O SPED modifica os conceitos contábeis?

Peço desculpas aos leitores do FinancialWeb pelo extenso texto. Mas, neste caso específico, um resumo seria insuficiente para demonstrar que a implantação do
SPED nas empresas não modifica os conceitos contábeis.

Deve-se cumprir as obrigações fiscais estabelecidas pelo SPED observando-se, imprescindivelmente, a Doutrina, Metodologia, Técnicas e Normas Contábeis em vigor.

Na realidade, o Sistema Público de Escrituração Digital força a adoção de práticas que, ao longo dos anos, foram "flexibilizadas" - sem eufemismo:
negligenciadas.

Uma comparação primária: se instalarmos câmeras de registro de avanço em todos os semáforos do Brasil, a legislação de trânsito seria alterada? As práticas de
conduta defensiva sofreriam alguma transformação?

Bom, recebo diariamente perguntas como as que estão abaixo:

1) “Gostaria se saber se o fato de escriturar contabilmente as contas a receber de clientes em uma unica conta contabil, mesmo sendo os lançamentos feitos individualizado cada operação tanto na venda como no recebimento, configura
‘escrituração resumida’ ou seja necessita de escrituração auxiliar?”

2) “Gostaria tambem de saber se quando a gente contabiliza as vendas na conta de resultado por total do dia sem especificar nota fiscal por nota fiscal, também
configura escrituração resumida ou seja necessita da escrituração
auxiliar?”

3) “Gostaria de saber se é obrigatório constar no livro auxiliar de Folha de Pagamento , a data do pagamento da verba. Se sim, favor me passar o embasamento
legal.”

Para respondê-las, seguirei o conselho de Alice:

“Comece pelo começo, siga até chegar ao fim e então, pare”. (Lewis Carroll em Alice no País das Maravilhas).

E, claro, não há como discorrer sobre contabilidade sem citar o Presidente de Honra da Associação Científica Internacional de Contabilidade e Economia. O nosso
conterrâneo, prof. Dr. Antônio Lopes de Sá.

O que é o Diário Contábil?

O Livro Diário é a logomarca contábil resultante da primeira sistematização da contabilidade que a história revela sendo o segundo livro mercantil dos três descritos no ‘Tractatus
de Computis et Sripturis’, parte integrante da obra de Luca Pacioli, ‘Summa de
Arithmetica, Geometria, Proportioni et Proportionalitá’, publicada em Veneza,
Itália, no ano de 1494. Os três livros mercantis basilares, sistematizados na
referida obra, são o inventário, o diário e o razão.

A partir de então, o ‘Livro Diário’ passou a ser sinônimo de contabilidade por partidas dobradas. Contabilizar é registrar operações de forma sistemática para
atender necessidades gerenciais e exigências legais, fiscais, em virtude da
aplicação de princípios, regras e procedimentos contábeis sistematizados nos
últimos 500 anos.

Sob o enfoque da necessidade gerencial ou das exigências legais e fiscais, o livro diário destaca-se, evidentemente, pela imposição fiscal ou por força
da lei da escrituração contábil, e, conseqüentemente, do Diário e seu registro
em órgão público competente.”

Fonte: Parecer CT/CFC Nº 28/04, realtado pela Contadora Verônica Cunha de Souto Maior

Destaca ainda, a Contadora Verônica Cunha de Souto Maior, em outro parecer:

“1. O Código Comercial (absorvido pelo Novo Código Civil – Lei nº 10.406/02) e a legislação societária e fiscal vigente estabelecem que as Entidades devem
manter um sistema de escrituração uniforme dos seus atos e fatos
administrativos, através de processo manual, mecanizado ou
eletrônico.

2. A NBC T 2, editada pelo Conselho Federal de Contabilidade em 1983, estabelece os critérios e procedimentos gerais a serem observados na escrituração contábil das
Entidades, sem se debruçar sobre as especificidades inerentes a cada processo de
escrituração que possa vir a ser utilizado pela Entidade.

3. É válido ressaltar, contudo, que as Entidades de acordo com a legislação pertinente, estão cada vez mais sujeitas a gerar e, prestar, diversas
informações fiscais através de arquivo digital.
(…)
5. É inconteste também que com o avanço da tecnologia da informação nos últimos tempos, as relações do
ambiente de negócios passaram a ser realizadas cada vez mais em um mundo
digital, que ganhou bases mais sólidas a partir da edição da Medida Provisória
2.200-2 de 24/08/2001, que atribuiu, a mesma validade jurídica dos documentos
escritos com assinaturas autógrafas, aos documentos e mensagens assinados
digitalmente com o uso de certificados emitidos no âmbito da ICP-Brasil. Dessa
forma, os documentos digitais passaram a ter a mesma validade dos documentos em
papel.”

Fonte: Parecer CT/CFC Nº 55/05

Por outro lado, o prof. Dr. Antônio Lopes de Sá, em sua obra “Prática e Teoria da Contabilidade Geral“, define:

“IDENTIFICAÇÃO DOS FATOS PATRIMONIAIS

Escriturar contabilmente exige, a priori, uma observação que visa aidentificação inequívoca do fato,
ou seja: o reconhecimento do que aconteceu efetivamente, em relação à
riqueza.

Como a lei exige comprovação dos fatos, os registros, para serem feitos, devem basear-se em documentos
e realidades justificáveis
(segundo as leis, não basta comprovar, é
preciso justificar).

A identificação de um fato registrável contabilmente começa, pois, com aobservação da matéria, no sentido de ver se ela é pertinente ao capital ou patrimônio, assim
como de suas finalidades e justificativas

(…)

Para que possua qualidade técnica e ética a identificação dos fatos patrimoniais deve ser cautelosa, evitando os males derivados do subjetivismo, adotando, pois, como
metodologia, a ‘objetividade’.

O subjetivismo é empirismo, este recusável em face da fidelidade exigível da informação contábil.”

Lopes Sá descreve ainda, na mesma obra:

“EXIGÊNCIAS NA ESCRITURAÇÃO DE LIVROS CONTÁBEIS

Visando a atender às formalidades legais exige-se que nos livros se adote:

  • registros em idioma nacional;
  • utilização de forma específica contábil;
  • ordem cronológica de dia, mês e ano;
  • ausência de espaços em branco;
  • ausência do uso de entrelinhas;

E também:

  • ausência de borrões, rasuras e emendas;
  • não utilização de margens;
  • registros fundamentados em documentação hábil e justificável;
  • individualização perfeita dos fatos;
  • clareza expositiva;
  • fidelidade na evidência dos fatos.

(…)

Também, quanto à ordem cronológica, permitem-se os registros mensais, e aqueles que sinteticamente lançados no Diário, sejam analisados em livros
auxiliares.

Os sistemas de processamento de dados eletrônicos, desde que sem prejuízo da clareza e da fidelidade dos registros, têm sido aceitos legalmente, inclusive
como prova em juízo.”

Trata ainda, o Comendador Lopes de Sá, em outro capítulo, o tema:

LIVROS AUXILIARES E A INFORMÁTICA

Um livro auxiliar tem por objetivo esclarecer e analisar matéria que se acha registrada de forma resumida em outro livro, geralmente principal, quase sempre
se referindo a uma conta ou objeto definido.

Assim, por exemplo, é tolerável que se registre na conta COMPRAS, no Diário, o valor total mensal das mercadorias adquiridas, desde que se tenha, com as mesmas
formalidades do referido Diário, um LIVRO DE COMPRAS;
esse
livro obrigatoriamente deve identificar cada compra feita
,
dia a dia, com toda a individualização, clareza e demais requisitos já referidos
[referidos acima] ; a soma das análises deve coincidir com o total sumarizado no
Diário.

Sempre é possível adotar-se um livro para analisar fatos, quando o objetivo for o de esclarecer ou desdobrar contas que merecem ser conhecidas com maior riqueza de
detalhes*.

Imprescindível, todavia, é fazer remissão ou referência de ligação entre os livros e que o sumarizado seja coincidente com o analisado.

Podem ser livros auxiliares ou de análise, por exemplo: Caixa, Bancos, Clientes, Estoques, Compras, Vendas, Despesas, etc.

Toda conta, a rigor e em tese, comporta um livro auxiliar, ou um programa de computador que as desdobre (qual seja o caso).

(…)

*Os livros que analisam fatos contábeis são considerados, contabilmente, como livros auxiliares, mesmo quando servem para comprovar registros sinteticamente feitos
nos livros obrigatórios; para as considerações tributárias, todavia, quando o livro obrigatório,
para seu esclarecimento, depende de um auxiliar, este tem o caráter de
principal

(…)

Também se reconhece, tecnicamente, que,

Quando um livro auxiliar visa a analisar o que se acha sintetizado no Diário, precisa adotar as formalidades que forem exigíveis para os livros principais”.

Fonte: Prof. Dr. Antônio Lopes de Sá, em “Prática e Teoria da Contabilidade Geral”

Vamos enfim analisar o que a Receita Federal do Brasil diz sobre o tema:

.....

Conclusão

O Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), em seu projeto ECD – Escrituração Contábil Digital, em momento algum modifica ou acrescenta
dispositivos na escrituração contábil. Nem o Código Civil, nem as Normas
Brasileiras de Contabilidade, muito menos as Doutrinas, Metodologias e Técnicas
Contábeis foram afetadas por este projeto.

Ele implementa apenas mais uma repositório de registros contábeis, conforme o próprio DNRC reconhece:

A Instrução Normativa Nº 107 do Departamento Nacional de Registro do Comércio – DNRC, de 23 de Maio de 2008, dispõe sobre procedimentos para a validade e
eficácia dos instrumentos de escrituração dos empresários, sociedades
empresárias, leiloeiros e tradutores públicos e intérpretes comerciais. Ela
define os instrumentos de escrituração dos empresários e das sociedades
empresárias.

“Art. 1º Os procedimentos para validade e eficácia dos instrumentos de escrituração dos empresários e das sociedades empresárias ficam disciplinados pelo disposto
nesta Instrução Normativa, sem prejuízo da legislação específica aplicável à
matéria.

(…)

Art. 2º São instrumentos de escrituração dos empresários e das sociedades empresárias:
I – livros, em papel;
II – conjunto de fichas avulsas (art.1.180 – CC/2002);
III – conjunto de fichas ou folhas contínuas (art.1.180 – CC/2002);
IV – livros em microfichas geradas através de microfilmagem de saída direta do computador (COM);
V – livros digitais.”

Assim, admite-se a escrituração em papel, microficha ou digital. Três tipos de repositório de registros contábeis. Ainda detalha, através da IN107, os
procedimentos específicos para as 3 formas de autenticação.

Portanto, deve-se cumprir as obrigações fiscais estabelecidas pelo SPED observando-se,imprescindivelmente,
a Doutrina, Metodologia, Técnicas e Normas Contábeis em vigor.

Íntegra em: http://www.financialweb.com.br/blogs/blog.asp?cod=112

Enviar-me um e-mail quando as pessoas deixarem os seus comentários –

Para adicionar comentários, você deve ser membro de Blog da BlueTax - Conteúdos Validados por Especialistas.

Join Blog da BlueTax - Conteúdos Validados por Especialistas