Antes mesmo de o Congresso Nacional concluir a tramitação dos dois projetos de lei complementares que regulamentam a reforma tributária dos impostos sobre o consumo (PLP 68/2024 e PLP 108/2024), integrantes do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já “queimaram a largada” dos próximos passos para tirar o novo sistema de Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) dual do papel.
De acordo com quem participa das discussões na equipe técnica do Ministério da Fazenda, a movimentação ocorre em razão do calendário previsto em Emenda Constitucional (EC 132/2023) para a implementação dos impostos que formarão o novo sistema tributário nacional e seus desafios técnicos. E já há um cronograma com entregas previstas para 2025.
“Estamos trabalhando em duas frentes neste momento”, diz Daniel Loria, diretor de programa da Secretaria Extraordinária de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda.
Um dos flancos é o legislativo, com trabalhos em conjunto com a equipe do senador Eduardo Braga (MDB-AM), relator da primeira parte da regulamentação, focada na construção dos três novos tributos que formarão o novo sistema, regras para alíquotas, normas de incidência e o sistema de créditos e devolução de tributos recolhidos.
O outro é estritamente técnico, de desenvolvimento de todo o arcabouço operacional que sustentará o novo sistema tributário. Ao InfoMoney, Loria conta que representantes das administrações tributárias de União, Estados e Municípios se dividiram em grupos, cada um com um módulo de desenvolvimento, para já avançar com iniciativas que serão necessárias para tirar o IVA dual do papel após sua aprovação pelo Poder Legislativo.
Apesar de os projetos ainda estarem em tramitação no parlamento, Loria conta que os grupos técnicos já estão avançando no desenvolvimento de softwares do novo modelo, da criação de documento fiscal eletrônico, normatização da apuração pré-preenchida, aspectos operacionais da arrecadação dos novos tributos, assim como a formulação do chamado split payment − um dos pilares do sistema, que permitirá o recolhimento de novos tributos no momento da liquidação financeira da transação.
O governo precisa ter o sistema rodando a partir de 2026, quando já começam os testes com os novos tributos a uma alíquota de 1%. Mas os técnicos trabalham com entregas antes deste prazo. “Queremos ter produtos viáveis rodando antes. Podemos ter, dentro do faseamento, do desenvolvimento tecnológico, o documento fiscal eletrônico com os campos necessários, um boneco do sistema de apuração”, conta Loria.
“Nossa ideia é ter um portal único de acesso do contribuinte para apuração do IBS e da CBS, uma só interface com a administração pública”, explica.
“Tudo isso queremos lançar ao longo do ano que vem. Até porque os sistemas das empresas vão ter que se integrar no sistema do Fisco. Então, também temos um diálogo aberto com as empresas de desenvolvimento de ERPs (Enterprise Resource Planning), softwares de gestão para as empresas”, diz o diretor da pasta.
Pela norma já incorporada à Constituição Federal, tanto a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) quanto o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) precisarão estar prontos para começarem uma fase de testes na prática em 2026.
O primeiro terá aplicação federal e substituirá 3 tributos: a Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e o Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI).
Já o segundo terá aplicação subnacional, substituindo o estadual Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) e o municipal Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).
Além deles, o novo sistema contará com um Imposto Seletivo (IS), que incidirá sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Nos 3 casos, os detalhes ainda estão sendo discutidos pelo Congresso Nacional e podem sofrer mudanças.
A pleno vapor
Em janeiro, menos de um mês após a promulgação da EC 132/2023, o chefe da secretaria extraordinária de reforma tributária no Ministério da Fazenda, Bernard Appy, editou portaria que instituiu o Programa de Assessoramento Técnico à Implementação da Reforma da Tributação sobre o Consumo (PAT-RTC).
A estrutura inicial era formada por uma Comissão de Sistematização (Cosist), órgão máximo responsável por receber, avaliar e consolidar os materiais formados por outras instâncias e elaborar as propostas relativas às normas gerais de CBS e IBS; um grupo de análise jurídica (GAJ); e 19 grupos técnicos divididos por área de atuação (GTs).
Os grupos contam com representantes da União, Estados e Municípios.
Veja a relação dos grupos técnicos em atividade para desenvolver o novo sistema tributário:
‘Split payment’: a espinha dorsal da reforma
Há três semanas, o governo instituiu a segunda fase do PAT-RTC, que deverá encerrar as suas atividades até o fim do mês seguinte ao da instalação do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços.
A estrutura conta com uma Equipe de Quantificação, que trabalhará no desenvolvimento das premissas e da metodologia de cálculo das alíquotas dos regimes específicos do IBS e da CBS e criou um grupo técnico para tratar especificamente do split payment, sob a coordenação de Loria.
Método de recolhimento de tributos previsto no PLP 68/2024, que regulamenta a maior parte da reforma tributária do consumo, o split payment é considerado peça fundamental do sistema operacional da reforma. Ele possibilitará que o recolhimento da CBS e do IBS ocorra no momento da liquidação financeira da transação comercial.
O tributo é segregado no ato do pagamento do produto ou serviço, assegurando o rápido ressarcimento dos créditos tributários para o adquirente e nas transações entre empresas. A expectativa é que o modelo contribua para a redução da inadimplência, sonegação e fraude no país − o que na prática possibilita uma alíquota de referência mais baixa para todos.
O grupo técnico conta com a participação de representantes da Receita Federal, do Comitê Nacional de Secretários Estaduais de Fazenda (Comsefaz), da Confederação Nacional dos Municípios (CMN) e da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP), além do Banco Central e de entidades do setor financeiro − uma inovação em relação à primeira fase.
O split payment terá dois modelos: inteligente e simplificado. O primeiro vincula a nota fiscal à transação de pagamento, tornando possível, além da separação do valor do tributo no momento da liquidação financeira, o abatimento dos créditos tributários. O simplificado terá como foco o varejo e aplicará um único percentual a todas as transações, ocorrendo um encontro de contas no fim do mês.
Pelo cronograma da transição da reforma tributária, ele passará à fase de testes em 2026 e deverá entrar em funcionamento em 2027. O desenvolvimento tecnológico poderá ser faseado, desde que, nas situações em que o split payment for obrigatório, ele entre em vigor ao mesmo tempo para os principais instrumentos de pagamento eletrônicos.