Dois quintos dos infernos

O Estado Brasileiro toma via impostos 40% da riqueza produzida pelo setor privado. Se
devolvesse com bons serviços, não haveria problema. Do jeito que está, porém, a carga
tributária é um golpe pesado na competitividade da economia brasileira

Humberto Maia Junior

Os cobradores de impostos da época do Brasil colônia não tinham vida fácil. Diz a
lenda que, sempre que iam buscar os 20% destinados à coroa portuguesa sobre a
produção de ouro - que eram chamados de quinto -, eles ouviam um desaforo do 

contribuinte: "Vá buscar o quinto nos infernos!" Dai teria surgido a expressão "vá para
o quinto dos infernos". Hoje, os contribuintes não poderiam usar essa imprecação por
uma razão simples: no Brasil atual, o quinto virou dois quintos. Ficaria esquisito mandar
alguém para os "dois quintos" dos infernos. O fato é que 40% da riqueza produzida no
país segue para os cofres do Estado, conforme demonstra um levantamento feito pela
Fipecafi, fundação de estudos de contabilidade ligada à Universidade de São Paulo e
responsável técnica pela coleta e análise da maior parte dos dados econômico-financeiros publicados em MELHORES E MAIORES.

O estudo da Fipecafi pegou uma amostra de 862 grandes empresas e avaliou o destino
da riqueza gerada por elas. Como se disse, a maior fatia é levada pelo Estado —
incluindo União, estados e municípios. Cerca de um quarto vai para os trabalhadores via
salários e benefícios pagos pelos empregadores, como plano de saúde e previdência
privada. Outros 21% vão para o pagamento de juros. E sobram 13% de lucro para o
dono ou para ser distribuídos entre os acionistas. Em 2008, a situação era melhor para
os investidores: a fatia da riqueza gerada que ficava com eles era de 18%.
Essa queda ocorreu por causa do aumento de 6 pontos percentuais de lá para cá na fatia
destinada aos trabalhadores — reflexo do aumento dos quadros de funcionários e dos
ganhos reais no salário mínimo. Mas o que chama a atenção é o naco do setor público,
que sempre ficou em torno de 40%. "O Estado é praticamente o sócio majoritário das
empresas no Brasil", diz Ariovaldo dos Santos, autor do levantamento. "Isso não vai
mudar, mas o que poderia melhorar é a forma como esses impostos são usados."
Desde que os seres humanos acharam por bem se organizar em sociedades subordinadas
à autoridade do Estado, passaram a ter uma certeza inescapável: impostos existem e devem ser pagos. Pode-se dizer que, hoje, a situação é muito melhor do que até poucos
séculos atrás, quando os impostos serviam apenas para sustentar o monarca, sua família
e a nobreza. São poucos os países que não oferecem, em troca dos impostos, serviços
como segurança pública, saúde e educação. O problema é que, no Brasil, os impostos
são altos demais. Segundo o Banco Mundial, somos o 15° país que mais tributa as
empresas num ranking com 189 países. Estamos acima de todos os desenvolvidos —
Estados Unidos, Canadá, Japão e os membros da União Europeia. Piores do que nós, só
14 nações do quilate de Bolívia, Uzbequistão, Argentina e Chade. O fardo seria mais
facilmente aceito se, em troca, as empresas (e os cidadãos brasileiros) recebessem
serviços públicos adequados. A (má) qualidade de estradas, portos e ferrovias, a
lentidão e a ineficiência do Poder Judiciário, a incapacidade do Executivo e do
Legislativo de realizar as reformas de que o país precisa para se modernizar são um calo
no pé do setor produtivo.
A ineficiência estatal impõe outro custo elevado. Tome-se o caso da rede de farmácias
Pague Menos. No ano passado, a empresa perdeu 12 milhões de reais em cargas
roubadas. O valor correspondeu a 26% de seu lucro no ano. "Pagamos uma montanha
de impostos, mas não vemos o retorno em serviços públicos", diz Deusmar de Queirós,
dono da Pague Menos. A saída para driblar os maus serviços tem sido assumi-los.
Segurança é um deles. "Quando visito fábricas na Europa, noto que, terminado o
expediente, só fica um porteiro de plantão na empresa", diz Mauricio Harger, presidente
no Brasil do grupo Mexichem, dono da fabricante de tubos plásticos Amanco. "Aqui, é
necessário manter segurança 24 horas." A empresa conta com um pelotão de 60
guardas. Como muitas outras companhias, é obrigada a assumir também despesas como
planos de saúde e previdenciário. Eles custam o correspondente a 12% da folha de
pagamentos. "O Brasil tem carga tributária de país desenvolvido, mas os serviços
públicos ainda são de país em desenvolvimento", diz Fernando Alves, presidente da
consultoria de gestão PwC.
Carga menor
De todos os serviços ruins, talvez o que mais afete as empresas seja a infraestrutura
precária. A ineficiência dos portos encarece o custo da matéria-prima importada pela
Mexichem num valor que equivale a 10% do lucro. A fabricante de calçados Alpargatas
sofre na hora de exportar. Enviar um par de Havaianas aos Estados Unidos é uma tarefa
que pode levar mais de duas semanas. Só o transporte de um contêiner que sai da
fábrica de Campina Grande, na Paraíba, até o porto de Santos demora dez dias. O
calvário continua na aduana. Nos Estados Unidos, a situação muda completamente. Em
24 horas, o contêiner é liberado e sai de Miami. Em dois dias, chega ao centro de
distribuição em Ohio, no nordeste do país. "Em até três dias, as sandálias estão nas lojas
nos quatro cantos dos Estados Unidos", diz Mareio Utsch, presidente da Alpargatas.
Detalhe: lá, a carga tributária sobre as empresas é 32% menor do que a daqui. A
pergunta que fica: por que tanta diferença?

Fonte: Exame via http://www.joserobertoafonso.ecn.br/index.php/biblioteca-virtual/item/3917-tributacao-pesada-exame

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