Com mecanismos de vigilância ágeis e eficientes, Administração Tributária Nacional aumenta controle a irregularidades fiscais e contábeis das empresas. Entenda as armas do Fisco contra a sonegação - e saiba como evitar surpresas Por Thiago Oliveira Em setembro último, encerrou-se o prazo para cerca de 79 mil pessoas jurídicas abrirem suas contas aos órgãos de fiscalização fazendária por meio da digitalização de seus livros contábeis e fiscais. Não é de hoje que a Administração Tributária Nacional vem aumentando a sentinela sobre os impostos devidos pelas empresas e, por consequência, intensificando o combate à sonegação. O advento do Sped (Sistema Público de Escrituração Digital), a partir de 2007, e, pouco antes, da NF-e (Nota Fiscal Eletrônica), em 2005, representaram verdadeira alavancagem na eficiência operacional do erário, num movimento que, dizem os especialistas, só tende a aproximar cada vez mais os olhos do Estado sobre as contas das pessoas jurídicas. A palavra-chave tanto do Sped quanto da NF-e (que distingue essas ferramentas de ações anteriores adotadas pelo Fisco) é integração: ambas são focadas em reunir, na coleta de informações contábeis e fiscais, os três entes tributantes (União, Estados e Municípios). Entram no Sped, por exemplo, recolhimentos como o de ISS (Imposto Sobre Serviços), IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Na parte contábil, o sistema substitui diversos livros de escrituração mercantil, como os Livros Razão, Diário, Balancetes Diários e Balanços, Diário com Escrituração Resumida, Diário Auxiliar e Razão Auxiliar. Tudo é transformado em material eletrônico e encaminhado à Receita Federal num só arquivo - e a Receita, por sua vez, disponibiliza as informações para consulta de outras entidades governamentais. Dessa forma, com tudo centralizado, cruzado e compartilhado pelas três esferas num só sistema, reduzem-se significativamente as chances de evasões tributárias - sem falar na rapidez do tráfego de dados, armazenados em formato digital, que permitirá à Receita e demais órgãos controladores a cobrança mais célere de débitos em aberto. "Antes, a máxima era: 'Um dia o Fisco pega'. Agora está ficando mais apertado, o Fisco vai pegar mais rápido, e a punição virá mais cedo também, com a eficiência de um sistema como o Sped", analisa a consultora Martelene Carvalhaes Pereira e Souza, sócia da MLF Consultoria Tributária. "Se a empresa deixar de pagar determinado imposto hoje, na hora que entregar a DCTF mensal (Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais), a dívida já vai ser identificada. O cerco está se fechando", afirma Martelene. O contador Edson Paulo Evangelista, sócio da Styllus Consultoria Contábil, corrobora: "A fiscalização sempre demorou muito porque era feita por processo manual", diz. "Com a chegada do Sped, a tendência é que a interferência humana seja mínima, e aquilo que demorava de dois a três anos para ser fiscalizado, vai levar um ano ou menos - a documentação, os valores, tudo vai estar disponível de pronto ao Fisco", explica Evangelista. Fiscais à porta Para as empresas do setor da construção, a indicação é que esse estreitamento da vigilância e ganho em eficiência do Estado sirvam como estímulo a uma revisão geral da gestão tributária. O objetivo não seria apenas fugir de pesadas multas e punições por equívocos na contabilidade, mas também estudar meios de se tirar proveito da nova sistemática, que é benéfica em vários sentidos. Até porque, de um modo ou de outro, escapar às abocanhadas do Fisco ficará quase impossível. "Todas as informações que vão para o Sped a Receita Federal já possui hoje. Trata-se apenas de um controle mais eficiente, centralizado, que só vai prejudicar as empresas sonegadoras, de má-fé ou desorganizadas", avalia Martelene Carvalhaes. O argumento comumente utilizado pelas empresas para justificar enquadramentos na fiscalização (de que erram por falta de conhecimento, atoladas na burocracia fiscal e tributária do País) perderá em grande parte seu sentido. "De fato, hoje, as falhas e vulnerabilidades das empresas em relação ao Fisco têm muito a ver com excesso de normas, prazos, multas e juros em cada um dos três entes tributantes", reconhece a consultora. "Ocorre que a unificação dos controles pelo Sped vem justamente para facilitar e simplificar esse processo", observa. "Uma evidência disso é que as empresas inseridas no Sped não precisarão mais apresentar a DIRPJ (Declaração de Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas) a partir do ano base de 2009, porque o Fisco já terá automaticamente todas as informações." A informalidade da mão de obra, aspecto delicado e ainda muito vivo no setor, também entrará nas teias do Sped, embora não por vias diretas. "O INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) é interligado com a Receita Federal, e já tem um sistema de controle muito eficiente, operado pela Caixa Econômica Federal, que é a GFIP [Guia de Recolhimento do FGTS - Fundo de Garantia do Tempo de Serviço]", lembra Martelene. "O custo da obra registrado contabilmente inclui materiais e mão de obra (própria ou terceirizada). Portanto, dentro dos registros contábeis, já existe a comprovação real dos trabalhadores utilizados em cada empreendimento. Acaba tudo indo para dentro do Sped", explica a consultora. Enfatiza-se, aqui, o alerta já mencionado: em caso de irregularidades, fiscais que antes demoravam anos para aparecerem (isso se de fato surgissem) não demorarão mais do que alguns meses para baterem à porta das empresas, munidos de verdadeiros dossiês compilados em alguns cliques junto às Secretarias Estaduais de Fazenda, Secretarias Municipais de Finanças e Receita Federal. Consistência do conteúdo Enquanto as penalidades parecem ser questão de (pouco) tempo às empresas que funcionam deliberadamente à margem da lei, para as organizações regulares recomenda-se cuidado redobrado na formatação dos dados a serem enviados ao Fisco. Em informativo ao mercado, a consultoria multinacional KPMG chama a atenção para o tema: "Diante da complexidade tributária no Brasil e das inúmeras obrigações acessórias que os contribuintes têm de cumprir, as quais se contraporão ao alto grau de eficiência e agilidade que as Administrações Tributárias terão, é temeroso disponibilizar essas informações sem previamente validá-las, verificando a aderência à legislação, a qualidade e a consistência". O "temor" mencionado no texto tem dois encaminhamentos: o primeiro, mais palpável, é o da entrega de dados insatisfatórios a uma sistemática que, embora preze pela simplificação, peca por ser muito recente. Roberto Cunha, sócio da área de tributação da KPMG, apurou esse efeito num breve levantamento com cerca de 50 executivos de finanças, durante congresso do segmento: 82% declararam ter médio ou baixo grau de segurança quanto às informações transmitidas, via Sped, à Receita Federal. A segunda vertente de preocupação, constatada no mesmo levantamento, tem a ver com a manipulação das informações entregues. Isto é: quais órgãos públicos exatamente terão acesso aos dados das empresas, em que grau de detalhamento e que uso farão do material. Perguntados se se sentiam incomodados com essa questão, 40% dos entrevistados disseram "relativamente incomodados", e outros 43% afirmaram que a situação lhes provoca "muito incômodo". "Essas empresas que entregaram o Sped deveriam, agora, com mais calma, rever seus procedimentos tributários - até para reverter esse grau de confiança quanto ao conteúdo do arquivo que está na Receita", orienta Roberto Cunha. "Dá tempo, são cinco anos para que se faça essa revisão", destaca, aludindo ao prazo de prescrição tributária. A boa notícia é que, constatados erros durante a revisão, existe a possibilidade de retificação, conforme salienta Martelene, da MLF: "O sistema contábil é muito flexível. Posso identificar um erro de dois ou três anos atrás, voltar e corrigir". Em consonância, Cunha argumenta: "E se houver erros, por que não corrigir? Sai mais barato pagar 20% e consertar (a título de multa de mora) do que pagar 75% (multa de ofício) e ainda ficar em condição de difícil defesa, dependendo do que é apontado". Segundo Martelene Carvalhaes, muitas empresas optam por não realizarem a correção de problemas posteriormente encontrados em suas declarações ao erário, com receio de atraírem a atenção dos fiscais. "Isso não faz nenhum sentido. As informações o Fisco já possui hoje. Ele só vai passar a ter um controle mais eficiente da fiscalização", reforça a consultora. Outra inquietação permanente está ligada a possíveis riscos de contaminação em virtude de práticas de subempreitadas - irregularidades nas contas das empresas terceirizadas que possam comprometer as contratantes junto ao Fisco. A esse respeito, Martelene Carvalhaes acredita que, quando as construtoras começarem a se organizar, vão estimular a organização de toda a cadeia, numa escala natural. "E enquanto os pequenos e médios empreiteiros - a quem os serviços específicos são incumbidos - não se organizam, existem alguns cuidados que as construtoras podem tomar, para se precaverem." Entre esses cuidados, a especialista em tributação na construção civil destaca o acompanhamento e controle diário de dois tributos vinculados às obras: o ISS e o INSS. "Fazemos muitos trabalhos de auditoria nessa área, e na maioria dos casos constatamos erros com esses tributos", relata. Entenda o Sped O QUE É O Sped (Sistema Público de Escrituração Digital), carro-chefe da Administração Tributária Nacional na busca por eficiência e combate à sonegação, foi instituído em janeiro de 2007 pelo decreto 6022, e faz parte do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), do Governo Federal. DIFERENCIAL O grande destaque do sistema é promover uma atuação integrada de União, Estados e Municípios no recolhimento e consulta de dados fiscais e contábeis das empresas. Os documentos enviados ao programa são eletrônicos, e utilizam-se da chamada certificação digital como assinaturas - o que garante a validade jurídica do material apenas na sua forma digital. COMPOSIÇÃO A ferramenta é composta por três módulos centrais: Escrituração Contábil Digital, Escrituração Fiscal Digital e NF-e (Nota Fiscal Eletrônica). PRAZOS O ano de 2009 inaugura a adesão compulsória de um número mais significativo de empresas. Em setembro último encerrou-se o prazo para que 79 mil pessoas jurídicas entregassem o Sped Fiscal. Na versão Contábil do programa, são 8.200 empresas a enviarem seus arquivos, até o final do ano, à Receita Federal - responsável pela administração do sistema e compartilhamento das informações com demais órgãos públicos nas três esferas governamentais. Até 2010, outras 170 mil empresas deverão entregar o Sped Contábil. Como fazer a escrituração digital Versão Fiscal No site da RFB, http://www.receita.fazenda.gov.br, na aba Empresa, clicar em "Todos os serviços", selecionar "Procuração Eletrônica e Senha para pesquisa via internet", "procuração eletrônica" e "continuar" ou opcionalmente https://cav.receita.fazenda.gov.br/scripts/CAV/login/login.asp. 1. Login com certificado digital de pessoa jurídica. 2. Selecionar "Procuração eletrônica". 3. Selecionar "Cadastrar Procuração" ou outra opção, se for o caso. 4. Selecionar "Solicitação de procuração para a Receita Federal do Brasil". 5. Preencher os dados do formulário apresentado e selecionar a opção "Assinatura da Escrituração Fiscal Digital (EFD) do Sistema Público de Escrituração Digital", constante do quadro "Destinados tanto à Pessoa Física quanto à Pessoa Jurídica". 6. Para finalizar, clicar em "Cadastrar procuração", ou "Limpar" ou "Voltar". Regra geral: se existir a informação [no arquivo da EFD], o contribuinte está obrigado a prestá-la. A omissão de informações poderá acarretar penalidades e a obrigatoriedade de reapresentação do arquivo. Poderão assinar a EFD: 1. o e-PJ ou e-CNPJ que contenha a mesma base do CNPJ (oito primeiros caracteres) do estabelecimento; 2. o e-PF ou e-CPF do representante legal da empresa no cadastro CNPJ; 3. a pessoa jurídica ou a pessoa física com procuração eletrônica cadastrada no site da RFB, por estabelecimento. Cadastramento de Procuração Eletrônica: Mais detalhes: http://www1.receita.fazenda.gov.br/Sped/sped-fiscal/download/guia_pratico_da_efd_versao_1_0_5.pdf Versão Contábil A partir do seu sistema de contabilidade, a empresa gera um arquivo digital no formato especificado no anexo único à Instrução Normativa RFB no 787/07 (disponível no menu Legislação). Faça o download do PVA e do Receitanet e instale-os em um computador ligado à internet. Pelo PVA, execute os seguintes passos: Validação do arquivo contendo a escrituração; assinatura digital do livro pela(s) pessoa(s) que têm poderes para assinar, de acordo com os registros da Junta Comercial e pelo Contabilista; geração e assinatura de requerimento para autenticação dirigido à Junta Comercial de sua jurisdição. Para geração do requerimento é indispensável, exceto para a Junta Comercial de Minas Gerais, informar a identificação do documento de arrecadação do preço da autenticação. Verifique na Junta Comercial de sua Jurisdição como obter a identificação. Assinados a escrituração e o requerimento, faça a transmissão para o Sped. Concluída a transmissão, será fornecido um recibo. Imprima-o, pois ele contém informações importantes para a prática de atos posteriores. Ao receber a ECD, o Sped extrai um resumo (requerimento, Termo de Abertura e Termo de Encerramento) e o disponibiliza para a Junta Comercial competente. Na atual estrutura, cabe à Junta Comercial buscar o resumo no ambiente Sped. Enquanto ela não adota tal providência, ao consultar a situação, a resposta obtida será "o livro digital foi recebido pelo Sped Contábil, porém ainda não foi encaminhado para a Junta Comercial". Verifique na Junta Comercial de sua jurisdição como fazer o pagamento do preço para autenticação. Textos retirados do site da Receita: http://www1.receita.fazenda.gov.br Empresas de lucro presumido não estão imunes Como, por ora, o Sped destina-se somente a optantes do regime de lucro real, pode haver uma corrida das empresas por mudanças nos seus regimes tributários - do lucro real para o lucro presumido, de modo a escaparem à exigência de entrega do documento. De acordo com especialistas em tributação, a manobra é duplamente desaconselhável, tanto para quem teme os custos de adaptação ao novo sistema como para quem pretende fugir do cerco a irregularidades que a ferramenta representa. No primeiro caso, o argumento em contrário tem relação com a economia que o Sped proporciona às empresas participantes, devido à eliminação de material físico (decretação do fim das salas apinhadas de arquivos) e concentração somente em documentos eletrônicos. "O sistema substitui cerca de 20 obrigações acessórias que uma pequena empresa precisa entregar, possibilitando uma diminuição no custo operacional tributário da ordem de 60% a 70%", calcula o contador Edson Paulo Evangelista, sócio da Styllus Consultoria Contábil. Por fim, para quem o objetivo é escapar à vigilância cerrada do Fisco, uma pergunta da contadora, advogada e especialista em tributação Martelene Carvalhaes, da MLF Consultoria: "Alguém realmente acha que, por não serem obrigadas a entregar o Sped, as empresas enquadradas no lucro presumido são menos fiscalizadas?". A resposta, tal qual o lucro, é presumível: "Pois são fiscalizadas da mesma forma - apenas por instrumentos diferentes, como DCTF (Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais), Dacon (Demonstrativo de Apuração de Contribuições Sociais), Dimob (Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias), Dirf (Declaração do Imposto de Renda Retido na Fonte), Rais (Relação Anual de Informações Sociais) e IRPJ (Imposto de Renda Pessoa Jurídica)", lista Martelene. http://revista.construcaomercado.com.br/negocios-incorporacao-construcao/99/contabilidade-fisco-fecha-o-cerco-153237-1.asp
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