Uma nova era para os contadores


Domínio do uso de TI, capacidade de análise e síntese e maior eficiência na comunicação serão imprescindíveis para aproveitar as oportunidades

POR claudia izique
A contabilidade brasileira passa por alterações significativas desde o final de 2007. A primeira delas foi a entrada em vigor da legislação que alinhou as regras brasileiras de apresentação de balanços às International Financial Reporting Standards (IRFS). A transição para o novo modelo entra, neste ano, em sua segunda fase, com impactos na comunicação das empresas, nos processos e nos controles internos, mobilizando as áreas de finanças, tributária, controladoria, suprimentos, recursos humanos e até de relações com investidores.
Em 2008, também entrou em vigor o Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), que representou um avanço importante na informatização da comunicação entre a Receita Federal e os contribuintes. Trata-se de uma solução tecnológica formada por sistemas para envio de movimentos contábeis e fiscais a uma base de dados compartilhada por diversas entidades brasileiras – além da Receita, também as secretarias estaduais da Fazenda, o Banco Central (BC) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) –, formando as redes de Escrituração Contábil Digital (ECD) e de Escrituração Fiscal Digital (EFD). “Desta forma, as autoridades fiscais terão acesso a toda informação contábil, entrada de mercadorias e matérias-primas, estoques, saída de produtos e informações sobre cada nota fiscal emitida e recebida pela empresa”, explica Roberto Dias Duarte, diretor da Mastermaq Softwares.
Há quem enxergue nessas mudanças uma espécie de morte anunciada do contador nas empresas. De fato, com a massificação do uso da NFe, por exemplo, muitas tarefas tenderão a desaparecer devido à integração da cadeia produtiva do ponto de vista fiscal e logístico, reconhece Duarte. “A digitação e a conferência manual de documentos devem ser reduzidas significativamente”, prevê. Sem a automação completa das operações e sua contabilização, a empresa corre o risco de ter um “passivo fiscal” decorrente do provável fornecimento de informações incoerentes, incompletas ou erradas.
Neste novo contexto, o trabalho “braçal” dos contabilistas será reduzido, já que toda movimentação será advinda de sistemas automatizados e integrados, conhecidos como ERPs. “A responsabilidade destes pro­fissionais, contudo, torna-se ainda maior. O trabalho intelectual sobrepõe-se ao operacional e outras tarefas típicas do contador ressuscitam com muita força”, avalia.
Para alinhar-se às novas demandas do mercado, o contador tem de passar por uma drástica atualização profissional. “Também as empre­sas de Business Process Outsourcing (BPO), que oferecem serviços de contabilidade, tiveram de mudar sua rotina para se enquadrar à nova realidade”, diz Vagner Jaime Rodrigues, sócio da Trevisan Outsourcing e professor da Trevisan Escola de Negócios.
Os prazos para atender à publicação dos balanços elaborados no modelo IFRS, por exemplo, tornou a tarefa mais trabalhosa, diz Rodrigues. Além disso, os conselhos administrativos e fiscais, sócios e investidores passaram a exigir explicações mais regulares sobre os balanços. “Com isso, aumentou ainda mais a pressão em torno do trabalho de profissionais de contabilidade dentro das organizações”, reconhece.
A pressão, porém, tem um lado positivo: as empresas prestadoras de serviços passaram a enxergar novas oportunidades para se posicionar no mercado. “A contabilidade brasileira exige conhecimentos que nem sempre um departamento contábil de uma empresa pode suprir. A flexibilização de pessoas e da gestão, além de metodologia para aplicar em serviços pontuais, aceleram o desenvolvimento de parcerias entre uma empresa de outsourcing e organizações que ainda precisam se ajustar contábil e fi­nan­ceiramente.”
Nesse novo mercado, algumas habilidades tornaram-se imprescindíveis, como o domínio da tecnologia da informação, a capacidade de análise e síntese e uma maior eficiência na comunicação, diz Duar­te. O uso da tecnologia, para ele, é fator estratégico. Em sua avaliação, empresas que realizam a conferência dos dados e da validade do documento fiscal por meio do Documento Auxiliar da Nota Fiscal Eletrônica (Danfe), para acompanhar o trânsito das mercadorias, por exemplo, estão utilizando o paradigma industrial em processos típicos da Era do Conhecimento, aumentando custos operacionais e o risco fiscal. “Estão trabalhando de forma tangível em um mundo intangível, digital.” O uso da tecnologia reduz custos e riscos. Os processos integrados estão se tornando práticas cada vez mais comuns, mesmo em pequenas empresas. “Há fornecedores de software de gestão empenhados em produzir soluções específicas para empresas de menor porte, de forma a promover uma integração total entre fornecedor, cliente e seus escritórios de serviços contábeis.”
Se a tecnologia é a solução, afirma Duarte, a dificuldade está no fato de que ela exige mudanças profundas em termos de cultura e processos. Assim, profissionais das áreas tecnológicas, gestão, contábeis e fiscais terão muito trabalho pela frente. “Só que eles precisarão cada vez menos usar os dedos, para usar cada vez mais a cabeça. E terão de ampliar sua visão para além da empresa, compreendendo o funcionamento de toda cadeia de valor.”
A quantidade de informações exigidas via formulários online também deixa muitas dúvidas e a probabilidade de erros no preenchimento das informações é grande. “A responsabilidade passou a ser dos escritórios de contabilidade que, de certa forma, também precisaram se adequar frente às mudanças da Receita Federal, seja aumentando o número de funcionários para preencher as declarações, seja capacitando pessoal por conta das novas regras.”
A complexidade das novas alte­ra­ções é tanta que, na prática, os contadores estão se transformando em consultores. “São eles que, em geral, traçam um diagnóstico da empresa, de modo a apontar o que precisa ser urgentemente adequado às determinações da Receita. São eles que se tornarão, principalmente, os responsáveis por exigir os documentos e dados das empresas necessários para atender às novas regras. É por isso que, cada vez mais, o consultor contábil vem se tornando peça-chave nas empresas. Sem uma orientação adequada do que fazer diante de tantas normas, a empresa poderá ficar fadada ao fracasso.”
Cerco à sonegação
As mudanças recentes não se restringem ao Sped e ao IRFS: na última quinzena de dezembro, a Receita Federal baixou 14 instruções normativas, com novas regras para combater a sonegação fiscal. “Diante delas, aumentam as dúvidas de quem procura estar sempre em dia com as determinações da Receita”, afirma Glauco Pinheiro da Cruz, presidente do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisa do Grande ABC e diretor do grupo Candinho Assessoria Contábil.
A Declaração de Créditos Tributários Federais (DCTF), por exemplo, passou de semestral a mensal. “Os que têm empresa inativa precisam ficar atentos também à Declaração Simplificada da Pessoa Jurídica (DSPJ), que teve seu horário limite de entrega alterado para as 23h59m59s do dia 31 de março deste ano – antes o prazo era mais elástico. Já a Instrução Normativa 979 cria o Regime Especial de Fiscalização (REF) para empresas reincidentes em sonegação fiscal”, lembra. Até os profissionais da área de saúde, como médicos, dentistas, terapeutas e cooperativas também foram alvo de uma regra específica, a Declaração de Serviços Médicos (Dmed), que deverá conter todas as informações dos pacientes atendidos por esses profissionais. “Essas foram apenas algumas das alterações ocorridas no final do ano passado, mas suficientes para nos dar uma visão do cerco à sonegação fiscal”, diz Cruz.

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