eSocial - Surrealismo regulatório brasileiro

Por Roberto Dias Duarte

Mesmo atribuída equivocadamente, em 1962, ao falecido general francês Charles de Gaulle – a frase “Le Brésil n’est pas un pays serieux” (“O Brasil não é um país sério”) – traduz perfeitamente diversos momentos históricos tupiniquins ou situações surreais que, por sua frequência, são consideradas apanágio nacional.
O caso mais recente teve como protagonista o gabinete do ministro do Trabalho, Manoel Dias, que publicou no dia 30 de abril, no Diário Oficial da União, a Portaria 589/2014, que obriga os empregadores a informar ao ministério, eletronicamente, em até 24 horas, acidentes fatais e doenças do trabalho que resultem em morte.
Até aí tudo bem, não fosse o arranjo publicitário que o governo federal vem promovendo desde o ano passado acerca do eSocial – que unificará o envio de informações pelo empregador em relação aos seus empregados, reduzindo a burocracia trabalhista. A edição desta portaria foi um desses fatos gerados pelo surrealismo regulatório brasileiro.
Ora, se tais as informações solicitadas pela portaria já são controladas por meio da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), da Previdência Social, por que editar uma portaria sobre o mesmo assunto? Aliás, o próprio dispositivo afirma que a nova obrigação não suprime o envio do CAT. Então por que editá-lo? Para se juntar às infindáveis leis sem sentido que nascem a todo instante?
Mais bizarro ainda: a CAT é uma das obrigações que serão supostamente extintas com a implantação do eSocial. O fato comprova que, na prática, o discurso sobre a simplificação dos marcos regulatórios para o desenvolvimento do empreendedorismo no Brasil é pura falácia.
Afinal, nem mesmo os servidores dos ministérios envolvidos com o eSocial conhecem bem o projeto. Achou pouco? A nova obrigação do Ministério do Trabalho e Emprego deverá ser enviada por e-mail! Bom, qualquer estagiário de tecnologia sabe que não há garantia de entrega em se tratando de correio eletrônico, muito menos sobre a segurança e o sigilo de conteúdo desse tipo de mensagem.
Enfim, é preciso mais do que boas intenções na gestão de projetos governamentais. Planejamento e primor na execução são atributos fundamentais para o sucesso de qualquer empreitada, seja uma Copa do Mundo ou uma “simples” obrigação trabalhista.

http://www.robertodiasduarte.com.br/index.php/surrealismo-regulatorio-brasileiro/

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Comentários

  • Esses desencontros não são gerados apenas por falta de planejamento. Afinal, mesmo para planejar há que se saber o que é necessário. No atual modelo brasileiro de ministérios e ministros, há um loteamento de cargos para atender aos inúmeros políticos e partidos da base aliada. Com isso temos um ministro, no caso, que é advogado ligado ao PDT. Quando chegou, trouxe seus amigos, parentes, relações outras e essas pessoas ou não trabalham ou nem sabem o que é esse local onde estão. Ai, dá nisso!!!

  • É por isso que penso que perdemos a grande oportunidade de questionar os governos dos três níveis sobre a reforma tributária antes de se adotar a emissão e escrituração digital dos documentos fiscais e dados das áreas de previdência e trabalhista; muito menos pela redução da carga tributária e mais pela desburocratização dos processos de lançamento e apuração que, além do alto custo desses processos, traz ao empresário uma imensa insegurança, pois qualquer erro pode colocá-lo em péssima situação econômica e financeira, e não menos, a nós contabilistas que atuamos nessa área.

    Colocou-se o elefante na jaula do hamster, pois, nem os mais sofisticados sistemas de informática dão conta a contento dessa burocracia; pior, aconteceu com a passividade diante desse fato por parte de nós contabilistas e outros profissionais da área (profissionais e entidades de classe).

    Também, as novas regras contábeis encontram em nosso sistema tributário uma barreira que, para transpô-la, é preciso criar regras paralelas tais como, Lalur, RTT, Escrituração Contábil Fiscal (ECF), aumentando ainda mais o custo tributário e o riscos.

    Não é ser contra a “coisa”, mas o que se vê nas empresas quando decidem modernizar-se é, a título de econômica e racionalidade, simplificar ao máximo os processos internos, ao contrário de que ocorreu, como dito acima, enfiou-se o elefante na jaula do hamster.

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