Um cenário fiscal para a década

Fábio Giambiagi Atribui-se a Krugman a frase de que "qualquer economista que tenha feito projeções sobre a taxa de câmbio aprende rapidamente as virtudes da humildade". A frase se aplica a qualquer projeção na chamada "triste ciência". Não obstante isso, os economistas continuam a fazer projeções e o mundo continua a prestar atenção nelas. Por que? É tema controverso, mas há duas razões para isso. A primeira, ligada à demanda pelo serviço, é que indivíduos e empresas continuam tendo a necessidade de fazer planos acerca do futuro. A segunda, ligada à oferta do serviço, é que, por maiores que sejam as deficiências da nossa profissão (e há muitas), dispomos de um instrumental e de acesso a dados que nos permitem inferir, com maior conhecimento de causa do que a média das pessoas - mesmo sujeito a grandes erros - o que se pode, realisticamente, esperar acerca da trajetória de algumas variáveis, caso se configurem algumas hipóteses acerca da evolução de outras. Feitas essas qualificações, em artigo publicado na Revista do BNDES de dezembro/2009 e disponível em www.bndes.gov.br, voltei a incursionar no ramo da futurologia fiscal. Mesmo sabendo de todas as - justas - críticas que podem ser feitas a tais exercícios, eles têm utilidade, pois permitem tentar responder a questões como: a) Qual é o espaço disponível para a expansão do investimento público, caso o gasto corrente siga certa trajetória? b) Como devem se comportar as despesas correntes do item C, se as despesas correntes dos itens A e B assumirem uma certa evolução? c) Quanto o Governo pode ganhar em termos de redução da despesa de juros ao longo dos anos?; d) O que se pode esperar acerca da curva da relação dívida pública/PIB ao longo do tempo? Além de outras questões. Nesse sentido, o exercício feito no artigo permite algumas conclusões interessantes. Aqui, por óbvias restrições de espaço, apresento apenas os grandes números mas, no artigo original, as tabelas apresentam os resultados desagregados de acordo com as diferentes rubricas. O artigo faz projeções para dois períodos de governo (2011/14 e 2015/18) e contempla hipóteses cruciais para dar sentido ao exercício. Destaco: 1) O PIB se expandiria, nos 8 anos 2011/2018, a uma média de 4,5 %, crescente a medida que a taxa de investimento aumentar, chegando a um crescimento anual de 5% no final da projeção; 2) A taxa de juros real bruta (Selic) embora aumente modestamente a curto prazo, tenderia a cair suavemente até chegar a 3,0 % na segunda metade da década; e 3) A aprovação, em 2011, de tetos para o crescimento anual do gasto corrente total, inicialmente de 3 % e na segunda metade da projeção de 3,5 %, combinado com restrições similares, porém com taxa menor (1,5 %), para as despesas de pessoal. A lógica de geração dos resultados é fácil de entender: dadas as hipóteses acerca do superávit primário, da receita, do gasto corrente total e de (n-1) variáveis de gasto, geram-se endogenamente os resultados para o investimento, para a variável de ajuste da parcela não predeterminada do gasto corrente, para o investimento e para a dívida pública. Os resultados anuais - dada uma hipótese para 2010 - para o final de cada período de governo aparecem expostos na tabela. Pelo fato de o artigo ter sido concluído antes da publicação do dado, ela não considera a revisão do PIB nominal de 2007 e 2008 feita pelo IBGE em relação aos números originalmente divulgados, diminuindo modestamente a importância relativa das variáveis comparativamente ao PIB. De qualquer forma, o que importa no caso é a tendência e ela não é afetada por essa revisão. Os números mais importantes do cenário são destacados a seguir. Em primeiro lugar, o gasto primário total, que vem se expandindo, como fração do PIB, desde o começo da década de 90, perderia peso relativo no próximo governo, embora voltaria a crescer durante 2015/2018, por conta da utilização das receitas do pré-sal para aumentar o investimento público. Em segundo lugar, se a taxa de juros tiver a trajetória suposta, a carga de juros cairia de 6 % do PIB em 2010, para 3 % do PIB, 8 anos depois. Em terceiro, mesmo com um superávit primário de 2% a 2,5% do PIB, a dívida pública - prevista para 45% do PIB em 2010 - poderia cair para menos de 35% do PIB perto do final da década. Em quarto lugar, o investimento público federal poderia triplicar, passando de 1,1% do PIB em 2010, para 3,2% do PIB em 2018. E, finalmente, para viabilizar isso, a despesa corrente exceto pessoal, INSS, FAT, LOAS, Bolsa-Família e despesas com saúde e educação teria que sofrer uma contração acumulada de 12% em 8 anos, o que é um desafio expressivo. Qualitativamente, o artigo permite chegar às seguintes conclusões: - é importante que, mesmo tendo uma meta primária relativamente pouco ambiciosa comparativamente às de 1999/2008, o próximo governo aperte a política fiscal em 2011, o que deverá afetar a disponibilidade de recursos para o investimento público; - não há o menor espaço para uma redução da carga tributária nos próximos anos; e - se o Brasil enfrentar um quadro mais adverso que o das hipóteses adotadas (com juros maiores e crescimento menor) as futuras autoridades enfrentarão problemas fiscais sérios, dada a rigidez do gasto, que se acentuou muito nos últimos anos Fabio Giambiagi, economista, co-organizador do livro "Economia Brasileira Contemporânea: 1945/2004" (Editora Campus), escreve mensalmente às segundas-feiras. E-mail: fgiambia@terra.com.br. Publicado no Jornal Valor Econõmico em 14/12/2009.
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