; ou, ainda, (d) em pactos de cooperação com outras empresas, a fim de se promover um ambiente de integridade nos negócios com o governo.
Você, prezado leitor, investiria seu tempo e dinheiro onde não lhe fosse dado condições de igualdade para competir, onde você fosse ultrapassado por um concorrente menos competente?
Em geral, a resposta será negativa, pois, conquanto rejeitemos a noção de uma natureza humana fria e imutável, como a do homem econômico do “mainstream economics” – sujeito que nunca erra na sua busca invariável pela maximização do ganho monetário, sem qualquer motivação ética ou altruísta –, estamos de acordo que a decisão de um empresário sobre o investimento em uma nova fábrica, em equipamentos mais sofisticados ou na qualificação de seus técnicos e engenheiros resultará, no mais das vezes, da certeza matemática da obtenção de lucros. Outras vezes, uma decisão positiva de investimento advirá não do cálculo econômico, mas do otimismo espontâneo do empresário sobre o futuro (“espírito animal”). De todo modo, ninguém estará disposto a tomar iniciativas econômicas de vulto em um ambiente inóspito, apinhado de práticas protecionistas e monopolistas, em que os generosos “amigos do Rei” conseguem lucrar à custa do mínimo legal da economia de mercado (“para os amigos tudo, para os inimigos a lei”).
De tudo quanto ficou dito, percebe-se que essas relações de compadrio, ao favorecerem os agentes mais inescrupulosos e incompetentes e ao afugentarem os mais éticos e produtivos, deturpam não só o andamento do jogo, como o placar final medido em termos de crescimento econômico. Isso é o que diz o professor de economia do Insper, Eduardo Giannetti, ao ressaltar a relevância da qualidade dos jogadores (agentes econômicos) e do árbitro da partida (agentes públicos) para o aumento do PIB. Afinal, não há sociedade que viva à altura de sua melhor capacidade produtiva se os seus membros passam a maior parte do tempo buscando meios para pilhar o Estado, ao invés de se dedicarem ao trabalho ou ao cumprimento de seus deveres públicos.
De fato, como bem adverte Ayn Rand, “[q]uando você perceber que, para produzir, precisa obter a autorização de quem não produz nada; quando comprovar que o dinheiro flui para quem negocia não com bens, mas com favores; quando perceber que muitos ficam ricos pelo suborno e por influência, mais que pelo trabalho, e que as leis não nos protegem deles, mas, pelo contrário, são eles que estão protegidos de você; quando perceber que a corrupção é recompensada, e a honestidade se converte em auto-sacrifício; então poderá afirmar, sem temor de errar, que sua sociedade está condenada”.
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