Ainda a reforma tributária

Fernando Albino Deve-se começar a reforma tributária pelo decreto, veículo ao alcance imediato do chefe do Poder Executivo. Depois de quase quatro meses ausente desta coluna, por razões estritamente pessoais, volto a ela retomando o tema do último artigo, publicado em 18 de junho. Naquela oportunidade dizia que o tema da reforma tributária começava a ser recorrente nos primeiros debates dos candidatos a presidente da República. Infelizmente, este tema e outros de igual interesse cederam lugar a campanhas caracterizadas por acusações pessoais, que deixaram o eleitor sem saber o que acontecerá na próxima legislatura. Dizíamos que o brasileiro é um dos piores sistemas tributários de que se tem notícia: alta carga, enorme burocracia, prevalência de tributos indiretos sobre os diretos, indefinição de regras e incerteza jurídica no trato com as autoridades fiscais. O que um novo governo pode fazer a respeito é a pergunta que não foi respondida durante a campanha. Tentemos, então, refletir sobre isso e arriscar algumas sugestões. Para tanto, convém começar identificando o que pode ser feito por intermédio de decreto presidencial (norma regulamentar), de lei ordinária, precedida ou não de medida provisória (maioria simples no Congresso), de lei complementar (maioria absoluta) ou só com a mudança da Constituição (três quintos do Congresso, em dois turnos de votação). Deve-se começar a reforma tributária pelo decreto, veículo ao alcance imediato do chefe do Poder Executivo. E tudo se inicia com a mudança radical dos órgãos de receita. Normalmente os órgãos tributários estão subordinados às pastas das fazendas públicas, pois a eles cabe a arrecadação dos tributos, receitas originárias do estado. Assim é com a Receita Federal e com as receitas estaduais e municipais. Entretanto, a função arrecadadora convive com duas outras, quais sejam as funções normativa e julgadora (interpretadora). Ter-se a arrecadação dos tributos sob o comando de um órgão de tesouraria faz sentido, já que receitas e despesas integram o orçamento e sua execução diária. Todavia, a edição de normas tributárias regulamentares (decretos e portarias) e a sua interpretação não necessitam estar subordinadas ao mesmo órgão. Um presidente, um governador ou um prefeito que quisesse realmente promover uma efetiva mudança começaria colocando sob seu comando direto as políticas tributárias de seu governo. Além disso, criaria um verdadeiro contencioso administrativo independente que pudesse apreciar a melhor interpretação das regras, não sob a ótica do aumento da receita, mas de maneira a manter a integridade e a consistência de um sistema tributário. Tudo isso pode ser feito por meio de decreto, sem qualquer ingerência do Congresso Nacional ou das Assembleias Legislativas ou das Câmaras Municipais, já que se trata de assunto de organização administrativa. Portanto, a primeira conclusão a que se chega é a de que começa em casa a reforma tributária, mediante controle e comando sobre o órgão arrecadador, diferenciando as funções de mera arrecadação daquelas de regramento e interpretação. Pode parecer que essa providência seja acanhada diante da complexa e difícil tarefa de criar as condições para a redução gradativa da carga tributária e a reorganização do sistema. Contudo, seria uma providência salutar, pois permitiria a discussão de uma política pública tributária, direcionando o sistema em uma ou outra direção, sem as pressões da administração do fluxo de caixa do governo. Alguns exemplos: os incentivos fiscais estão adequados aos fins governamentais, no contexto de um programa de governo? Será que o contribuinte está sendo esclarecidamente informado de quanto se arrecada e onde se gasta? A satisfação dos contribuintes, como agentes colaboradores do processo de arrecadação, está alta ou baixa? Existe consistência nas interpretações das normas tributárias pelos próprios órgãos da arrecadação? A competência tributária está sendo integralmente exercida ou existem segmentos econômicos que podem colaborar mais com o esforço de arrecadação? Em poucas palavras, trata-se de retirar da política tributária o seu viés arrecadador para vê-la como instrumento que possibilite a execução de um programa de governo. Um exemplo recente, oriundo do Estado de São Paulo e que vem se espraiando para outros estados da Federação, é o do alargamento das regras de substituição tributária, até em arrepio aos princípios constitucionais e que tanto dano tem causado a várias cadeias produtivas. Trata-se de medida que jamais seria efetivada se houvesse essa separação entre arrecadação e política tributária. Como fiscalizar poucos e grandes contribuintes, para fins meramente de arrecadação, é melhor do que fazê-lo em um universo mais diluído, começou-se a prática (inconstitucional, repita-se) de colocar nos ombros desses poucos e grandes contribuintes a obrigação de serem agentes arrecadadores da cadeia, como "substituto tributário" dos demais, "facilitando" assim o trabalho dos fiscos. Com isso, criaram-se enormes e deletérias distorções econômicas que a médio e longo prazo agridem uma política fiscal consistente e, além disso,tornam o ambiente de negócios custoso e errático. Ou seja, privilegiou-se o "caixa" no lugar do ordenado planejamento tributário e de investimentos públicos. Fonte: DCI – SP http://4mail.com.br/Artigo/ViewFenacon/002778000000000
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