O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento de dois recursos em 8 de fevereiro de 2023, fixando teses impactantes acerca da coisa julgada em matéria tributária, especificamente para as chamadas relações jurídicas de trato continuado - que se renovam em períodos de tempo sucessivos, como o que acontece em relação à incidência da maioria dos tributos. Essas decisões, cujos respectivos acórdãos ainda não foram publicados, produzirão efeitos para além das partes envolvidas, sendo de observância obrigatória pelos demais tribunais inferiores, uma vez que foram proferidas em sede de repercussão geral (Temas 881 e 885)1 .

A questão discutida no julgamento relaciona-se ao fato de diversos contribuintes terem obtido decisões transitadas em julgado (em princípio imutáveis), conferindo-lhes o direito de não recolher a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) diante da suposta inconstitucionalidade da Lei nº 7.689/89. Ocorre que posteriormente, em 2007, o próprio STF decidiu pela constitucionalidade da lei que instituiu a CSLL, quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 15/2007, produzindo efeitos contra todos (erga omnes).

Tratando-se de relações sucessivas (ou de trato continuado) de natureza tributária, o STF concluiu que:

● as decisões proferidas em ADI, ADC, ADO ou ADPF 2 (controle concentrado) ou em Recurso Extraordinário com repercussão geral (controle difuso) interrompem automaticamente os efeitos das decisões transitadas em julgado em sentido diverso, não sendo necessário o ajuizamento de ação rescisória; e

● caso as decisões proferidas em ADI, ADC, ADO ou ADPF ou em Recurso Extraordinário com repercussão geral restabeleçam a cobrança de tributos, devem ser respeitadas a irretroatividade e a anterioridade anual ou nonagesimal, conforme aplicável em decorrência da natureza do tributo.

Os Ministros da Suprema Corte também entenderam por não modular os efeitos da decisão proferida, não obstante os seus significativos reflexos econômicos. Assim, na prática, as empresas estão diante de uma imprevista possibilidade de terem que desembolsar valores que há muito entendiam indevidos e que estavam protegidos por decisões transitadas em julgado.

Em princípio, os fatos geradores ocorridos nos períodos ainda não decaídos poderão ser objeto de autuações pelas autoridades fiscais competentes, ou mesmo de execuções fiscais.

Os Temas 881 e 885 têm potencial para impactar os contribuintes quanto a diversas outras teses em que houve alteração jurisprudencial pelo STF.

Observa-se que embora o acórdão sobre o tema ainda não tenha sido publicado, o entendimento fixado no julgamento em questão já foi aplicado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) na análise da Ação Rescisória nº 6015, também em 8 de fevereiro de 2023, quando prevaleceu a reversão automática da decisão transitada em julgado que assegurava aos contribuintes o não recolhimento de IPI na revenda de produtos importados, a partir do julgamento do STF em sentido diverso (Tema 9063 ), respeitada a anterioridade.

Takeaways

Sem entrar no mérito da controvérsia em torno do julgamento em questão pelo STF, o fato é que havia uma natural expectativa por parte dos contribuintes quanto à modulação dos seus efeitos, no sentido de serem estes prospectivos, não alcançando o passado que estaria abrangido pela coisa julgada.

Essa decisão do STF reforça ainda mais o sistema de precedentes, em que as decisões têm efeito de lei geral, e desencadeiam uma série de consequências para os contribuintes, não somente em relação ao passado, como também ao presente e ao futuro.

No que se refere aos efeitos para o passado, recomenda-se que as empresas revisitem os processos tributários em que obtiveram trânsito em julgado, a fim de avaliar se as matérias ali disputadas foram posteriormente julgadas em sentido oposto pelo STF em sede de ADI, ADC, ADO ou ADPF ou recurso com repercussão geral reconhecida.

Em relação ao presente, a CVM emitiu o Ofício-Circular nº 1/2023/CVM/SNC/SEP que aborda o tema e seus potenciais impactos nas Demonstrações Financeiras de 31/12/2022, cujas recomendações influenciam inclusive as empresas que não estão no mercado de capitais. Segundo referido Ofício-Circular as empresas devem avaliar os impactos oriundos da decisão do STF nas suas operações e divulgá-los de forma ampla, observando-se, ainda, a aplicação da Resolução CVM nº 444 , assim como os pronunciamentos CPC nº 24 e nº 25 (em particular o item 9, letra 'a', do CPC 245 , e o item 16, letras 'a' e 'b', do CPC 25)6 .

Reiteramos que o acórdão da decisão em questão ainda não foi publicado, podendo vir a ser objeto de recurso (Embargos de Declaração), não cabendo descartar a possibilidade de uma eventual modulação dos seus efeitos vir a ser novamente interpretada pelo STF. Além disso, é importante ressaltar que a completa dimensão dos impactos do julgamento somente poderá ser conhecida quando da análise do respectivo acórdão e dos eventuais Embargos.

Quanto ao futuro, os contribuintes brasileiros, já tão afetados pelo alto custo da conformidade tributária no País, também terão que passar a considerar, no planejamento de suas operações, o controle permanente e detalhado dos efeitos econômicos de seus processos tributários específicos e particulares, mesmo com trânsito em julgado.

 

1 Os Recursos Extraordinários nºs 949.297 (Tema 881) e 955.227 (Tema 885) foram os leading cases escolhidos como representativos da controvérsia acerca dos limites da coisa julgada em matéria tributária nas relações de trato continuado.

2 Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade, Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão ou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

3 O Recurso Extraordinário nº 946.648 (Tema 906) foi escolhido como leading case representativo da controvérsia acerca da incidência do IPI na revenda de bens importados, tendo sido fixada a tese de ser constitucional a incidência do IPI no desembaraço aduaneiro de bem industrializado e na saída do estabelecimento importador para comercialização no mercado interno.

4 Dispõe sobre a divulgação de informações sobre ato ou fato relevante, a negociação de valores mobiliários na pendência de ato ou fato relevante não divulgado e a divulgação de informações sobre a negociação de valores mobiliários.

5 Trata de Evento Subsequente.

6 Trata de Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes.

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