Por Flávio Roscoe
Não há como negar, o sistema tributário atual enfrenta diversos desafios. A complexidade das leis tributárias e a carga fiscal oneram as empresas, tanto em termos financeiros quanto em tempo e esforço necessários para o cumprimento das obrigações fiscais. Não é novidade que o sistema tributário brasileiro é desatualizado, irracional, com cobranças de tributos que se sobrepõem (ICMS, ISS, IPI, PIS/Cofins), o que penaliza o contribuinte.
Ainda, as lacunas e ambiguidades da legislação tributária elevam o número de litígios judiciais. A falta de uniformização das interpretações pelos órgãos fazendários do Poder Executivo, que deveriam orientar as ações de fiscalização, incentiva ainda mais a litigância desnecessária. De acordo com o relatório do Conselho Nacional de Justiça de 2022 o contencioso tributário pesa 17 vezes mais para as empresas brasileiras que para as empresas do exterior. A exemplo, uma multinacional gasta em média 57% do faturamento anual com litigância tributária no brasil, enquanto nos demais países em que operam, a média é de 3,3% do seu faturamento.
Tudo isto se reflete na dificuldade de empreender no Brasil. Não por outro motivo, relatórios internacionais posicionam o Brasil negativamente em relação a outros países, nos quais é mais fácil fazer negócios.
Em que pese a ausência de uma reforma administrativa para rever os gastos públicos, os problemas apontados demonstram a necessidade de reforma no sistema tributário e a aprovação da EC n. 132/2023, nesse ponto, é uma conquista para a indústria brasileira.
No entanto, o projeto de regulamentação deveria criar um sistema tributário simples e transparente, reduzindo os custos e burocracias para empresas e aumentando o poder de compra da população. Infelizmente, não é o que se verifica plenamente no PLP n. 68/2024.
A inovação trazida pela reforma tributária, em alguns pontos, merece destaque e atenção. A cisão do IVA em dois tributos — IBS e CBS é o primeiro deles. Os efeitos danosos dessa separação poderiam ser atenuados se houvesse a garantia de que as obrigações acessórias seriam unificadas. O projeto deixa margens abertas para a criação futura de obrigações distintas para IBS e CBS, além de não garantir que o contencioso administrativo dos dois tributos será realmente harmonizado.
A garantia de crédito financeiro na reforma foi outra promessa frustrada. Crédito financeiro é, no direito comparado, sinônimo de crédito amplo: o IVA não deve onerar a atividade produtiva. Se é verdade que o modelo do ICMS se encontra ultrapassado, também é verdade que a neutralidade (não cumulatividade) do IBS/ CBS no PLP n. 68/2024 está aquém do que determina a Constituição. A leitura do projeto aponta a tentativa de restringir o direito de crédito em relação a diversas operações fundamentais para as empresas.
Também os prazos para ressarcimento dos créditos acumulados dos tributos que serão extintos e para restituição dos tributos que estão sendo criados é excessivo. Não há justificativas para que o pagamento seja exigido em prazo exíguo (imediato como se prevê no split payment) e alongado para o ressarcimento do contribuinte em relação aos créditos que são “dinheiro seu”. A devolução ágil dos créditos leva ao aumento da disponibilidade de dinheiro em caixa nas empresas para investimento.
Ignorou-se no PLP n. 68/2024 o pleito do setor produtivo para autorizar o creditamento independentemente de comprovação de pagamento por parte do fornecedor. Esse é o modelo praticado e experimentado no mundo e não há razões para afastá-lo no caso brasileiro. Não cabe ao setor produtivo exercer uma função que é do Fisco.
O Imposto Seletivo também é um ponto de preocupação. Um tributo que nasceu com o propósito de penalizar atividades reputadas prejudiciais à saúde e ao meio ambiente já se mostra no PLP n. 68/2024 arrecadatório. Esse imposto não pode ser utilizado com o propósito de compensar as perdas de receitas da União com a extinção do IPI. Ao mesmo tempo não pode incidir sobre bens essenciais à produção industrial, como o minério — insumo fundamental para a indústria e a economia brasileira — e sobre bens fundamentais para a população em geral, como os veículos.
Em suma, a reforma tributária não somente é necessária e urgente. Apesar do esforço hercúleo para a realização de uma sistematização que tocasse nas principais dores do contribuinte, muitos pontos ainda necessitam de aprimoramento dentro daquilo que se pode fazer em uma lei complementar.
Por fim, mas não menos importante, deve-se garantir que a trava ao aumento de carga tributária prevista no art. 130, §§ 4º e 5º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, seja respeitado pelo Senado quando da fixação das alíquotas novos tributos. Esse teto, para manter constante a carga tributária do consumo, é uma conquista da sociedade brasileira e não pode ser negligenciada. Aprovada a reforma, nos cabe vigiar para garantir sua aplicação.
A FIEMG, com este relatório, compartilha as principais preocupações do setor industrial e as proposições de melhorias do texto legal contribuindo para o aperfeiçoamento do novo sistema tributário.
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