Com a falta de crédito, empresas deixam de pagar tributos, diz associação das indústrias; governo afirma que investiga setor
Estado apura diferença entre alta de 25% na receita das usinas e queda de 15% na arrecadação de ICMS no setor de janeiro a abril
CATIA SEABRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Apesar do aumento de faturamento em comparação ao ano passado, empresas produtoras de açúcar e álcool de São Paulo estão deixando de pagar os impostos devidos ao Estado.
Antônio de Pádua Rodrigues, diretor técnico da Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), diz que, em todo o Brasil, “há empresas se financiando via tributo para continuar produzindo”. Sem crédito, diz, as usinas suspendem o pagamento de imposto para não parar.
Pádua estima que, no país, o volume de empresas inadimplentes chegue a 30% do setor.
A turbulência afeta especialmente as que investiram em expansão ou já atravessavam momento delicado mesmo antes da crise que abalou o setor nos últimos dois anos. Esse foi, por exemplo, o caso da Zanin, que, segundo ele, interrompeu a montagem de uma usina em Minas Gerais.
“Há empresas que, em momentos em que o preço é muito abaixo do custo de produção, acabam ficando inadimplentes e usam o tributo para financiar a produção. Elas preferem pagar o salário a pagar o tributo. O tributo ajuda a sobreviver.”
Segundo a Folha apurou, pelo menos duas empresas saudáveis -a Cosan e a Santa Fé- estariam entre as investigadas pela redução do imposto pago no primeiro quadrimestre em comparação ao ano passado.
Em São Paulo, a arrecadação de ICMS com o setor sofreu perda real de 15%, mesmo que o faturamento tenha crescido em torno de 25%. No primeiro quadrimestre de 2008, a receita chegou a R$ 321,15 milhões.
No mesmo período deste ano, caiu para R$ 273,54 milhões.
Segundo Pádua, o faturamento subiu “porque o volume de cana cresce, mas o valor por tonelada é decrescente”.
O governo identificou dez grupos que, juntos, são responsáveis pela queda de receita no setor. Essas empresas são hoje objeto de investigação fiscal.
Na maioria dos casos, houve inadimplência: a empresa declara o imposto devido, mas não paga, livrando-se de processo por sonegação. Mas há ainda a suspeita de adoção de artifícios, como a criação de créditos fictícios para abatimento do tributo devido.
Nas duas hipóteses, a recuperação do dinheiro depende de longo processo. Procurado pela Folha, o secretário da Fazenda paulista, Mauro Ricardo Costa, confirmou que o setor é objeto de investigação.
No Estado, o setor tem incentivo: o ICMS sobre o álcool é de 12%; sobre a gasolina, 25%. O governo disse que não poderia divulgar o nome das investigadas nem confirmar os casos obtidos pela Folha.
A assessoria da Cosan, por exemplo, nega que a empresa esteja entre as investigadas. “A Cosan possui recursos em caixa e paga normalmente e em dia seus compromissos com todos os fornecedores, bancos, parceiros e mercado.” Procurada, a Santa Fé não se pronunciou sobre a crise no setor.
A Folha telefonou para 12 empresas para comentar sobre as dificuldades dos empresários diante da crise. Nenhum diretor ou presidente concedeu entrevista. De acordo com um representante de uma companhia que preferiu não se identificar, as dificuldades são “generalizadas” no setor.
“O setor tem dificuldades, sim, e acho que o governo poderia fazer alguma coisa para reduzir os tributos para todas as empresas, não só para o setor sucroalcooleiro”, afirmou.
Custa menos dever ao fisco que ao banco
Em momentos de dificuldades financeiras, muitas empresas recorrem à estratégia de não pagar alguns tributos na data do vencimento. Seguem o velho ditado “devo, não nego; pago quando puder”.
Isso não significa que a empresa não terá custo elevado quando for acertar as contas com o fisco, mas, para ganhar fôlego financeiro, a estratégia é bastante utilizada.
Atrasar o pagamento sai mais caro do que aplicar o dinheiro, mas é menos oneroso, por exemplo, do que obter um empréstimo e dever para o banco. É que, mesmo com os juros mais baixos, o banco cobrará mais que o governo.
Quem atrasa o pagamento de tributos com a Receita hoje tem de pagar multa de 0,33% ao dia. Só que essa multa é limitada a 20%, ou seja, do 61º dia em diante ela não aumenta. Os juros são pela Selic, hoje em 10,25% ao ano.
Uma dívida vencida há um ano fatalmente custará menos (em torno de 2,6% ao mês) do que um empréstimo bancário de mesmo prazo -considera-se que a empresa não será autuada pelo fisco nesse período e que irá quitar o débito espontaneamente.
Um dívida de ICMS pode custar menos. No caso de São Paulo, ela é de 7% se paga em até 15 dias após o vencimento; a partir de 15 dias, a multa será de 10%. Os juros são de 1% no próprio mês do vencimento e de 2% no mês seguinte; a partir daí, mais a Selic.
fonte: www.uol.com.br/fsp