Reflexões sobre a tributação em novos tempos

Por Ana Cláudia Utumi

É visível a evolução das autoridades tributárias ao longo dos últimos anos, não apenas em relação à estrutura de suporte – sistemas, cruzamento de informações, SPED etc. –, mas também ao treinamento e preparo do pessoal.

Nos últimos anos, temos o Fisco brasileiro em nova era nas relações internacionais, com aumento do número de tratados para evitar a dupla tributação e para troca de informações, bem como participação em foros internacionais como Comitê Tributário da ONU, Centro de Estudos Fiscais da OCDE, Centro Interamericano de Administrações Tributárias (CIAT), entre outros.

Dentre as iniciativas que o Brasil tem feito parte, destaca-se o Fórum de Transparência Fiscal da OCDE, no qual os países têm revisado suas legislações de combate à sonegação, e discutido maneiras de melhorar a comunicação entre os países de forma a criar trocas automáticas de informação.

A partir de 2017, haverá trocas automáticas de informação com os Estados Unidos (EUA), sob o denominado FATCA (Foreign Account Tax Compliance Act), que obriga as instituições financeiras estrangeiras a fornecerem informações acerca de contas de americanos, sob a pena de terem de pagar 30% na fonte sobre todos os valores a receber de fonte americana. O Brasil é um dos países que deve assinar um acordo intergovernamental (IGA) e provavelmente exigir a reciprocidade ao fornecimento automático de informações de brasileiros que tenham conta nos EUA.

Assim, os brasileiros têm de se preparar para um mundo interconectado em matéria tributária, e não mais o fisco limitado ao que se passa só no Brasil.

Outro destaque é a iniciativa da OCDE chamada BEPS (Base Erosion and Profit Shifting), objeto de declaração do G20 no ano passado, motivado pelo fato de vários países que necessitam de mais receitas tributárias não encontrarem mais espaço para aumentar alíquotas. O BEPS visa aumentar arrecadação elevando a base de cálculo, de modo a combater operações que resultem em deduções excessivas de despesas e/ou transferência de lucros para outros países, que causam justamente a “erosão da base de cálculo”.

O BEPS é um dos temas mais importantes no cenário brasileiro – planejamentos tributários, substância sobre a forma e propósito negocial e leis gerais antielisivas (general anti-avoidance rule – GAAR).

Na análise da substância sobre a forma, a essência do negócio é mais importante que a forma jurídica atribuída pelas partes. Se as partes estabelecem a compra e venda de um bem por valor ínfimo, ao analisar a substância o fisco poderia considerar como doação - e tributar de acordo com os efeitos dessa.

Na análise do propósito negocial, verificam-se quais as razões que não a economia fiscal para a realização da operação, pois nos países com leis sobre o assunto, entende-se que a economia tributária deve ser consequência, e não causa de uma transação. Nos EUA, a operação só teve propósito negocial se mudar substancialmente a situação da empresa, e se resultar, independentemente dos efeitos tributários, em aumento de lucro.

No Brasil, no passado, a doutrina e a maior parte das decisões administrativas tributárias privilegiavam a forma - a regularidade dos contratos, o atendimento aos requisitos formais para que um negócio fosse estabelecido. Não importavam os objetivos das partes ou o impacto econômico: os negócios eram avaliados segundo o cumprimento ou não das formalidades legais.

Nos últimos 10 anos, a jurisprudência administrativa tem mudado para abranger a análise da real substância do negócio – e não mais apenas da forma -, bem como dos propósitos negociais. O curioso é que essa mudança não foi causada por alteração em lei, mas sim, pela maneira com que os julgadores passaram a enxergar a economia tributária.

Se, por um lado, as análises da substância e do propósito negocial estão em linha com o que ocorre em grande parte dos países, por outro, preocupa o fato de essa análise não ser embasada em uma lei específica sobre o assunto, podendo gerar distorções na aplicação dessas análises. Outra preocupação é analisar com a visão de hoje operações que foram concluídas no passado, quando o contribuinte fez negócios com boa fé, confiando que seu caso seria decidido conforme a jurisprudência da época, sendo surpreendidos por autos de infração com multas substanciais e por decisões finais contrárias.

Independente de nova legislação, fato é que essa tendência – substância sobre a forma e propósito negocial – veio para ficar, de tal maneira que cada oportunidade de negócio é uma chance de analisar qual a forma mais eficiente de fazê-lo, não havendo “fórmulas mágicas” para grandes economias tributárias. A economia tributária deixa de ser uma responsabilidade exclusiva das áreas jurídica e tributária para ser uma responsabilidade de toda a empresa, de cada gestor de negócios, de produção, de vendas etc., buscando, em cada grande ou pequeno negócio que a empresa faça, a forma mais eficiente do ponto de vista tributário.

http://pt.camaradojapao.org.br/camara-em-acao/opiniao/?materia=25122

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