Direitos humanos e tributação

Artigo de Everardo Maciel* Em artigo anterior (5/7/2010, B2, O Estado de S. Paulo), comentei a inclusão do Imposto sobre Grandes Fortunas no bizarro 3.º Plano Nacional de Direitos Humanos, convenientemente esquecido durante a campanha eleitoral. Procurei salientar a extravagância da inclusão e a insubsistência do imposto. Recentemente, descobri algo que amplia a excentricidade daquela proposta. A "Lei 002" pretendia tributar com uma alíquota de 10% qualquer patrimônio cujo valor fosse igual ou superior ao equivalente a US$ 1 milhão. A pena pela inobservância da obrigação implicava sequestro físico "dos proprietários do patrimônio". A "lei" foi promulgada por Raúl Reyes, militante das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) morto em 2008 no Equador. Se antes se supunha que o Imposto sobre Grandes Fortunas era uma esquisitice dos socialistas franceses, passamos a saber que é também o tributo preferido pela narcoguerrilha colombiana. Em verdade, a conexão entre direitos humanos e a tributação se expressa em normas esparsas, constitucionais e infraconstitucionais. Tem sido, igualmente, objeto de incursões doutrinárias, como a notável obra de Ricardo Lobo Torres (Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário), e de trabalhos de pesquisa, como a que ora realiza o Instituto Brasiliense de Direito Público em colaboração com a FGV. O tema pode ser explorado a partir de diferentes vertentes, como: o recurso à tributação para dar concretude aos direitos humanos, as limitações ao poder de tributar, a observância do princípio da capacidade contributiva, a prevenção de discriminações e privilégios fiscais infundados ou a efetivação dos direitos dos contribuintes. Direitos dos contribuintes só incidentalmente integram propostas de reforma tributária, porque a iniciativa das propostas é quase sempre do Poder Executivo, que cuida de focalizar preponderantemente questões de interesse do Estado. Tudo isso ganha fácil explicação num contexto de acentuado déficit de cidadania. Muitos países editaram códigos de direitos dos contribuintes. Entendo que, no Brasil, seria preferível incluí-lo como um capítulo específico do Código Tributário Nacional, para deixar claro que regras gerais de tributação devem se fazer acompanhar daqueles direitos. Sem pretender haurir a temática, seguem-se algumas questões relativas a direitos dos contribuintes que merecem reflexão. A instabilidade normativa é fator que desserve a transparência e aproveita à prática de sobressaltos tributários. Tomemos como exemplo a instituição ou majoração de tributos. Hoje, prevalece a noventena, às vezes combinada com anualidade. Essa regra, malgrado ser continuamente violada pelas frequentes revisões de pauta do ICMS, gera uma clara incongruência. Os orçamentos públicos, que devem ser balizados por relativa certeza no que concerne às estimativas de receitas, são encaminhados às Casas Legislativas ao final de agosto ou setembro, conforme o ente federativo. Os tributos, entretanto, podem ser alterados, a depender do caso, até o final do exercício. Uma solução para afastar essa inconsistência consistiria em condicionar a instituição ou aumento de tributos (exceto os de caráter regulatório, já ressalvados na Constituição) à sua aprovação até junho do exercício anterior. Ortega y Gasset dizia que a "clareza é a cortesia do legislador". Poderia ter sido essa a razão que inspirou a instituição da exigência, prevista no artigo 212 do Código Tributário Nacional, de consolidar, anualmente, até 31 de janeiro, a legislação de cada tributo específico. Esse dever, todavia, é solenemente desconhecido pelo poder público, que, paradoxalmente, reclama do contribuinte o impossível acompanhamento permanente da legislação. A norma necessita sair do campo programático para o impositivo, pelo estabelecimento de sanções ao titular do Poder Executivo do ente tributante que desobedecer a exigência. Ainda na trilha da transparência, há a proposta para centralizar, com efeitos erga omnes, soluções de consulta por meio de órgão paritário, integrado por representantes do Fisco e dos contribuintes. A imputação de responsabilidade fiscal tem sido frequentemente abusiva, porque feita sem prévia notificação, ao completo arrepio do devido processo legal, por mera suspeição e a qualquer tempo após o lançamento. Essa truculência se estende ao campo trabalhista. Não raro, ocorre a penhora online de ativos financeiros de advogados, pelo simples fato de terem integrado, em algum momento, procuração para cuidar de interesses de clientes, sem falar da pretensa responsabilidade solidária de pessoas que nada concorreram para a prática de infrações fiscais. A matéria merece um disciplinamento severo para prevenir o império do terror que se pretende instalar. Por último, sem menos importância, entendo que é chegado o momento de eliminar os privilégios processuais conferidos à Fazenda Pública, em termos de contagem de tempo em dobro para a manifestação em processos e o insólito reexame necessário de sentenças que favoreçam o contribuinte. * Everardo Maciel, consultor tributário, foi secretário da Receita Federal (1995-2002). Fonte: O Estado de S. Paulo / por Portal Contábil SC http://contabilidadenatv.blogspot.com/2010/11/direitos-humanos-e-tributacao.html
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