Representantes de estados e municípios se manifestaram na semana passada contra a possibilidade de que os dois principais tributos da reforma, que entram em vigor a partir de 2026, tenham regulamento único.
O posicionamento acendeu a luz amarela entre especialistas e colocou em dúvida o destino de dois tributos que nascem gêmeos por determinação constitucional, mas podem ter destinos completamente distintos por questões políticas.
Recapitulando: a oposição dos estados à unificação dos tributos sobre o consumo (como ICMS, ISS, PIS/Cofins e IPI) sempre foi um dos principais entraves à reforma. A solução para a questão foi criar uma contribuição sobre bens e serviços (CBS), administrada pela Receita Federal, e um imposto (IBS) de competência de estados e municípios.
A emenda constitucional da reforma tributária diz que os dois terão os mesmos fatos geradores, exceções e regras de creditamento, por exemplo. Para o contribuinte, será como pagar um tributo só, na mesma nota fiscal.
A Receita, a Fazenda Nacional e o Comitê Gestor do IBS, formado por estados e municípios, devem harmonizar normas e interpretações e podem implementar soluções integradas de administração e cobrança, inclusive com integração do contencioso administrativo.
A expressão “regulamento único”, no entanto, só aparece na emenda para determinar que não haja diferença de regras no nível estadual e municipal. Ou seja, a norma do IBS é uma só. A da CBS pode —mas não necessariamente precisa— ser diferente.
O distanciamento entre as regras levará a conflitos entre normativos do fisco federal e do comitê. O regulamento único para CBS e IBS ajudaria a manter a unidade entre os dois. A tentativa de colocar isso como obrigação no projeto de regulamentação da reforma despertou a reação dos entes subnacionais.
Os principais argumentos na nota assinada pelo Comsefaz, comitê dos secretários da Fazenda, pela FNP (Frente Nacional dos Prefeitos) e pela CNM (Confederação Nacional de Municípios), contra o regramento único, são a defesa do pacto federativo e o risco de perda de autonomia. Se houver apenas uma norma, o governo federal poderá fazer valer o seu posicionamento. Está viva na memória dos governadores a intervenção federal no ICMS promovida no governo Bolsonaro em 2022 —apesar da ampla autonomia atual.
Há quem veja nessa discussão o desejo dos secretários de Fazenda de manter vivas algumas distorções do modelo atual, como a regra da substituição tributária que prejudica inclusive as empresas do Simples Nacional.
A mudança de posicionamento dos estados e municípios, e também o apoio das diversas administrações tributárias, viabilizou a reforma em 2023. É importante manter essa unidade na análise do projeto de regulamentação neste ano.
O texto constitucional não autoriza o Comitê Gestor a tratar da contribuição federal e nem o governo federal a editar norma para o IBS, mas seria possível e desejável sentar à mesa para buscar mais do que cooperação e harmonização.
O sucesso da reforma vai depender de tal colaboração. A falta dela foi um dos fatores que ajudaram a criar o sistema atual e a transformar o ICMS, que também nasceu como um IVA (Imposto sobre Valor Agregado), no pior imposto do país.