Reformas fiscais abrangentes são impossíveis

Por Cláudia Bredarioli

Everardo desconsidera a possibilidade de o Brasil criar um imposto único ou fazer mudanças nos tributos, mas é contra os altos encargos trabalhistas e diz que ICMS e PIS/Cofins precisam ser revistos.

Aparentemente percebidos como um tema apenas numérico e contábil, impostos e taxas têm questões humanas e subjetivas por trás de sua constituição. Revelam condições históricas e culturais de uma nação.

Por isso é tão complexo administrá-los, como explica o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, e, mais ainda, modificá-los.

“São culturas e histórias de uma nação que compõem os sistemas tributários. Por isso eles são diferentes em cada país e não há como construir um paradigma, uma referência mundial, em torno disso”.

Poucas vezes percebidas a cada vez que se fala de reforma tributária no Brasil, essas questões acabam por se esconder diante de assuntos como os interesses econômicos e políticos envolvidos nessas discussões.

Não que esses temas possam ser menosprezados quando se trata de reduzir ou modificar a arrecadação – e consequentemente as possibilidades de gastos dos governos.

“Digamos que abrir mão de dinheiro não seja uma virtude muito cultuada no Brasil”, complementa o ex-secretário da Receita. Mais do que isso, acrescenta ele, envolvem o custo e o medo que qualquer mudança traz.

Não que Everardo desconsidere a necessidade de mudanças no sistema tributário brasileiro. O que ele desconsidera é a existência de reformas.

Segundo o ex-secretário da Receita, em lugar algum do mundo existe a possibilidade de uma “reforma tributária“, porque os sistemas são intrinsecamente imperfeitos, resultando de tensões políticas naturais da sociedade.

Para ele, mudanças bruscas e abrangentes só são viáveis, ainda que não necessariamente desejáveis, em condições de ruptura institucional, em momentos como as guerras. As possíveis são as apenas as mudanças contínuas, focalizadas em problemas específicos.

Na opinião dele, o sistema tributário brasileiro funciona e a Receita Federal é um modelo a ser seguido. A tributação da renda, por exemplo, é a mais moderna do mundo.

A complexidade recai mesmo na tributação do consumo, que tem suas raízes históricas no processo de descentralização do poder no país. Por isso ao Brasil seriam imprescindíveis, isto sim, ajustes pontuais nessa área.

Mais especificamente no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), no PIS/Cofins e nos encargos trabalhistas. Com essas mudanças, segundo Everardo, o Brasil já daria um grande passo de competitividade.

“O sistema tributário é e sempre será um território de tensões. Mas o tributo é um mal necessário e precisamos lidar com ele para garantirmos a arrecadação que responda aos gastos do país”.

Secretário da Receita Federal por oito anos, no governo de Fernando Henrique Cardoso, Everardo Maciel, hoje à frente da Logus Consultoria, fez história como um grande arrecadador.

Entre 1995 e 2002 – período em que esteve no comando do fisco – a carga tributária subiu de 28,95% para 32,65% em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.

Nos sete anos seguintes, deu outro salto, chegando, em 2009, a 35,02% do PIB, segundo dados do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário.

Como o sr. avalia hoje o desempenho da Receita Federal brasileira?

A receita brasileira é uma das mais eficazes do mundo. E tem sido assim. É uma trajetória contínua. A receita federal brasileira hoje é um paradigma mundial.

Não é apenas eficaz, é um parâmetro mundial, especialmente no que diz respeito à tecnologia. E não só o uso de tecnologia, como também a competência profissional.

Mas a complexidade do sistema tributário brasileiro não favorece a sonegação?

A complexidade tributária favorece a corrupção administrativa, a evasão e elisão fiscais e, por consequência, a concorrência desleal. Não se trata, entretanto, de fenômeno brasileiro.

A demanda por simplificação tornou-se universal. O nosso sistema tributário, como qualquer sistema tributário do mundo, tem virtudes e defeitos. A complexidade do nosso sistema tem raízes históricas e culturais.

Não decorrem meramente de atos de vontade praticados por governantes ou pelos legisladores, mas pela interação de um conjunto de forças políticas que resultaram em circunstâncias que demonstram complexidade.

O mesmo ocorre em outros lugares, como nos Estados Unidos. Para se ter uma ideia, a legislação do Imposto de Renda nos Estados Unidos tem 65 mil páginas e existem 600 modelos diferentes de declarações.

Para quem olha de perto, o sistema tributário americano é mais complexo do que o brasileiro.

Seria possível ao menos simplificar o sistema tributário brasileiro?

É claro que existem coisas complicadas no sistema tributário brasileiro. A tributação do consumo é uma delas.

Mas não é complexa por vocação ou porque tenha prazer de ser complexa. Ela é complexa pela história da Federação brasileira, que é uma federação normativa.

Tudo isso fez com que resultasse nos conflitos federativos que temos até hoje. Por isso há tanta discussão entre os estados para a distribuição dos royalties do petróleo.

Os conflitos federativos fizeram que se usasse como o Imposto de Renda (IR) como base para transferência de tributos entre os estados e municípios.

Então, de maneira geral, o sr. acredita que o sistema tributário brasileiro funcione?

Sim, funciona. O Brasil tem um bom sistema de tributação das pequenas e microempresas. Tem um sistema que é referência na tributação da renda.

Temos problemas mais especificamente no consumo. Nominalmente em PIS/Cofins, ICMS e na tributação excessiva da folha de salário.

Que ajustes seriam necessários nesses tributos?

É preciso diminuir a complexidade do ICMS, com sua diversidade de alíquotas extraordinária e a base de cálculo desse imposto tem de ser revista. E para isso é preciso fazer duas coisas que não envolvem mágica alguma.

A primeira delas é proibir a produção diferenciada de base de cálculo, ela deve ser uniforme, a mesma para todos os produtos.

A segunda é reduzir o número de alíquotas. Isso permitiria uma terceira ação, que é dar um novo tratamento para a guerra fiscal.

Podemos dizer que o problema brasileiro seja pontual, mais fácil de resolver do que se pensar na possibilidade de uma reforma tributária?

Reforma não existe. Sempre que alguém em pergunta se eu sou a favor da reforma eu pergunto de volta: qual reforma? Uma reforma não significa necessariamente uma coisa boa. Pode-se reformar para pior também.

Não dá para dizer que exista uma reforma ideal?

Não, porque quando se postula uma reforma é porque há uma realidade diferente daquela que se gostaria. Querer uma reforma do que existe é querer aproximar-se de algo idealizado.

Para isso, seria necessário um paradigma tributário internacional. E isso não existe nem pode existir, porque sistemas tributários são sistemas culturais. Eles estão sempre relacionados à história e à cultura de um país.

Por exemplo, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) ele é adotado por vários países. Mas os Estados Unidos, por exemplo, não têm um IVA.

E por que não? Porque isso iria implicar em modificar a federação americana. Os sistemas tributários são soluções técnicas para problemas de natureza política.

Só vai funcionar se as mudanças forem bem específicas, como o sr. propõe?

Reformas abrangentes são impossíveis. Só são ocorrem em momentos de guerra. Em momentos de ruptura institucional, porque reforma implica em conflitos.

Fazer uma reforma envolve a maximização dos conflitos o que, por consequência, produz a inércia.

 

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