O drible do sonegador

Sem regras nacionais simplificadas, ICMS continuará a oferecer muitas brechas para a fraude e a corrupção

A COMPLEXIDADE e a variação regional nas regras do ICMS são capazes de minar até promissoras inovações do fisco.
Ressalte-se o que mostrou ontem esta Folha sobre a chamada substituição tributária no Estado de São Paulo. A ideia é simples: em vez de cobrar de cada comerciante a sua parcela de imposto, a Fazenda paulista recolhe da indústria -ou, alternativamente, do importador ou do atacadista que compra de outros Estados- todo o tributo que será gerado na cadeia que vai da fábrica ao consumidor final.
A eficiência da nova cobrança se mostrou altíssima, em particular em circuitos nos quais uma limitada quantidade de grandes produtores fornece a um mercado coalhado de pequenos lojistas. Pense-se, por exemplo, no setor de tintas ou no de refrigerantes. Nesses segmentos, a sonegação, virtualmente impossível de ser 100% detectada no varejo, pôde ser evitada pela mera transição da coleta para um punhado de grandes produtores.
Não tardou, porém, para que as incongruências da legislação do ICMS no país dessem margem à burla. Comerciantes paulistas logo descobriram que ficou mais barato comprar de fornecedores de outros Estados. Nessa transação interestadual, os produtos são gravados por alíquota menor -além disso, outros governos estaduais não praticam a substituição tributária.
Pela lei, a diferença do imposto deveria ser recolhida aos cofres paulistas pelo comerciante que traz a mercadoria do outro Estado. Deveria, mas na prática nem sempre o é. Sem ações ostensivas nas estradas, o fisco paulista não consegue garantir a aplicação dessa norma. A assimetria assim constituída torna-se um atrativo para que atacadistas paulistas transfiram seus negócios para outros Estados.
A Fazenda de São Paulo aposta em outra inovação -a nota fiscal eletrônica- para detectar esses sonegadores, mas o fato é que a brecha debilita o principal trunfo da substituição tributária. Não mais se recolhe todo o imposto na porta da fábrica, facilidade que dispensa a ação de fiscais e o trâmite demorado de processos para reaver o dinheiro. Repõe-se, ademais, a necessidade de fiscalizar uma multidão de comerciantes no varejo.
O drible na substituição tributária é mais um indicativo da urgência de fixar legislação nacional para o ICMS, que simplifique e harmonize alíquotas e métodos de cobrança e dê cabo da guerra fiscal. Essa é a promessa da proposta de reforma tributária em curso na Câmara -embora não se vislumbre, no Congresso e entre governadores, concerto político capaz de aprová-la.

http://201.76.44.125/pressclipping/noticiaexterna/ver_noticia_externa.php?xid=651

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O drible do sonegador

Sem regras nacionais simplificadas, ICMS continuará a oferecer muitas brechas para a fraude e a corrupção

A COMPLEXIDADE e a variação regional nas regras do ICMS são capazes de minar até promissoras inovações do fisco.
Ressalte-se o que mostrou ontem esta Folha sobre a chamada substituição tributária no Estado de São Paulo. A ideia é simples: em vez de cobrar de cada comerciante a sua parcela de imposto, a Fazenda paulista recolhe da indústria -ou, alternativamente, do importador ou do atacadista que compra de outros Estados- todo o tributo que será gerado na cadeia que vai da fábrica ao consumidor final.
A eficiência da nova cobrança se mostrou altíssima, em particular em circuitos nos quais uma limitada quantidade de grandes produtores fornece a um mercado coalhado de pequenos lojistas. Pense-se, por exemplo, no setor de tintas ou no de refrigerantes. Nesses segmentos, a sonegação, virtualmente impossível de ser 100% detectada no varejo, pôde ser evitada pela mera transição da coleta para um punhado de grandes produtores.
Não tardou, porém, para que as incongruências da legislação do ICMS no país dessem margem à burla. Comerciantes paulistas logo descobriram que ficou mais barato comprar de fornecedores de outros Estados. Nessa transação interestadual, os produtos são gravados por alíquota menor -além disso, outros governos estaduais não praticam a substituição tributária.
Pela lei, a diferença do imposto deveria ser recolhida aos cofres paulistas pelo comerciante que traz a mercadoria do outro Estado. Deveria, mas na prática nem sempre o é. Sem ações ostensivas nas estradas, o fisco paulista não consegue garantir a aplicação dessa norma. A assimetria assim constituída torna-se um atrativo para que atacadistas paulistas transfiram seus negócios para outros Estados.
A Fazenda de São Paulo aposta em outra inovação -a nota fiscal eletrônica- para detectar esses sonegadores, mas o fato é que a brecha debilita o principal trunfo da substituição tributária. Não mais se recolhe todo o imposto na porta da fábrica, facilidade que dispensa a ação de fiscais e o trâmite demorado de processos para reaver o dinheiro. Repõe-se, ademais, a necessidade de fiscalizar uma multidão de comerciantes no varejo.
O drible na substituição tributária é mais um indicativo da urgência de fixar legislação nacional para o ICMS, que simplifique e harmonize alíquotas e métodos de cobrança e dê cabo da guerra fiscal. Essa é a promessa da proposta de reforma tributária em curso na Câmara -embora não se vislumbre, no Congresso e entre governadores, concerto político capaz de aprová-la.

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