Por Adriana Aguiar e Zínia Baeta

Em dois anos, desde o início da Operação Lava-Jato, a Receita Federal autuou 107 contribuintes envolvidos no esquema e cobra R$ 10,1 bilhões, a maior parte de empreiteiras. Até o momento, 53 delas respondem por cerca de R$ 8 bilhões das penalidades fiscais.

Além dos contribuintes principais, 17 bancos e corretoras foram chamados a prestar contas ao Fisco. As instituições são consideradas responsáveis solidárias em ilícitos tributários, dentre outros motivos, por facilitar e promover remessas irregulares de dinheiro ao exterior.

As punições a 43 pessoas físicas e 64 jurídicas, além de prever a cobrança do Imposto de Renda e da CSLL, incluem multa qualificada de 150% e juros sobre os impostos que teriam deixado de ser recolhidos, por despesas declaradas em balanços, mas não existentes, por exemplo.

As apurações por um grupo especial de 80 auditores para investigar o assunto, resultaram na abertura de 1.382 processos fiscais e o mapeamento de mais de 200 empresas de fachada, as chamadas "noteiras", cuja função seria exclusivamente a de emitir notas fiscais e simular a prestação de serviços para, por exemplo, contratos superfaturados.

O grupo de coordenadores responsáveis pela Operação Lava-Jato na Receita Federal informa que atualmente conduzem 842 ações fiscais – o que inclui fiscalizações e diligências. Dentre as operações, 80% das empreiteiras já passaram pelo pente-fino do Fisco e 60% das operadoras de câmbio também já tiveram as fiscalizações finalizadas.

Além dos R$ 10,1 bilhões, o grupo estima um potencial de recuperação de mais R$ 5 bilhões. A data limite estipulada pelos auditores para finalizar as investigações é o fim deste ano.

A Receita corre contra o tempo. Muitos créditos podem se tornar incobráveis porque podem alcançar, o que se chama juridicamente de decadência – a perda do prazo legal de cinco anos para se exigir um direito. "Há colegas que notificaram contribuintes no dia 29 de dezembro para correr contra a decadência", afirma o coordenador-geral do núcleo que investiga a Lava-Jato, Erico Piredda da Graça.

Nesses processos, o órgão tem tomado o cuidado de pedir, juntamente com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), o bloqueio judicial de bens dos envolvidos para evitar a dilapidação de patrimônio dos investigados.

"Identificamos os bens, apresentamos provas e pedimos que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) entre na Justiça com uma medida cautelar", dizem os auditores.

O procurador da Fazenda Nacional Daniel de Saboia Xavier, coordenador-geral da força-tarefa da PGFN na Operação Lava-Jato e também coordenador de grandes devedores, afirma que neste momento trabalham em sete medidas cautelares em conjunto com a Receita. Em uma delas já obtiveram da Justiça a indisponibilidade de bens de um dos envolvidos na operação. Outra foi suspensa porque houve o pagamento do débito pelo contribuinte.

Ele afirma que há a preocupação se os réus terão patrimônio suficiente para arcar com todos os débitos pelos quais respondem – há os acordos de delação, as condenações penais, por exemplo. "Há pouco patrimônio para tanta dívida", afirma.

De forma independente da Receita, o núcleo interno da PGFN também trabalha no bloqueio de bens de outros envolvidos. São cinco medidas cautelares estudadas pelos procuradores cujos valores envolvem R$ 3 bilhões.

Segundo a Receita, parte das autuações está sendo contestada administrativamente pelos contribuintes e outra já foi paga. Mas o órgão não soube quantificar quanto foi efetivamente recuperado.

Para lidar com a Lava-Jato, os auditores da Receita tiveram como bagagem a experiência obtida com a Operação Monte Carlo de 2012, deflagrada pela Polícia Federal para desarticular uma organização que explorava máquinas caça-níqueis e jogos. Na época, o Fisco identificou e autuou os envolvidos em R$ 1,2 bilhão.

Dois anos mais tarde, porém, o órgão se deparou com uma operação gigantesca cujos documentos e arquivos digitais estão hoje armazenados em uma central em Brasília. Apenas nas movimentações mapeadas de noteiras e operadoras, entre débitos e créditos, foram contabilizados R$ 40 bilhões até a 8ª fase da Lava-Jato – hoje a operação já está na 37ª fase.

No caso das empreiteiras, como a maioria trabalha por meio de consórcios – algumas participavam em mais de cem deles – os auditores se depararam com a dificuldade de analisar de cinco mil a seis mil contabilidades diferentes e encontrar a participação de noteiras na prestação de serviços fictícios.

Para tirar informações úteis desses milhares de documentos, o órgão conta com uma já reconhecida experiência em cruzamento de dados, arquivos, ferramentas gráficas, além de softwares específicos para situações diversas – muitos desenvolvidos internamente.

Entre eles, um arquivo nacional de todas as escrituras de imóveis do país, assim como das procurações de plenos poderes. Essas procurações permitem que os reais proprietários dos bens possam movimentá-los. Com esse sistema digital, a Receita conseguiu encontrar o elo entre bens, laranjas e beneficiários finais e chegar a vários investigados.

Nesses procedimentos os auditores relatam ter detectado dezenas de endereços de fachada de empresas localizadas em bairros de baixa renda, muitas com estruturas de funcionamento incompatíveis com as atividades declaradas. Em um dos casos, por exemplo, uma empresa com endereço em um desses bairros, possuía dois veículos de luxo declarados, avaliados no valor de R$ 3 milhões cada um deles.

"Temos dezenas de outras fontes de informações internas e externas que são utilizadas. Muitas das quais os contribuintes nem devem saber para não inibir a prática que estrategicamente utilizamos", diz o auditor Piredda da Graça.

No caso das noteiras, por exemplo, a Receita havia identificado nove delas no início da operação. Hoje são mais de 200 que atuaram não só na Lava-Jato, mas que trabalham para o "mercado" – um espectro muito maior do que o imaginado inicialmente pelos auditores.

Hoje o órgão também conseguiu identificar o que chama de noteiras de segunda geração. São as empresas que mantêm a aparência de legalidade – têm estrutura e atividade – mas também "movimentariam" dinheiro ilícito.

As investigações internas foram divididas em quatro grupos: tomadores de serviços fictícios, empresas noteiras, corretoras de câmbio fraudulento e beneficiários pessoas físicas (políticos, agentes públicos, lobistas, operadores, prestadores de consultorias fictícias).

As corretoras e bancos foram investigados e autuados como terceiros solidários porque no entendimento da Receita houve negligência da área de controle dessas instituições. "A corretora deveria exigir toda a documentação sobre a importação e não o fez. Há um caso em que a corretora enviou R$ 100 milhões para o exterior de um cliente com endereço em uma favela", diz a supervisora nacional do Núcleo da Lava-Jato da Receita, Cecília Cícera da Palma.

Há situações de fechamento de contratos de importações fictícios em que a corretora não possui cópia dos documentos, que podem ser casos de negligência, mas também de dolo.

O entendimento pegou clientes e tributaristas de surpresa. Os autos de infração exigem imposto de renda de 35% sobre as remessas feitas e IOF, com multa de 150% e taxa Selic. (Leia mais na página E2)

A troca de informações é uma constante entre o Fisco e o Ministério Público Federal. E alguns indícios levantados pela Receita, segundo os coordenadores, chegaram a gerar novas fases da operação. "Essa troca representa um fortalecimento das instituições. É um avanço muito grande para o país, já que as instituições estão fortalecidas com o mesmo objetivo comum que é o combate à corrupção", diz Erico Piredda da Graça.

Para o grupo, a expertise desenvolvida para apurar os ilícitos tributários da Lava-Jato é um legado, que servirá de parâmetro para todas as unidades da Receita Federal. Tanto que o próximo passo do órgão será investigar as prestadoras de serviços em contratos com prefeituras e governos do Estado.

Fonte : Valor via http://alfonsin.com.br/receita-federal-cobra-mais-de-r-10-bi-de-envolvidos-na-lava-jato/

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