Além da auditoria

Autor(es): Por Fernando Torres | De São Paulo
Valor Econômico - 07/10/2010

Levantamento feito pelo Valor com as 200 maiores empresas de capital aberto do país por ativos aponta que 102 contrataram a própria firma de auditoria para prestar outros serviços além da checagem dos balanços. Em 18 casos, o pagamento desses contratos extras equivaleu a mais de 50% do montante pago pela auditoria das demonstrações financeiras. Dez empresas pagaram mais por outros serviços do que pela auditoria.

O estudo foi feito com base nos dados dos Formulários de Referência, que passaram a ser divulgados obrigatoriamente este ano. Nos números, não há distinção entre serviços extras relacionados a auditoria e outros tipos de serviços ou consultoria.

A legislação não impõe limite máximo de valor para prestação de outros serviços, sejam eles relacionados a prática de auditoria ou não. A única exigência está ligada à divulgação da informação, quando serviços não relacionados à auditoria representam mais de 5% do preço pago pela auditoria.

As cinco maiores firmas do setor no país - PricewaterhouseCoopers, Deloitte, Ernst & Young, KPMG e BDO - possuem clientes no grupo das 18 empresas em que o peso dos outros serviços foi maior do que 50% em 2009. De menor porte, a Canarim Auditores também aparece na lista, com dois clientes da área de energia.

As regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) não são categóricas sobre quais são os serviços extras proibidos para a firma que faz auditoria de uma companhia aberta.

Existe apenas a vedação genérica para serviços em que haja conflito de interesse e uma lista não exaustiva de exemplos de alguns desses casos, como "avaliação de empresas" e "planejamento tributário".

O julgamento para determinar se há ou não conflito de interesse cabe a cada firma de auditoria, ao analisar o caso concreto, ou ao próprio cliente, já que algumas empresas optam voluntariamente por não contratar os auditores para nenhum outro serviço.

No exterior, a discussão sobre conflito de interesses dos auditores está na pauta do órgão regulador do mercado no Reino Unido. Lá, assim como no Brasil, a proibição de prestação de determinados serviços que à primeira vista causariam conflito de interesses pode ser contornada por meio de salvaguardas, como exigir revisões adicionais do trabalho ou limitar o escopo do serviço. O uso indiscriminado de salvaguardas preocupa o órgão regulador britânico.

Antes da exigência de abertura desse tipo de informação no Formulário de Referência, a única informação sobre os serviços estava ligada à Instrução nº 381 da CVM. Essa norma exige que, quando forem prestados serviços não relacionados a auditoria em valor superior a 5% do que foi pago pela auditoria do balanço, a companhia aberta deve divulgar essa informação no relatório da administração das demonstrações financeiras anuais, informando o valor dos contratos e quanto eles representam dos honorários pagos pelos serviços de auditoria.

O cruzamento das informações prestadas conforme essa exigência da Instrução nº 381 com aquela que aparece no Formulário de Referência pode causar confusão para o leitor do balanço. Muitas empresas que relatam no formulário ter contratado serviços extras da auditoria divulgam informação diferente no balanço.

As auditorias argumentam que as informações pedidas pelas duas normas são distintas. O Formulário de Referência pede o detalhamento de todos os serviços prestados, enquanto a norma anterior fazia referência apenas aos serviços extras não relacionados a auditoria.

E aí surge outra dúvida, que é identificar o que é relacionado ou não à auditoria. Identificação de diferenças entre o padrão contábil brasileiro antigo e o IFRS e uma carta conforto para uma oferta pública de ações, por exemplo, quase sempre são considerados como relacionados a auditoria.

Já laudos de avaliação e auditorias fiscais e contábeis em aquisições aparecem nas duas classificações, dependendo da companhia aberta.

De qualquer forma, a decisão de enquadrar ou não o serviço dentro da Instrução nº 381 é da empresa que elabora o balanço e dos administradores que assinam o relatório da administração.

Questionados sobre a falta de um padrão, os auditores argumentam que relatório de administração, como o próprio nome diz, não é de sua responsabilidade. Eles leem o documento, mas só podem exigir mudanças quando algum dado ali informado for contraditório em relação ao que aparece nas demonstrações financeiras.

Todas as 18 empresas que aparecem na lista do quadro acima cumprem o que exige a legislação, ao dizer no relatório de administração que os serviços prestados foram todos relacionados à auditoria - casos de Fleury, Duratex, Marfrig, Ampla, Santander, Coelce, Hypermarcas, BRB, SLC, Whirlpool, Dufry e CPFL Piratininga - ou dando abertura sobre os casos em que foram prestados outros serviços, situações em que se enquadram as demais - Positivo, Paranapanema, BM&FBovespa, Natura, Iguatemi e Usiminas.

Entre os relacionados a auditoria, a maior parte dos serviços foi ligada a prospecto de oferta de ações ou títulos de renda fixa, além de laudos de avaliação de incorporadas e consultoria em IFRS.

No caso dos serviços não relacionados, o argumento mais comum das empresas é dizer que o auditor não está auditando seu próprio trabalho, não ocupa função gerencial na companhia e não perdeu a imparcialidade por conta daquele serviço.

http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/10/7/alem-da-auditoria

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Comentários

  • AUDITORIA: Empresas do setor afirmam que prestação de trabalhos adicionais não cria dependência financeira com cliente, o que garante imparcialidade.

    Serviços extras não afetam independência, dizem firmas

    Por Fernando Torres | De São Paulo
    07/10/2010

    Passados quase dez anos desde o escândalo de fraudes contábeis envolvendo a Enron e a Arthur Andersen, as firmas de auditoria já se sentem mais confortáveis em dar foco para os trabalhos de consultoria, que hoje já representam cerca de metade do faturamento entre as grandes do setor.
    Isso vale não só para a Deloitte, única entre as quatro grandes que não vendeu a área de consultoria naquela época, como para PricewaterhouseCoopers, Ernst & Young e KPMG, que reconstruíram essas divisões nos últimos anos.

    O argumento para essa mudança de rumo vai além da distância temporal do escândalo. Elas dizem que as políticas de controle sobre independência do trabalho evoluíram bastante desde então, seja pela regulamentação do setor, ou por políticas próprias para que se evite conflito de interesses.

    De acordo com o presidente da Ernst & Young Terco, Jorge Menegassi, o grau de independência de uma firma auditoria não deve ser medido pela relação entre o que um cliente paga por consultoria em relação ao que gasto com auditoria, mas sim olhando o peso de um único cliente no faturamento total. "Nenhum cliente nosso representa mais do que 2% dos honorários totais", afirma. "Se uma firma de auditoria e consultoria fatura 100, sendo que 30 ou 60 vêm de um único cliente, mesmo que seja pelos serviços de auditoria, existe uma dependência financeira. Mas se ela fatura 100 e tem um cliente que paga 1 pela auditoria e 3 por outros serviços, não existe problema", argumenta.

    A norma do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) diz que existe dependência financeira quando a concentração de faturamento em um único cliente supera 25%. Nesse caso, se sugere contratar outro auditor para revisar o trabalho, por exemplo.

    Ainda segundo Menegassi, outros dois pontos que devem ser observados para garantir independência são as relações inter-pessoais de auditores com funcionários das empresas clientes e também os investimentos pessoais. Nenhum funcionário da E&Y pode comprar ações de empresas que sejam auditadas por alguma das firmas da rede global, regra que também vale nas outras grandes. "Todos os profissionais têm que atestar essa independência anualmente e os sócios a cada trimestre. E essa informação também é auditada, com acesso de extratos e declarações de renda", afirma Idésio Coelho, sócio de auditoria da E&Y.

    Segundo Jayme Cervati, sócio de auditoria da KPMG, a firma não pode fazer nenhum tipo de trabalho que crie valor para a empresa auditada. "Não posso ajudar a determinar o valor de uma provisão, fazer reavaliação de ativos ou teste de 'impairment'", exemplifica Cervati.

    Num processo de incorporação, portanto, a auditoria pode fazer um laudo de avaliação que ateste que os números do balanço da incorporada, mas não determinar o valor de mercado daquela empresa, com base em múltiplos ou fluxo de caixa a valor presente.

    Na área tributária, explica o sócio da KPMG, não se pode ajudar um cliente de auditoria a montar uma estrutura para pagar menos impostos. Mas é possível verificar se a estratégia usada pela empresa é legal. Em raciocínio semelhante, é proibido fazer a declaração de Imposto de Renda da empresa, mas é permitido checá-la.

    Ao comentar a existência de diferença sobre as informações prestadas pelas companhias abertas brasileiras sobre serviços de auditoria no balanço e no Formulário de Referência, Valdir Coscodai, sócio de auditoria da PricewaterhouseCoopers, destaca que as exigências da regulamentação são distintas nos dois casos, assim como os prazos de entrega. O trabalho de auditoria em aquisições, explica, é muito parecido com a auditoria externa. "Você checa se a folha de pagamento está OK, se os encargos são recolhidos, se o estoque e o contas a receber existem... São procedimentos parecidos com os de auditoria", afirma, explicando porque o trabalho é classificado como relacionado a auditoria.

    Mark Vogt, também sócio da PwC, menciona ainda que pode haver inconsistência na classificação dos serviços entre empresas diferentes - se o trabalho é relacionado ou não a auditoria - porque os documentos são elaborados pelos clientes e não são auditados. "A administração tem autonomia para julgar. E talvez não tenha uniformidade nessa divulgação", afirma. Ele explica que sempre que existe uma oportunidade comercial com um cliente, o sócio responsável precisa avaliar se existe conflito e, no caso de dúvida, o caso é levado a uma equipe especializada nessa questão, que é comandada por ele.

    Ao comentar os casos da Ampla e da Coelce, que aparecem na lista daquelas que pagaram mais de 50% por outros serviços que não a checagem do balanço, a Canarim Auditores disse que todos os trabalhos realizados foram relacionados a auditoria, incluindo revisão de prospectos e auditorias de exigências regulatórias.

    A BDO informou que todos os serviços prestados à Marfrig, que também aparece na lista, foram aprovados pelo departamento de ética e independência.

    A Amil, auditada pela Terco em 2009, integrava a lista das que tinham pago mais de 50% em outros serviços, ante o gasto com auditoria. Consultada para a reportagem, a Terco esclareceu que essa relação era de 15%, conforma constava do balanço da empresa, e a Amil corrigiu a informação do Formulário de Referência, que não é auditado.

    A Deloitte foi procurada, mas não quis se pronunciar.

    http://www.valoronline.com.br/impresso/amil/2743/320112/servicos-ex...
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