O SPED e as pessoas

GIULIANO DAGOSTIM

Da Reportagem

Põe-se para a sociedade de consumo um novo serviço em prol da fiscalização, o SPED (Sistema Público de Escrituração Digital). Este é o nome do sistema que torna “on-line” as informações empresariais. Este sistema tende a deteriorar as relações dos sujeitos, pessoas que passam a realizar sua atividade empresarial sob vigilância “on-line”. Nele, o Estado exerce poder fiscalizatório totalitário, que ignora a responsabilidade das pessoas de boa fé, fenômeno presente no Estado Social, sendo o seu exercício a mitigação da liberdade.

Em verdade, está se passando aqui por conceitos como o de “pessoa”, pois esta, que também é jurídica, tem na propriedade e no sigilo — profissional principalmente, a segurança de estar em atividade sob a égide legal da propriedade e da livre iniciativa. São lesadas, então, duas pessoas constituídas: a empresária, que possui suas informações desapropriadas, bem como a do Contador, guardião legal das informações contábeis atinentes à pessoa jurídica. É o contador, como profissional que exercita a obrigação ética de guardar informações, o único sujeito legalmente habilitado a intermediar as relações entre poder estatal e privado no tocante a informações de circulação de riqueza. Assim, além da empresa, que se vê desapropriada de sua informação sigilosa, é usurpado, ainda, do profissional da contabilidade o exercício privativo de guarda das informações fiscais.

Instrumentos tecnológicos que vão para além do “bem comum” a fim de servir a determinados interesses não são novidades no Estado democrático, e qualquer espanto dos operadores do direito para com tais fenômenos decorrentes é forma de fuga que não pode ser amparada pelo desconhecimento sobre o tema.

O profissional contador tem seu ato privativo de guarda abduzido por um sistema em software de propriedade privada, exercendo domínio de informações da gestão, logo intelectual, sob guarda em um sistema frívolo onde a valorização do símbolo humano já não é considerada mais que parte da ordem fiscal sistêmica e frenética, que busca por meio do controle total um caminho temerário, fato que merece maior e mais profunda análise da sociedade, posto que irreversível em um contexto de praxe fiscal.

Ignora-se a pessoa, então, como integrante da comunidade, e com responsabilidades éticas, para se obter, através de um sistema desenvolvido para tanto, o controle das informações das pessoas.

Tais medidas tomadas pelo Estado para o controle total das pessoas é resposta aos cidadãos que, cobrando por seus direitos sociais, vêem negados os mesmos pela conveniente e batida “sonegação das empresas”, que há anos não serve como justificativa para o mal-estar democrático.

A sonegação é fenômeno que tem origem nos atos dos homens, em geral motivados por circunstâncias de sua atividade produtiva. Ou seja, a responsabilidade de eventual sonegação ou é do Estado, que não viabiliza a “atividade produtiva”; ou da “natureza humana”, que tem sede de lucro e não admite sua tributação, sonegando as informações contábeis para tanto.

O Estado não pode tolher a humanidade de sua responsabilidade em se autogerir, e é dever das pessoas informarem ao Estado tudo o que for requisitado, sob pena de processo criminal, processo próprio das pessoas com responsabilidade, e formadoras da sociedade.

A atividade fiscalizatória “on-line” impele o homem a expor a sua personalidade e a sua privacidade, tão pormenorizada pelo Estado Social.

A livre iniciativa elevada ao estado primordial para a ação e celebração de relações assim parece negligenciada durante esta era de consumo, onde o termo “consumidor” é confundido com o termo “cidadão”; onde a Empresa ou o Estado fornecem o “bem”, seja ele bom ou mau.

O Estado interventor justifica a desapropriação das informações contábeis com o discurso de que são as pessoas que, corrompendo com a ordem, prejudicam o Estado, mesmo discurso usado para enfraquecer a pessoa frente o Estado Social. Assim, alienando-as de suas informações próprias, as pessoas se tornam incapazes de reagir ou de resistir a um sujeito onipotente por meio de suas atividades produtiva e privada.

Ao se tolher as garantias da pessoa, por meio da flagrante usurpação da atividade profissional do contador, se cumpre a obrigação para com a fiscalização e a máquina frígida da administração fazendária, por meio de um serviço/produto aparentemente custoso e temerariamente inconstitucionável.



*GIULIANO DAGOSTIM é advogado

http://www.diariodecuiaba.com.br/detalhe.php?cod=376110
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