Por Roberta Mello

Com os escândalos de corrupção em organizações públicas e privadas, nunca se falou tanto em compliance e governança corporativa como em 2017. Porém, para o Sócio da S2 Consultoria e coordenador do MBA em Gestão de Riscos e Compliance da Trevisan Escola de Negócios, Renato Almeida dos Santos, a preocupação agora é que ficar em conformidade com as exigências do mercado e da legislação não signifique apenas mais uma obrigação. É importante levar em conta o impacto na cultura organizacional.

Para Santos, o assunto tende a não se manter na pauta principal da organização com o passar do tempo. “Neste caso, é preciso criar estratégias de monitoramento contínuo, definindo procedimentos de verificação da aplicabilidade do Programa de Integridade ao modo de operação da empresa e criar mecanismos para que as deficiências encontradas em qualquer área possam realimentar continuamente seu aperfeiçoamento e atualização”, reflete o especialista.

Segundo ele, é preciso garantir que o Programa de Integridade faça parte da rotina da empresa e que atue de maneira interligada com outras áreas, como recursos humanos, departamento jurídico, auditoria interna e departamento contábil-financeiro. De acordo com Santos, as organizações que já iniciaram o processo de mudança em 2017 devem permanecer atentas aos seus valores e conceitos sobre o que é certo ou errado, deixando claras as diretrizes para seus membros.

Já para aquelas organizações que simplesmente ignoraram o tema este ano, a dica do consultor é rever esse comportamento o quanto antes, seguindo alguns parâmetros básicos. “O primeiro passo para implantar um Programa de Compliance é ter o comprometimento e apoio da alta direção. Depois, definir a instância responsável pelo Programa de Integridade e, também, estruturar as regras e instrumentos com base no conhecimento do perfil e riscos da empresa sem esquecer, é claro, de elaborar o código de ética e de conduta, as políticas e os procedimentos de prevenção de irregularidades”, orienta.

JC Contabilidade – Quando esse assunto começou a se popularizar no ambiente de negócios brasileiro e por que você acredita que ele ficou tão em voga?

Renato Almeida dos Santos – O compliance sempre existiu no Brasil, principalmente em instituições financeiras, mais especificamente nos bancos. Porém, até então ele tinha uma abordagem mais regulatória e servia para atender exigências do Bacen (Banco Central). Logo depois da entrada em vigor da Lei Anticorrupção (Lei 12.846) em 2013, realmente começou a haver uma grande preocupação das empresas em construir um Programa de Compliance – até mesmo por que a lei prevê uma redução na multa de uma empresa que esteve envolvida em ato de corrupção se ela comprovar que realmente tem um Programa de Compliance efetivo. Com o advento da Lava Jato e a revelação de diversos escândalos envolvendo empresários, houve maior sensibilização à criação de Programas de Compliance dentro de organizações privadas.

Contabilidade – E você aponta que o movimento de crescente investimento em compliance e governança corporativa pode estar perdendo ritmo.

Santos – A minha preocupação não é que o assunto saia da pauta de discussão ou que as empresas extingam seus Programas de Compliance. A minha preocupação é que se torne algo apenas para fins de certificação. Se você lembrar das décadas de 1980 e 1990, quando houve o movimento de qualidade, a preocupação era com os certificados. Isso serviu para que as empresas brasileiras dessem um salto em termos de produção, mas se cairmos em um modelo de cumprir checklist corre-se o risco de perder a essência do tema. Minha preocupação é as empresas fazerem uma corrida para cumprir exigências pré-determinadas pela Lei Anticorrupção e esquecer o que é o espírito do compliance. Quando estamos falando de mudança de cultura tem de ser algo permanente e não somente uma questão burocrática.

Contabilidade – Você vê que muitas vezes as empresas implantam esses programas apenas para suavizar possíveis sanções?

Santos – Exatamente. Por outro lado eu sou otimista, então acredito que há empresas que podem pensar além do cumprimento do checklist básico e irem ao que realmente interessa: a mudança de cultura real e trabalhar as pessoas. Se tem uma coisa que eu defendo incondicionalmente é que o fator humano do compliance é fundamental. No final das contas é a pessoa que decide se vai pagar propina para o fiscal ou não, se vai desviar dinheiro da empresa, se vai assediar moralmente ou sexualmente alguém. Trabalhar a pessoa é a base do compliance.

Contabilidade – As organizações que têm investido em compliance ainda são as grandes e ficam de fora as médias e pequenas empresas (MPEs), que respondem pela maior parte dos negócios do país. Esse é um cenário preocupante? Como trabalhar para que o compliance chegue a mais empresas?

Santos – Há um fenômeno preocupante que é o fato de sofisticar o termo compliance a ponto de afastar os empresários. Isso é muito preocupante. Quando uma grande empresa sofre com escândalos de imagem consegue contornar e sobreviver à crise e superar. Já uma MPE, dependendo do tipo de impacto na imagem ou até mesmo do desvio interno, pode não conseguir contornar. Logo, o compliance pode ser até mais importante para uma MPE. É preciso salientar que falar em compliance não é o mesmo que tratar da necessidade de uma grande equipe, de contratar um diretor de compliance. O que precisa é trabalhar continuamente a cultura da organização com os recursos que ela tem. Essa é a lógica do compliance.

Contabilidade – Quais são os principais passos a serem seguidos por médias e pequenas empresas que queiram começar a olhar para a sua cultura organizacional e repensá-la?

Santos – Basicamente, [e preciso seguir três passos principais. O primeiro já deve ser realizado no processo seletivo, deixando claras as normas que regem a empresa. Depois, é preciso durante a estada na empresa repassar tudo o que se espera do funcionário, colocando dilemas éticos, exemplificando continuamente. E o terceiro passo é na saída do profissional. Quando ele for sair é necessário entender por que está saindo e se está sendo demitido avaliar se foi por alguma conduta contra a norma ética da empresa e expor isso ao profissional.

Contabilidade – Os recentes escândalos de corrupção chegaram às organizações privadas, como já falamos, e também à esfera pública. Você acredita que com o aumento das investigações, os termos compliance, gestão eficaz e transparência devem ser levados mais em conta durante as Eleições em 2018?

Santos – É interessante isso porque, somente no final do ano passado, em novembro de 2017, surgiu a interpretação da Lei Anticorrupção para as organizações públicas, ou seja, é algo realmente novo. Nas eleições de 2018, acredito que a população deve, mais do que ouvir dos candidatos que serão mais éticos e que irão agir contra a corrupção, cobrar projetos sobre como o farão e que estratégias vão usar para realmente combater a corrupção. É momento de exigirmos isso.

Jornal do Comércio (http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2018/01/cadernos/jc_contabilidade/604766-compliance-pode-perder-espaco-na-pauta-principal-das-empresas.html?utm_source=akna&utm_medium=email&utm_campaign=Press+Clipping+Fenacon+-+10+de+janeiro+de+2018)

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