Sescon-SP pede reforma política antes da tributária

A crescente mudança da contabilidade no Brasil, ante a necessidade de adequação do País aos IFRS (normas internacionais de contabilidade) e do avanço da tecnologia para controle contábil trouxeram à tona a necessidade de se reverem alguns conceitos de estrutura para reformular o setor. De acordo com José Maria Chapina Alcazar, presidente do Sescon-SP, o Brasil ainda precisa enfrentar as reformas tributária e política para se tornar competitivo. Abaixo, os principais trechos da entrevista concedida ao DCI. - 

 

 

Roberto Müller Filho: Você acredita que sairá a reforma tributária integral ou a fatiada?
José Maria Chapina Alcazar: A reforma fatiada, se sair, coisa boa não virá. Porque o governo não tem predisposição de efetuar uma reforma que reduza a carga tributária, já que cada vez mais ele necessita de dinheiro novo, visto que os gastos públicos não dão sinais de redução. Nesse cenário, como é que se pode realizar uma reforma fatiada, que é o que se diz agora sobre os encargos sociais na folha de pagamentos? De qualquer forma, a Receita Federal já disse que não pode perder receita. Então, caso saia uma reforma desse padrão, o governo terá de criar uma compensação para a perda que virá pelos encargos sociais. Então virão outras ações, ou a volta da CPMF. Desta forma, não acredito que a reforma fatiada é o melhor caminho. Antes da reforma tributária nós precisaríamos rever o modelo político brasileiro, ou seja, uma reforma política. Hoje não sai a reforma tributária no Brasil porque não há consenso entre os governadores estaduais. Toda vez que se pretende mexer no sistema tributário há um braço-de-ferro muito grande entre os estados. 


RMF: Por que os estados obrigatoriamente perderiam receita e controle? 
J.M.C.A.: Se você faz uma reforma tributária no Brasil, como aquela que estava em vias de aprovação, de autoria do deputado federal Sandro Mabel e que reduzia o ICMS e criava o IVA [Imposto sobre o Valor Agregado], acabou mexendo com os estados, que sentiram que começariam a perder a arrecadação interna. E não houve consenso para aprovação em decorrência da resistência dos governadores. Além disso, quando se fala na criação de um IVA, que seria um imposto monitorado pelo governo federal, você tira a autonomia dos governadores na hora da distribuição da arrecadação. E só assim aconteceria o imposto sobre o valor agregado, que é o que acontece na maioria dos países desenvolvidos, caracterizado por um imposto federal, em que o governo federal distribui a arrecadação para os estados. Dessa forma, antes de acontecer uma reforma tributária é preciso acontecer uma reforma política para que se quebre este amor pelo controle e pela arrecadação estadual. O governo comemora o aumento da arrecadação dos impostos todos os meses, e para onde vai essa sobra de dinheiro? Talvez já fosse a hora de reduzir o ICMS e o imposto de renda.


RMF: Mas isso é sobra ou isso vai para pagar dívida publica?
J.M.C.A.: A dívida pública estava equilibrada, estava saneada e o que aconteceu: a má gestão do governo fez com que as reservas do País se esgotassem. Agora, para fazer investimento em obras públicas há a necessidade de pegar dinheiro no exterior.Toda a arrecadação atualmente está sendo gasta com custeio público. No Estado de São Paulo, 70% ou mais dos impostos são gastos com mão de obra. Então não sobra dinheiro para o governo investir na saúde, na educação, na moradia; é quando entra o capital estrangeiro. É assim com o governo federal, que está começando a pegar dinheiro de fora. Isso fez com que a dívida pública voltasse a crescer, afinal de contas o custo da máquina é um custo viciado, muito caro. Além disso, há também os escândalos e desvios que acompanhamos a todo momento. E isso gera o superfaturamento, que é o que vai acontecer com a Copa do Mundo, que está sendo feita toda em regime de urgência. Hoje as obras já estão atrasadas, e há até uma estratégia para que isso aconteça porque todas as licitações entrarão em regime de urgência, e então não haverá controle de preço, porque a prioridade maior é execução da Copa.


RMF: Qual é a reforma tributária ideal para o País?
J.M.C.A.: A reforma ideal é a que torne o Brasil competitivo com o mundo. Hoje, a indústria nacional está perdendo a potencialidade de geração de emprego em função da concorrência internacional da China. Você tem um custo social na China, em folha de pagamento, que é de cerca de 8% a 10%; aqui, no Brasil, cada R$ 1 que se paga de salário custa para a empresa R$ 2,20, na indústria; no comércio, para cada R$ 1, você paga a mais R$ 0,8. Só de encargos sociais, direitos trabalhistas, férias, décimo terceiro, fundo de garantia, feriados, previdência social e benefícios. O protecionismo eleva o custo Brasil e impede o País de se tornar competitivo no mundo.


RMF: E quantos impostos haveria na reforma ideal? 
J.M.C.A.: No modelo ideal os impostos não poderiam passar de 5% a 10% com o imposto de renda, o IVA e o imposto unificado de todas as operações. Talvez também fosse o caso de cobrar impostos separados nos setores de serviços. Hoje existe uma proposta de imposto único que está centrada em cima das ações financeiras. Quem defende o projeto é o Marcos Cintra. Mas só é válido se esse imposto acabar com os outros, não se somar à lista de impostos a serem pagos. A questão aqui é descobrir como mexer numa maquina montada com essa estrutura. Com deputado, parlamento, deputado estadual, com a crescente criação de cargos para vereadores - à medida em que os municípios aumentam, aumenta o número de vagas nas câmara municipais. 


RMF: É curioso: aparentemente, quanto mais complicado for o sistema tributário, melhor seria para os contadores, não é?
J.M.C.A.: Não, a questão importante aqui é essa falsa imagem da produção contábil, de que quanto mais complicado melhor é para o contador. Se você pegar o período da era industrial, de 1940 a 1980, o contador foi desclassificado como profissão porque ele ficou visto como o meio entre o fisco e o empreendedor. E essa mediação estava ligada a um trabalho tarefeiro, burocrata, que só atende às obrigações inerentes a governo. Nessa época o contador não participava de nenhum planejamento estratégico, principalmente na pequena e média empresa, que representa 99% dos contribuintes. Dessa forma, o profissional não tinha valor agregado, não tinha valor estratégico. De 1980 para cá, com o avanço tecnológico, com nota fiscal eletrônica e inteligência do fisco nos cruzamentos eletrônicos, o governo promoveu um avanço tecnológico que está colocando todo o contribuinte brasileiro em um nivelamento de condições de pagamento e tributos. Além disso, tivemos, de 1940 até 1990, uma grande incidência de informalidade, onde a contabilidade não era necessária como instrumento de gestão. Então, quando você tem na economia um índice de informalidade muito grande, para que serve a contabilidade? Dos anos 2000 para cá, com o avanço tecnológico, houve uma mudança do perfil do profissional de contabilidade: o empresário está se conscientizando de que ele precisa de uma boa gestão contábil.


RMF: E os profissionais dessa área já estão preparados para este novo cenário? 
J.M.C.A.: Não. Não só os contadores como os empresários. São os dois lados que precisam da educação permanente, tanto para os contadores, que estão vivendo ainda no universo da burocracia, e não ganham dinheiro com isso porque o contribuinte não reconhece o valor agregado nessa prestação de serviços, quanto para as empresas. A burocracia pode trazer benefícios para alguns, mas não para o contador, ao contrário do que muita gente pensa. A complicação só traz benefício para a corrupção. Se eu não contribuo com todos os impostos, eu tenho a possibilidade de ser corrompido, ou corromper, em conluio com aquele que tem o poder de cobrar os impostos. Hoje o contador é responsável juntamente com o empresário, e responde criminalmente, inclusive com seus bens. E isso melhorou as coisas de 2000 para cá. Porque as empresas não querem correr mais risco. 


RMF: E o que vocês estão fazendo para preparar este pessoal todo?
J.M.C.A.: Nós temos aqui, no Sescon, um programa de qualidade das empresas de contabilidade. No ano de 2011 nós já certificamos 350 empresas. Mas ainda é pouco para o universo de empresas que nós temos no Brasil. 


RMF: A Unisescon faz parte desse esforço?
J.M.C.A.: Sim! Nós investimos na construção de um prédio de 11 andares exatamente para ampliação da formação de cursos técnicos. De acordo com a nova lei, o curso técnico será extinto a partir de 2014. Só haverá a formação em curso universitário de Ciências Contábeis. Mas já existia um vazio dentro da formação profissional. Hoje, o profissional de qualquer área sai da faculdade despreparado para servir. E a Unisescon vem exatamente para preparar e capacitar profissionais. Temos cursos de pós-graduação e técnicos, sempre em parceria com a Escola de Ciências Contábeis Trevisan.


RMF: E agora voltou a obrigatoriedade do exame de qualificação, não é?
J.M.C.A.: Voltou, e a aprovação está no mesmo caminho da OAB. A baixa qualificação fez com que um número muito grande fosse reprovado, e o Sescon entra nesse meio para capacitar esse pessoal, não só àquele que já está formado, como àquele que venha a se formar. 


RMF: Essa mudança tecnológica, na velocidade em que aconteceu, implicou muitos investimentos para as empresas de contabilidade?
J.M.C.A.: Eu diria que essa mudança está implicando principalmente o investimento na estrutura de organização de processos. Na indústria, no comércio e no setor de serviços, além das empresas de contabilidade. Não adianta somente o contador investir em tecnologia e o seu cliente ainda estar com uma colcha de retalhos nos seus processos de gestão interna. Então imagine que uma empresa que compra sem nota, vende com nota, ou o inverso, isso tudo ficará transparente na hora de uma auditoria ou fiscalização eletrônica. E, classificados de sonegação fiscal, eles irão responder solidariamente. 


RMF: Como o Sped (Sistema Público de Escrituração Digital) ajudou a ação de vocês?
J.M.C.A.: Exatamente com essas ações. E agora tem o Sped PIS/Cofins que pega aquilo que antes se dizia que era só para as grandes empresas, as empresas do lucro real. Nos últimos anos o fisco vem reduzindo o número de exigências e vem pegando agora as empresas do lucro presumido também. E vai chegar nas empresas do Simples. Então, a partir de janeiro de 2012 as empresas que adotam o sistema de lucro presumido passam a ser obrigadas a entregar Sped PIS/Cofins, já que toda empresa se utiliza dele. E vai concentrar atenção naquelas empresas que têm lucro presumido de até R$ 48 milhões por ano, o que antes só ocorria com empresas do sistema de lucro real. A mudança cultural entre comércio, indústria, serviços e fisco vem em decorrência da nota fiscal eletrônica. 


RMF: Isso não aumenta o valor da arrecadação?
J.M.C.A.: Com certeza, isso vai diminuindo a sonegação. É o que acontece: com o avanço dos controles eletrônicos, há o aumento da arrecadação e o governo não fala sobre reforma tributária. Por qual razão? O estado vem elevando a arrecadação todos os meses. Por que ele não reduz a alíquota de 18% para 12%? Já está em condições de fazer, por que é que não faz?


RMF: E isso já está em fase de finalização?
J.M.C.A.: Sim, já está no final. No começo houve certa resistência para a implantação, mas agora isso está ficando superado e os balanços já estão saindo de maneira adaptada. Por exemplo, o valor de estoque ou valor do ativo precisam ser lançados pelo valor de mercado, não pelo valor de custo. O patrimônio líquido de uma sociedade precisa estar contabilizado pelo valor de mercado, não pelo valor que o executivo avalia. Antes o investidor vinha para o Brasil, e quando pegava os balanços brasileiros tinha de contratar uma empresa para fazer as conversões e os ajustes da metodologia brasileira para a metodologia internacional, e assim poder chegar em uma analise. E hoje já há um padrão. 


RMF: Na medida em que cresceu a qualificação do contador, o auditor faz muita coisa que também é feita pelos contadores?
J.M.C.A.: Eu diria que, de 1940 a 2000, os auditores também tinham um papel dentro da sociedade: o de adaptar as demonstrações financeiras ao mundo real, que antes era uma atribuição dos contadores. Porém a auditoria entrava muito nessa área de consultoria e planejamento. Com a evolução tecnológica, as peças contábeis ficaram mais transparentes, então o contador passa a ter sua expressão efetivamente de representação do número real da contabilidade, e o auditor passa a ter a sua profissão mais valorizada também porque ele não precisa mais ter controles paralelos. O que nós precisamos lutar é para que a legislação brasileira comece a tratar o contribuinte brasileiro como um cidadão de boa-fé, até prova contrária.

 

12/07/11 - 00:00 > TV

 

http://www.dci.com.br/Entrevista-Jose-Maria-Chapina--Alcazar_-do-Sescon-SP_-pede-reforma-politica-antes-da-tributaria-414-380826.html

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