Contabilidade sem contador?

Por Leonardo Amorim

“Temo o dia em que a tecnologia se sobreponha à humanidade. Então o mundo terá uma geração de idiotas.”
Albert Einstein


“Temo o dia em que a tecnologia se sobreponha à humanidade. Então o mundo terá uma geração de idiotas.”
Albert Einstein

Uma releitura desta célebre frase de Einstein pode ser muito bem aplicada em nosso tempo, marcado pela crença desmedida em uma deusa, que para muitos é onipresente, onipotente e onisciente: a tecnologia.

Seja qual for a atividade, ela tem que estar presente. Engenheiros, administradores, artistas, arquitetos, contadores, economistas, advogados e tantos outros profissionais modernos, a aplicam muitas vezes em uma proporção que supera o talento humano.

A tecnologia passa a ser um problema a partir do momento em que se sobrepõe ao fator crítico humano, principalmente nas tomadas de decisões que exigem um grau apurado de reflexão, que demandam inteligência, ética, moral, equilibro emocional, entre outros componentes imateriais.

É um bom exercício mental imaginarmos como nos sairíamos caso fossemos desafiados a desenvolver nossos habituais trabalhos sem fazer uso das tecnologias facilitadoras que normalmente dispomos.

O que seria de um engenheiro sem as ferramentas tecnológicas atuais? Imagine um calculista construindo modelos matemáticos manualmente.

O que restaria de um economista sem os softwares com modelos estatísticos para o acompanhamento de mercados?

O que faria um arquiteto moderno sem os softwares para compor seus projetos arquitetônicos? Seria capaz de conviver apenas com o lápis, a borracha, a mesa e o papel?

E um consagrado advogado sem os softwares que praticamente deixam suas petições prontas? Pense naquele advogado bem articulado, acostumado com os artefatos tecnológicos tendo a sua frente apenas uma máquina de datilografia, papel, um vasto processo para estudar, livros clássicos de direito e nada mais.

Houve um tempo em que escutei algo que hoje serve apenas para fazer piadas: com tanta tecnologia, o desgaste com o trabalho repetitivo e pesado seria economizado, e sobraria muito tempo para pesquisar, aperfeiçoar os conhecimentos, as pessoas ficariam mais cultas, inclusive se educando cada vez mais com o auxílio das ferramentas tecnológicas… Então, a nossa geração tão tecnológica, produzirá mais intelectuais que as gerações passadas. Certo? Errado!

Ouvi de um saudoso mestre em uma conversa informal: “as tecnologias modernas estão emburrecendo as pessoas, começando pelo meio acadêmico, e chegando aos profissionais de quase todas as áreas”. É uma verdade, se considerarmos a confiança exagerada nas tecnologias, sem a perícia adequada, por parte da maioria dos profissionais. Então cabe a pergunta: como nos sairíamos nas atividades contábeis, se não existissem os sistemas de informática integrados e “inteligentes”?

Não é raro colher depoimentos de outros colegas na área de sistemas que um determinado pacote de sistemas foi instalado em uma empresa de contabilidade, mas os usuários não conseguiram compreender bem o funcionamento do sistema porque não conhecem suficientemente as normas e práticas contábeis, e acabaram frustrando as expectativas positivas.

Temos então de um lado um sistema sofisticado e com uma linguagem técnica peculiar da áreacontábil, e de outro, usuários com pouca base de conhecimento técnico. Se não houver investimento sistemático em capacitação da equipe de trabalho, ter um sistema sofisticado é como dar um avião para alguém que não sabe pilotar, ou seja, se a equipe tem necessidades de qualificação, é imprescindível que o investimento em tecnologia venha acompanhado pelo investimento no capital humano e independentemente do nível de experiência da equipe que irá usar a tecnologia, os investimentos adequados pensados em um planejamento estratégico, darão os resultados tão desejados em relação aos benefícios previstos com o sistema.

Porém, infelizmente, em tempos de Sped e agora com a perspectiva do eSocial, aumenta o grupo dos empresários de contabilidade que acreditam em sistemas que vão assumir a gestão do escritório sem que, necessariamente, seus colaboradores e o próprio contador-chefe tenham a necessidade de revisar constantemente os processos de forma crítica e preventiva, algo restrito ao agente humano.

Empresário de Contabilidade

O “empresário de contabilidade” é um contador empreendedor de negócios de serviços contábeis. É evidente que se espera que todo “empresário de contabilidade” seja também um contador atuante, isto é, um profissional das ciências contábeis, mas nem sempre essa lógica prevalece.

Fiquei perplexo com os conceitos de um jovem “empresário de contabilidade”: sistema bom é aquele que já vem todo “pronto” de fábrica, como os carros que compramos hoje, tudo ajustado e com “câmbio automático”, bastando somente lançar as notas fiscais, a folha de pagamento, e toda a contabilidade está pronta, inclusive o balanço, a DRE, etc. Além do mais, “contador que fica se preocupando em saber onde debitar e creditar, está superado”, afirmou o novel contabilista, sem qualquer constrangimento.

Será uma revolucionária tendência do mercado? Escritórios com sistemas cada vez mais “inteligentes”, agindo como sujeitos passivos por deixarem os principais controles de seus trabalhos intelectuais a cargo dos sistemas integrados? Será que a contabilidade passou a ser algo de menor importância diante do negócio da contabilidade?

Vamos a um outro exemplo: conheço um caso de um bem sucedido empresário de contabilidade que dispensou sumariamente um sistema contábil simplesmente porque “não elaborava o LALUR sozinho”. Entenda-se o termo “sozinho” como sendo “sem qualquer intervenção ou parametrização manual”. Para o empresário de contabilidade, o seu antigo fornecedor de software de escrituração contábil deveria oferecer o LALUR automatizado; todo montado e integrado aos mais diversos tipos de planos de contas.

Frustrado em ter que chamar alguém fora do escritório para montar o LALUR, o “empresário de contabilidade” encontrou um vendedor de software com uma “solução inteligente”, e que lhe disse: “nosso sistema tem o tratamento para o LALUR do jeito que o senhor tanto deseja”, e assim o contador adquiriu o tal sistema “inteligente” cujo LALUR foi previamente montado pelo suporte técnico e apresentado como se fora um recurso “de fábrica”.

Sistema “inteligente” implantado, gerando tudo automaticamente, sem qualquer necessidade do contabilista e sua equipe entenderem bem o funcionamento de todo o processo de construção dasdemonstrações contábeis; sem dúvida, é uma contabilidade tecnológica e sem contador, onde a perícia fica restrita ao software “inteligente”.

Tempos depois, surgiu um problema: o contador foi questionado por um auditor designado por um cliente. O resultado foi que o trabalho de auditoria identificou um erro grosseiro na composição da base do IR e da CSLL, e consequentemente no LALUR, por conta de um lançamento de dedução estranho” às normas infralegais, e não sabendo responder com precisão os questionamentos da auditoria, quem ou o quê levou a culpa? O sistema.

O que concluo sobre esta traumática experiência:

1) A contabilidade deve ser pensada pelo contador e sua equipe de trabalho, e ao transferir essa responsabilidade para um “software inteligente”, a única certeza que se pode ter é a de que acontecerá um desastre;
2) Nenhum sistema deve ser visto como sendo plenamente confiável, por mais sofisticado que seja, sendo o agente humano, com suas capacidades intelectuais, o fator indispensável na avaliação de qualquer trabalho contábil produzido com o auxílio de recursos tecnológicos;
3) Não existe software inteligente de contabilidade. O termo beira o ridículo. No mundo real, nem os computadores, tampouco os softwares pensam, mas se os desejamos tanto, podemos encontra-los em histórias de ficção científica (o HAL9000 que o diga).

Cabe ao profissional que queira a excelência, reservar um tempo do seu expediente para se atualizar diante das constantes alterações nas legislações de interesse de seus clientes. Agindo assim, o “empresário de contabilidade” também será um contador, na essência do termo. Conteúdo é fundamental. Não basta ter uma “boa conversa”, é preciso ter a capacidade de interpretar fatos e avaliar situações de risco. O empresário de contabilidade deve se esforçar diariamente para não perder a referência de si mesmo como contador perito, e desafiar sempre o seu próprio mundo de saberes a dar novos saltos de qualidade, evidentemente, tendo o bom senso de buscar a interação com outros profissionais.

Certa vez ouvi de um experiente contador: “quando aparece por aqui um vendedor qualquer dessas empresas, que oferecem sistemas como se fosse banana na feira, prometendo o céu de brigadeiro, eu sempre digo pra eles que o melhor sistema de contabilidade que existe está na nossa cabeça, na nossa capacidade de fazer contabilidade… o resto é conversa mole”.

De fato, nesse sentido (enquanto a inteligência artificial for apenas uma teoria) posso afirmar que só há uma possibilidade de existir um sistema inteligente de contabilidade. É um sistema essencialmente humano, onde o controle dos procedimentos está exclusivamente na mente do contador, que coordena sua equipe de trabalho, ficando o software apenas com um papel secundário, sendo um mero componente dessa construção. Inverter este papel é correr o risco de se enquadrar na célebre frase de Einstein.

Fonte: http://www.llconsult.com.br via http://www.robertodiasduarte.com.br/index.php/contabilidade-sem-contador/?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+BlogRobertoDiasDuarte+%28Blog+de+Roberto+Dias+Duarte%29

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