A direção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) demonstrou, em carta endereçada ao Ministério da Fazenda, preocupação com as atuais regras de funcionamento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e avaliou como “inadequado” o critério de desempate favorável ao contribuinte instituído em 2020.

O documento, encaminhado no fim de março mas tornado público pela pasta na última quarta-feira (26), a OCDE demonstrou apoio ao “voto de qualidade” – mecanismo de desempate já adotado antes no país, que confere “voto de minerva” ao presidente da turma julgadora.

A regra antiga é defendida pelo ministro Fernando Haddad (PT) e está prevista em Medida Provisória editada pelo governo, ainda pendente de análise pelo Congresso Nacional. Em razão da disputa entre Câmara dos Deputados e Senado Federal quanto ao rito adotado para a tramitação da MPVs, o governo decidiu encaminhar um projeto de lei em regime de urgência – o que ainda não foi feito.

“Um retorno a esse processo mitigaria as possíveis consequências negativas do modelo estabelecido em 2020”, destaca Grace Perez-Navarro, diretora da OCDE. “Isso não terá um impacto negativo nos direitos dos contribuintes, porque eles ainda manterão seu recurso à revisão judicial independente, onde poderão contestar, com base legal, a avaliação tributária, bem como os impostos reivindicados e as penalidades aplicadas”.

Na avaliação dela, pelo regulamento atual, o órgão pode estimular a existência de longas disputas entre contribuintes e Estado, além de caracterizar possíveis conflitos de interesse por conta da participação de representantes do setor privado.

“O alto volume de casos no Carf, o grande valor de impostos sujeitos a disputas no Carf, bem como o longo tempo que esses casos levam para serem resolvidos por meio do processo de recurso administrativo antes de realmente chegarem à revisão judicial, levantam questões sobre a eficiência e integridade do atual processo de recurso administrativo tributário no Brasil”, diz um trecho da carta.

A diretora da OCDE também mencionou dados da Receita Federal que mostram uma tendência de processos envolvendo quantias mais altas terminem empatados no órgão. De acordo com levantamento do governo, os valores das disputas no Carf acumulam o equivalente a 12% do PIB brasileiro.

“Quando a decisão é tomada contra a administração tributária, a decisão não pode ser recorrida pela administração tributária e se torna definitiva, apesar de o resultado ter sido alcançado devido a um empate nos votos. Isso parece inadequado, pois se a decisão é resultado de um empate, isso indica que há algumas questões jurídicas desafiadoras que provavelmente merecem ser esclarecidas e resolvidas por meio de um processo judicial independente, em vez de concluir que o caso está razoavelmente resolvido e deve ser considerado definitivo”, prossegue.

Segundo a Fazenda, as respostas para os recursos impetrados podem demorar até 11 anos, o que naturalmente dificulta as avaliações sobre cada caso e pode levar a litígios intermináveis. Sobre este ponto, a OCDE acredita que a falta de garantia ou pagamento de parte do imposto devido na fase de tramitação do recurso é um mecanismo que pode trazer uma economia ao contribuinte, estimulando de maneira involuntária novas contestações no futuro.

Outro questionamento é sobre a atuação de conselheiros designados pela esfera privada e um possível conflito de interesses quanto às decisões a serem tomadas. Além de representantes da Fazenda, fazem parte da composição do tribunal nomes indicados por órgãos como a Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Cada caso é analisado por quatro conselheiros representado o setor privado e outros quatro auditores da Receita.

“Ao contrário do Brasil, a maioria das jurisdições que analisamos possui algum tipo de processo de recurso administrativo, mas não um que envolva representantes do setor privado no processo de revisão de tomada de decisão. Em vez disso, as revisões são realizadas por funcionários do governo da administração tributária ou Ministério da Fazenda”, destacou.

 
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