Com duas décadas de atraso o Egrégio SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
sedimentou a Jurisprudência sobre o CREDITAMENTO DO ICMS pela aquisição
de mercadorias que, a posteriori, teve as respectivas Notas Fiscais
consideradas inidôneas pelo Fisco Estadual, pelos contribuintes de boa
fé.

Somente em abril de 2010 a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) pacificou o entendimento da Corte em relação “à possibilidade do
uso de créditos do ICMS decorrentes de operações de compra de
mercadorias cujas notas fiscais foram declaradas posteriormente
inidôneas pelo Fisco - as chamadas notas frias. No julgamento de um
recurso repetitivo, proposto pelo Estado de Minas, a Corte definiu que
a empresa tem direito ao crédito do imposto ao demonstrar apenas que a
operação de fato ocorreu e que o cadastro do vendedor da mercadoria
estava regular no Sistema Integrado de Informações Sobre Operações
Interestaduais com Mercadorias e Serviços (Sintegra) na época da
aquisição. A controvérsia é responsável por inúmeros processos
administrativos e judiciais propostos pelas empresas que contestam a
exigência do Fisco da "devolução" dos créditos já aproveitados nas
situações em que foi constatada a existência de notas frias”.

Entendemos que, para evidenciar que o contribuinte agiu de boa fé, em
casos análogos, basta provar que realmente houve o negócio, com a
comprovação do pagamento da operação comercial que precedeu o
aproveitamento do ICMS oriundo da Nota Fiscal considerada –
posteriormente - inidônea pelo Fisco.


Saliente-se que, quando uma empresa adquire mercadorias, os itens do
negócio que interessam às partes são: A MERCADORIA, o PREÇO e as
condições da ENTREGA daquilo que foi adquirido, assim como o
cumprimento das cláusulas ajustadas pelas partes envolvidas na
transação comercial.


A praxe comercial, na compra a vista, é o comerciante receber a
mercadoria e faz o pagamento no ATO da entrega. O adquirente da
mercadoria, de posse da NOTA FISCAL de compra, se credita do ICMS, nos
termos do RICMS de seu estado.


Quem está no mercado vê a confiança crescer entre comprador e vendedor,
diante de reiterados negócios, cumpridas as obrigações comercial, não
havendo motivos para existir desconfiança.


Portanto, no dia a dia da vida comercial somente se exigem referências
comerciais de quem queira comprar à prazo. Ao contrário, não se exige o
mesmo para o VENDEDOR de mercadorias, uma vez que somente o ESTADO tem
o PODER COERCITIVO, para averiguar – entre outros - a vida de quem
vende mercadorias. Não pode o CONTRIBUINTE comprador “entrar” na
empresa VENDEDORA e vasculhar sua situação enquanto contribuinte de
tributos e contribuições.


Tanto na esfera administrativa como na judicial o entendimento no
sentido de se aproveitar o ICMS, de NOTA FISCAL considerada INIDÔNEA,
vem desde a década de 1980, conforme se verifica pelo teor das ementas
aqui colecionadas.


Em MINAS GERAIS, no próprio Colendo CONSELHO DE CONTRIBUINTES, houve o seguinte julgado, conforme Ementa “verbis”: (1).


“CRÉDITO DE ICM - Arguição de Aproveitamento Indevido:


Evidenciada a aquisição regular das mercadorias, é lícito ao
contribuinte aproveitar os créditos destacados nas Notas Fiscais sem
que para isso tenha que demonstrar o cumprimento das obrigações fiscais
do remetente, que, se descumpridas, não o foram com o seu
consentimento.


Impugnação julgada PROCEDENTE. Decisão Unânime.


No mesmo sentido o Egrégio TRIBUNAL DE JUSTIÇA do Estado do Rio de
Janeiro teve entendimento idêntico, conforme se vê da EMENTA do ACÓRDÃO
(2):


“ICM - VENDA COM NOTAS FISCAIS INIDÔNEAS - OPERAÇÃO IRREGULAR ANTERIOR - AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO.


Não responde o comerciante pelo não recolhimento do tributo, na
operação anterior, por quem lhe vendeu a mercadoria com NOTAS FISCAIS
inidôneas, salvo se demonstrada a sua participação na fraude fiscal.
Deu-se provimento ao apelo para julgar procedente a ação anulatória de
lançamento fiscal”.


Uma década após podemos ver Egrégio SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, cuja
EMENTA decidindo, também, favoravelmente ao contribuinte, pela EMENTA
que transcrevemos (3):

“EMENTA


Tributário. Execução Fiscal. ICMS. Infração Tributária. Autuação.
Quebra do Diferimento. Comprador Irregular – Documentação Inidônea.
Vendedor de Boa-Fé.


1 – Não pode o vendedor, que realizou a transação de boa-fé, emitindo
nota fiscal de produtor para fazer acompanhar a mercadoria, ser
responsabilizado se, à época da transação, o comprador mostrou-se
regularmente cadastrado, emitindo nota fiscal correspondente à entrada
da mercadoria em seu estabelecimento, sendo somente posteriormente
constatada a inidoneidade na sua constituição.


2 – Recurso improvido.


Ministro Milton Luiz Pereira – Presidente

Ministro José Delgado – Relator.


Apesar do julgado exarado há mais de 11 anos, o STJ manteve-se silente,
não trazendo a paz jurídica através de sua 1ª Seção, continuando a
oferecer às partes envolvidas – FISCO X CONTRIBUINTES – varais
oportunidades para manterem o embate, prejudicando a parte menor que,
diante de várias anistias fiscais oferecidas pelos Estados, foram
induzidos ao pagamento do que entendiam indevido, ao longo desse lapso
temporal.


Ora, se o contribuinte vendedor emitiu as notas fiscais a que está
obrigado e com observância de todos os requisitos exigidos pela
legislação pertinente, e se as vias das notas fiscais assim emitidas
foram entregues normalmente aos destinatários, podemos afirmar que
foram cumpridos os deveres instrumentais a que se submetem, em matéria
de emissão de notas fiscais.


Além do mais, os deveres relativos à emissão e recepção de documentos
fiscais comportam exame não só do emitente como também daquelas
obrigações atribuídas ao comprador, além dos Fiscais de plantão nos
Postos de Fiscalização, quando do trânsito em rodovias, pela obrigação
de aferirem os veículos que por ali transitam com mercadorias. Têm-se
então a presunção de legalidade da documentação a favor do adquirente,
com possibilidade do creditamento do ICMS contido no documento fiscal.


Assim, do ponto de vista do recebedor da mercadoria, os deveres para
com o fisco resumem-se em receber documentos apenas na forma prevista
na norma jurídica inserida no RICMS de seu estado. Se o documento
recebido satisfaz integralmente os requisitos da legislação, não é o
recebedor responsável por eventuais descompassos entre a realidade e a
declaração de fatos, entre os quais não teve qualquer participação. Tão
pouco tem o dever jurídico de conhecer assim como o dever de
diligência.


É certo afirmar que mão é do comprador a obrigação quanto à veracidade
dos fatos declarados pelo vendedor, uma vez quer sequer tem condições
dos mesmos de ter conhecimento.


Portanto, o contribuinte comprador NÃO É SUBSTITUTO DO FISCO, como bem
asseverou o brilhante autor CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, que o
recebedor de documento fiscal não é substituto do fisco (4):


“Deveras, sua função não é a de um investigador, nem a de um fiscal da
Receita, nem a de um detetive, mas a de um comerciante que deve,
perante o fisco, colher os dados que outrem está obrigado a lhe
fornecer.


Aliás, o contribuinte, deste modo, apodera-se de elementos que
necessitará perante o fisco e com ele colabora, por esta via, mas não
se inverte sua posição. É dizer: não se transmuda primacialmente em
servidor do Estado e secundariamente em comerciante, cuja atividade
negocial apareceria ao ensejo de estar colaborando com o fisco.
Meridiamente, a situação é inversa.


De resto, na posição de recebedor de informações de outrem, o
contribuinte não tem de fato os dados concernentes à terceiro, à vida
fiscal intestina da outra parte, precisamente por estarem em pauta
fatos alheios. Nem tem, de direito, obrigação de conhecê-los, que, se
os tivesse, seria despicienda a imposição do dever de reclamá-los da
outra parte.


Menos ainda tem, de direito, a obrigação de pôr-se a questionar ou
investigar a correção substancial do dever alheio. Faltam-lhe condições
objetivas e falta-lhe título jurídico para tanto, quando exercita o
poder-dever de reclamar da outra parte o cumprimento da obrigação de
exibir o documento ou fornecer a declaração previstos no art. 20 do
Regulamento do ICM.


Uma vez atendida pela outra parte aquilo que, segundo a ordem jurídica,
pode e deve exigir, está encerrado o papel que lhe quadra quando
exercita essa posição.


Daí que o fisco nada mais pode pretender dele senão o que os preceitos de direito lhe impõem".

No julgamento da 1ª Seção do STJ, o Ministro relator do julgado
concluiu que “cabe ao comprador de boa-fé exigir, no momento da
celebração do negócio jurídico, a documentação que comprove a
regularidade do vendedor, “cuja verificação de idoneidade incumbe ao
Fisco, razão pela qual não incide o artigo 136 do CTN, segundo o qual,
salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações
da legislação tributária independe da intenção do agente ou do
responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato”.

O ministro negou provimento ao recurso especial, que, por tratar-se de
recurso representativo da controvérsia, irá balizar os demais
entendimentos relativos à questão.

Eis como ficou a EMENTA do aresto “in” comento (5):

EMENTA

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO
543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. CRÉDITOS DE ICMS. APROVEITAMENTO (PRINCÍPIO
DA NÃO-CUMULATIVIDADE). NOTAS FISCAIS POSTERIORMENTE DECLARADAS
INIDÔNEAS. ADQUIRENTE DE BOA-FÉ.

1. O comerciante de boa-fé que adquire mercadoria, cuja nota fiscal
(emitida pela empresa vendedora) posteriormente seja declarada
inidônea, pode engendrar o aproveitamento do crédito do ICMS pelo
princípio da não-cumulatividade, uma vez demonstrada a veracidade da
compra e venda efetuada, porquanto o ato declaratório da inidoneidade
somente produz efeitos a partir de sua publicação (Precedentes das
Turmas de Direito Público: EDcl nos EDcl no REsp 623.335/PR, Rel.
Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 11.03.2008, DJe
10.04.2008; REsp 737.135/MG, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda
Turma, julgado em 14.08.2007, DJ 23.08.2007; REsp 623.335/PR, Rel.
Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 07.08.2007, DJ
10.09.2007; REsp 246.134/MG, Rel. Ministro João Otávio de Noronha,
Segunda Turma, julgado em 06.12.2005, DJ 13.03.2006; REsp 556.850/MG,
Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 19.04.2005, DJ
23.05.2005; REsp 176.270/MG, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda
Turma, julgado em 27.03.2001, DJ 04.06.2001; REsp 112.313/SP, Rel.
Ministro Francisco Peçanha Martins, Segunda Turma, julgado em
16.11.1999, DJ 17.12.1999; REsp 196.581/MG, Rel. Ministro Garcia
Vieira, Primeira Turma, julgado em 04.03.1999, DJ 03.05.1999; e REsp
89.706/SP, Rel. Ministro Ari Pargendler, Segunda Turma, julgado em
24.03.1998, DJ 06.04.1998).

2. A responsabilidade do adquirente de boa-fé reside na exigência, no
momento da celebração do negócio jurídico, da documentação pertinente à
assunção da regularidade do alienante, cuja verificação de idoneidade
incumbe ao Fisco, razão pela qual não incide, à espécie, o artigo 136,
do CTN, segundo o qual "salvo disposição de lei em contrário, a
responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da
intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e
extensão dos efeitos do ato" (norma aplicável, in casu, ao alienante).

3. In casu, o Tribunal de origem consignou que:

"(...)os demais atos de declaração de inidoneidade foram publicados
após a realização das operações (f. 272/282), sendo que as notas
fiscais declaradas inidôneas têm aparência de regularidade, havendo o
destaque do ICMS devido, tendo sido escrituradas no livro de registro
de entradas (f. 35/162). No que toca à prova do pagamento, há, nos
autos, comprovantes de pagamento às empresas cujas notas fiscais foram
declaradas inidôneas (f. 163, 182, 183, 191, 204), sendo a matéria
incontroversa, como admite o fisco e entende o Conselho de
Contribuintes."

4. A boa-fé do adquirente em relação às notas fiscais declaradas
inidôneas após a celebração do negócio jurídico (o qual fora
efetivamente realizado), uma vez caracterizada, legitima o
aproveitamento dos créditos de ICMS.

5. O óbice da Súmula 7/STJ não incide à espécie, uma vez que a
insurgência especial fazendária reside na tese de que o reconhecimento,
na seara administrativa, da inidoneidade das notas fiscais opera
efeitos ex tunc, o que afastaria a boa-fé do terceiro adquirente,
máxime tendo em vista o teor do artigo 136, do CTN.

6. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.”

Optamos por não discorrer sobre o princípio da Não Cumulatividade por
entender tratar-se de matéria amplamente debatida pelos eminentes
doutrinadores.

Para os operadores do direito com demandas semelhantes, vale conferir o inteiro teor do Acórdão, no rodapé deste texto (6).

Concluindo, entendemos que há necessidade da Repercussão e de Sumular o
tema, para que, finalmente, possa haver a segurança jurídica.


NOTAS:


Acórdão de nº. 7.166/87 - 3ª Câmara de Julgamento - “in” MG, parte I, de 14.08.87, pg. 1.


(2) TJ/RJ - Ac. 2ª Câm. Cível. Reg. em 24.04.90. AP. 3.802/89 - Rel.
Des. Thiago Ribas - AÇOUGUE RAMOSITA LTDA X Est. RJ, “in” ADV/COAD, Nº.
50.772, BOL. 37/90 - Jurisprudência.


(3) RECURSO ESPECIAL nº. 191529/SP (98/0075535-7)- D.J.U, 1, de 22.03.99, pg. 99.


(4) RDTributário, jan/ju-79, pg. 63.

(5) Resp 1.148.444 – DJ: 27/04/2010 - MINISTRO LUIZ FUX Relator

(6) O Inteiro Teor do Acórdão, no LINK
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200900143826&dt_publicacao=27/04/2010.


Roberto Rodrigues de Morais

Especialista em Direito Tributário.

Ex-Consultor da COAD

Autor do Livro on-line REDUZA DÍVIDAS PREVIDENCIÁRIAS.

robertordemorais@gmail.com

Fonte - http://rondoniadinamica.com/ler.php?id=15791&edi=1&sub=7

Enviar-me um e-mail quando as pessoas deixarem os seus comentários –

Para adicionar comentários, você deve ser membro de Blog da BlueTax - Conteúdos Validados por Especialistas.

Join Blog da BlueTax - Conteúdos Validados por Especialistas

Comentários

  • Gente,

    Ocorre-me o seguinte: Será que este entendimento pode ser estendido à recepção de mercadorias com NF Modelo 1, sendo que o vendedor já estava obrigado a emitir NF-e?

    Uma frase me chamou atenção:

    "Ora, se o contribuinte vendedor emitiu as notas fiscais a que está obrigado e com observância de todos os requisitos exigidos pela legislação pertinente, e se as vias das notas fiscais assim emitidas foram entregues normalmente aos destinatários, podemos afirmar que foram cumpridos os deveres instrumentais a que se submetem, em matéria de emissão de notas fiscais." (grifos meus)

    Qual é a opinião de vocês?
This reply was deleted.