Brasil, campeão mundial em burocracia fiscal

Segundo estudo publicado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), a carga tributária sobre o Produto Interno Bruto (PIB) passou, em 2014, de 35,04% para 35,42%. Apenas a título de curiosidade, este mesmo estudo identificou que, nos 4 anos do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, a carga tributária se elevou em 1,66 ponto percentual, contra 1,41 ponto percentual dos oito anos de mandato do presidente Lula e 3,75 pontos percentuais dos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso.

Como se não bastasse essa verdadeira “derrama”, como era conhecida a prática de cobranças confiscatórias de tributos para atingir a meta estipulada pela Coroa, União, Estados e Municípios impõem, aos contribuintes e responsáveis tributários, elevado custo para o cumprimento das correspondentes obrigações acessórias (instrumentais).

O levantamento divulgado pela PricewaterhouseCoopers em 2009 revelou que, no Brasil, são gastas 2.600 horas para pagar os tributos, mais especificamente, para que sejam cumpridas todas as correspondentes obrigações acessórias, razão pela qual, entre 183 paises, o Brasil ocupa o primeiro lugar em um ranking do tempo que se gasta com os tributos.

Registre-se que referido estudo foi realizado em 2009, o que significa que, atualmente, é provável que sejam necessárias muito mais horas para que sejam compreendidas e cumpridas as obrigações tributárias acessórias, especialmente diante da criação de nova obrigação, mais sofisticada e complexa.

A avalanche diária de normas impondo novas obrigações acessórias é bastante preocupante e que gera, além de indignação e elevados custos, as seguintes dúvidas: toda essa confusa relação de obrigações acessórias é efetivamente necessária? Para que são criadas tantas obrigações tributárias?

Para ilustrar o desvirtuamento claro da função das obrigações acessórias, podemos citar inúmeros exemplos, como a exigência da apresentação mensal da Guia de Informação e Apuração do ICMS (GIA) pela maioria das Unidades da Federação, inclusive São Paulo. A partir da implementação do Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), mais especificamente da obrigatoriedade de Escrituração Fiscal Digital (EFD), prevista na Portaria CAT 147/09, que contém inúmeras informações, inclusive aquelas apresentadas na GIA, este documento deveria ser dispensado pela fiscalização paulista, tal como ocorre em Estados como Goiás e Mato Grosso do Sul. Contudo, inexplicavelmente não o foi.

Outra obrigação instrumental bastante debatida entre as empresas consiste na escrituração do Livro de Registro de Controle e Produção do Estoque, previsto no Ajuste SINIEF 02/09. Este Livro, também denominado como “Bloco K” em razão de integrar a EFD, tem por objetivo reunir informações acerca da movimentação dos insumos utilizados nos processos produtivos dos estabelecimentos industriais, de seus produtos, e de mercadorias para os estabelecimentos equiparados a industriais pela legislação federal e para os atacadistas.

O cumprimento desta obrigação pode colocar em risco segredos industriais, como fórmulas patenteadas de produtos, gerando enorme polêmica entre os contribuintes, motivo pelo qual o início da eficácia dessa regra tem sido postergado reiteradamente. A última prorrogação foi veiculada pelo Ajuste SINIEF 13/15, que alterou o termo inicial para o início dos anos de 2017, 2018 ou 2019, em razão do enquadramento dos contribuintes nos requisitos determinados pelo Ajuste SINIEF 08/2015.

Convém consignar também a obrigação de informar, nas notas fiscais emitidas em operações com os produtos relacionados nos Anexos II a XXIX do Convênio ICMS 92/15, o Código Especificador da Substituição Tributária – CEST, que identifica a mercadoria passível de sujeição aos regimes de substituição tributária e de antecipação do recolhimento do imposto, relativos às operações subsequentes.

De acordo com referido convênio, o CEST deve ser mencionado no documento fiscal “ainda que a operação, mercadoria ou bem não estejam sujeitos aos regimes de substituição tributária ou de antecipação do recolhimento do imposto”.

Ora, se o CEST consiste no código especificador da substituição tributária, por que esta informação deve ser apresentada em casos em que a operação não esteja sujeita ao regime de substituição tributária? Afinal, qual o propósito desta informação? Além disso, se este dado é tão importante, por que o cumprimento desta obrigação foi adiado de 01/01/16 para 01/04/16, em conformidade com o Convênio ICMS 139/15 e, novamente, de 01/04/16 para 01/10/16, de acordo com o Convênio ICMS 16/16, publicado no Diário Oficial da União de 28/03/16 (dois dias antes do início da eficácia da cláusula sexta do Convênio ICMS 92/15)?

As Obrigações Acessórias e os Limites Materiais para sua Imposição

O Estado necessita de receitas para o cumprimento das competências administrativas que lhe foram atribuídas pelo Poder Constituinte, sendo uma das fontes destas receitas os tributos. Assim, uma vez editada lei instituindo um determinado tributo, cabe ao Poder Executivo cumpri-la, identificando a ocorrência de fatos jurídicos tributários e exigindo o tributo sobre ele incidente (artigo 142 do Código Tributário Nacional).

De acordo com o artigo 145, § 1º da Constituição Federal, cabe à fiscalização conferir efetividade aos objetivos da política tributária, identificar patrimônio, renda e atividades econômicas dos contribuintes, atentando sempre para os direitos individuais assegurados pela legislação.

Para que haja o desempenho satisfatório desta fiscalização, a legislação impõe às pessoas naturais ou jurídicas, contribuintes ou não, inclusive às que gozem de imunidade ou isenção tributária, o cumprimento de obrigações acessórias, nos termos do artigo 113, § 2º do Código Tributário Nacional (CTN).

Trata-se de medidas que permitem a tradução em linguagem competente dos comportamentos, indicativos da prática ou não da materialidade desenhada na regra-matriz de incidência. Nesse sentido ensina Paulo de Barros Carvalho [1] que as obrigações acessórias “cumprem papel relevante na implantação do tributo porque de sua observância depende a documentação em linguagem de tudo que diz respeito à pretensão impositiva”.

Não obstante o Poder Executivo possa editar normas instituidoras de obrigações acessórias, o exercício dessa atribuição legal deve pautar-se em limites materiais, designados principalmente pela finalidade contida expressamente na lei e por princípios constitucionais fundamentais, em especial, razoabilidade e proporcionalidade. Para identificar tais limites, devemos analisar novamente o disposto no artigo 113, § 2º do CTN.

De acordo com este dispositivo legal, as obrigações acessórias têm por objeto as prestações, positivas ou negativas, previstas na legislação tributária, estabelecidas “no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos”.

Depreende-se desta norma que o legislador definiu a finalidade do ato de edição de norma estabelecendo obrigações acessórias. É certo que a administração está vinculada à finalidade geral de atendimento do interesse público [2]. Porém, o artigo 113, § 2o, do CTN, contém finalidade explícita que é o atendimento do interesse da arrecadação e fiscalização dos tributos.

Reconhecemos que esta finalidade explícita é composta por conceitos indeterminados, o que implica conferência de discricionariedade pelo legislador, podendo a administração estabelecer diferentes soluções válidas lançadas a título de obrigações acessórias, sob o argumento de se buscar conferir eficiência ao exercício de suas atribuições de fiscalizar e arrecadar tributos.

Porém, mesmo sendo vagos e imprecisos, os conceitos indicados no referido artigo 113, § 2o, do CTN, têm algum conteúdo mínimo indiscutível, os quais devem ser interpretados sistematicamente, de forma a limitar o conteúdo do ato administrativo e evitar abusos e arbitrariedades.

Seguindo este raciocínio, Maurício Zockun propõe, como possível limite normativo da finalidade caracterizada pelo atendimento do “interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos”, considerar válida a norma instituidora de obrigação instrumental quando “prescrever condutas que tenham por finalidade promover a pessoa competente (que exerce a função de fiscalização) de informações a respeito (i) da ocorrência de fatos jurídicos que ensejam o nascimento de obrigações tributárias materiais; e (ii) seu adimplemento pelo sujeito passivo veiculado no mandamento da norma jurídica tributária.” [3]

Pode-se afirmar, pois, que as obrigações acessórias somente devem ser impostas para possibilitar a fiscalização de fatos relevantes para o direito tributário e a arrecadação de tributos. A imposição destas obrigações com o intuito de servir a outro fim que não seja alcançar esta finalidade legal caracteriza vício de desvio de poder. [4]

Além disso, a administração, ao determinar quais prestações positivas ou negativas permitem a realização da fiscalização e arrecadação dos tributos, deve optar pela forma mais eficiente, o que é possível se observados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

O princípio da razoabilidade consta do artigo 111 da Constituição do Estado de São Paulo, podendo ser identificado ainda em outros dispositivos legais, como no artigo 2o, da Lei 9.784/99, que trata do processo administrativo federal.

Fazemos referência ao mencionado artigo 2o, que, em seu parágrafo único, juntamente com o artigo 29, § 2o, da Lei 9.784/99 parece definir o princípio da razoabilidade, ao impor à administração que (i) zele pela adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público; (ii) busque a adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados; e (iii) realize atos de instrução do modo menos oneroso para os interessados.

De acordo com o Ministro Luís Roberto Barroso [5], são requisitos para configuração da razoabilidade (i) adequação – medidas aptas a atingir os objetivos pretendidos; (ii) necessidade ou exigibilidade – inexistência de meios menos gravosos; e (iii) proporcionalidade em sentido estrito – ponderação entre o ônus imposto e o benefício resultante.

A proporcionalidade, segundo Humberto Ávila [6], “exige que o Poder Legislativo e o Poder Executivo escolham, para a realização de seus fins, meios adequados, necessários e proporcionais. Um meio é adequado se promove o fim; necessário se, dentre todos aqueles meios igualmente adequados para promover o fim, for o menos restritivo relativamente aos direitos fundamentais; e proporcional, em sentido estrito, se as vantagens que promove superam as desvantagens que provoca. A proporcionalidade exige a relação de causalidade entre meio e fim, de tal sorte que, adotando-se o meio, promove-se o fim”.

Trazendo estas ponderações acerca dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, temos que a obrigação instrumental será proporcional quando permitir o exercício da fiscalização e a arrecadação de tributos pela Administração causando o mínimo de prejuízo aos direitos fundamentais dos administrados e garantindo a eficiência da atividade financeira do Estado para atendimento do interesse público.

E será razoável se, a partir de uma análise circunstancial, for possível constatar-se que a prestação imposta está dentro da normalidade, havendo relação congruente entre o critério de diferenciação escolhido e a medida adotada, bem como relação de equivalência entre referida prestação e o atendimento dos interesses de fiscalização e arrecadação tributária.

Nesse sentido Hugo de Brito Machado [7] sustenta que a obrigação instrumental há de ser (i) indispensável (ou seja, necessária) ao controle de obrigação principal, ainda que a ela não se ligue diretamente, (ii) adequada e (iii) proporcional, proibindo-se excessos, devendo a prestação necessária limitar-se ao suficiente para atingir os fins definidos no artigo 113, § 2o, do CTN.

Importa registrar que a excessiva onerosidade no cumprimento das obrigações acessórias deve ser eliminada em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, sob pena inclusive de interferência na concorrência, conforme aletrado por Tércio Sampaio Ferraz Jr. [8], para quem “a imposição de obrigações tributárias acessórias, para ser enquadrada como medida abstrata e, em termos de neutralidade concorrencial, como legítima, deve ter uma repercussão equânime entre os concorrentes”.

Analisando as circunstâncias da imposição de incontáveis obrigações acessórias, que dificultam cada dia mais a atuação dos contribuintes no Brasil, como é o caso da informação do CEST nas notas fiscais emitidas em operações não sujeitas ao regime de substituição tributária, a entrega da GIA, quando os dados já constam da EFD, e preenchimento do Bloco K, na mencionada EFD, é explícita a inobservância dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade pela Administração. O elevado custo e a grande dificuldade de compreensão impõem urgente revisão destas obrigações, sob pena de inviabilização do exercício de atividades econômicas num cenário já bastante desfavorável política e economicamente.

Lançamos um desafio para que alguma entidade de pesquisa consiga levantar todas as obrigações acessórias a que está sujeita uma empresa quando atua nas esferas de competência federal, estadual e municipal.  

Fonte: UOL via http://www.ibpt.com.br/noticia/2439/Brasil-campeao-mundial-em-burocracia-fiscal

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