Quando a contabilidade alcança a diretoria das empresas

Durante séculos a contabilidade foi encarada por muitos executivos como sendo um “mal necessário” para atender a reguladores e às autoridades fiscais. Para muitos, a contabilidade não merecia consideração por ser uma ciência que sempre olhava para a empresa pelo “retrovisor”, privilegiando o passado ao invés do futuro.

Estes, infelizmente, se esqueceram de que a raça humana se diferencia das outras criaturas exatamente por ter a capacidade de olhar e aprender com o passado, e que os fenômenos científicos só podem ser inferidos para o futuro a partir das conclusões obtidas da sua observação no passado.

Em outras palavras, ainda que esta concepção fosse correta, a contabilidade não deveria jamais ser desconsiderada pelo gestor de uma empresa. Ao contrário, como o objetivo desta ciência é refletir o efeito das transações realizadas no período sobre o patrimônio da empresa, dominá-la é de fundamental importância para aqueles que almejam administrar o seu negócio não apenas de maneira eficiente, mas também eficaz!

Se no passado, este domínio dos princípios que norteiam a contabilidade já era importante, tal conhecimento alcançou novo patamar de relevância a partir da introdução do IFRS (International Financial Reporting Standards) no Brasil, a partir de 2010.

Em primeiro lugar, porque o IFRS é um padrão internacional. Ou seja, sua aplicação representa o uso das melhores práticas contábeis em vigor. O fato de ser uma norma internacional implica, ainda, que não há espaço para interferência de interesses econômicos ou políticos sobre a forma de contabilização das transações uma vez que todo um “due process” tem que ser observado para garantir que a norma estabelecida seja aplicável em qualquer lugar do mundo, sem possibilidade de introdução de mecanismos que venham a proteger interesses de grupos ou países específicos.

Adicionalmente, o caráter principiológico do IFRS naturalmente conduz tanto o profissional contábil quanto a alta administração a procurar conhecer profundamente a operação antes de formalizar o seu registro. Tomar decisão sem conhecer o IFRS é o equivalente a lançar uma flecha e cruzar os dedos torcendo para que ela atinja o alvo.

No mundo inteiro a atividade contábil é altamente valorizada exatamente por ser considerada como elemento essencial para a gestão. Não cabe, e não é do interesse do contador tomar decisões estratégicas, mas o gestor que o faz sem ter como fundamento a informação contábil corre o risco de fazer investimentos que não irão gerar caixa suficiente para trazer o retorno almejado e, muitas vezes, assumir dívidas que não terá condições de quitar.

Muitos dirão: “eu não preciso da contabilidade – utilizo a projeção do fluxo de caixa e indicadores derivados desta metodologia para basear minhas decisões!”. De modo algum estes instrumentos devem ser desconsiderados, muito pelo contrário: são ferramentas de gestão extremamente poderosas.

Ocorre que os fluxos de caixa nada mais são do que a realização financeira dos eventos já registrados nos demonstrativos contábeis, com uma diferença básica: os fluxos de caixa projetados dependem do uso de premissas que podem ou não se confirmarem; já os registros contábeis se baseiam em transações concretas atestadas por auditores independentes. O Gestor inteligente, então, irá procurar utilizar a visão de retorno dada por estes instrumentos, mas complementar análise com a visão contábil a fim de atestar a confiabilidade do modelo.

Para fazê-lo, no entanto, é necessário um conhecimento contábil mais profundo de IFRS do que o geralmente observado entre os gestores atuais. Quando este conhecimento não está presente, o gestor é obrigado a transferir a interpretação dos fundamentos decisórios a terceiros que não necessariamente chegam às mesmas conclusões que ele chegaria sem tal interferência.

Considerando-se o cenário atual em que gestores tem cada vez mais sido chamados, por reguladores de mercado e outros órgãos de controle extremamente mais informados e aparelhados, a responder por suas decisões o risco de “não saber” pode ser muito grande.

No IFRS, a essência da transação deve sempre prevalecer sobre a forma. O efeito desta característica fundamental do novo ambiente contábil é que tal como um bom advogado, tanto o profissional contábil quanto o gestor da empresa sempre precisa saber explicar com total segurança as decisões tomadas e arcar com a responsabilidade de seu efeito sobre o negócio e sobre a sociedade.

Foi-se o tempo em que a contabilidade era tratada como um conjunto mecânico de débitos e créditos com o objetivo de gerar demonstrativos. Conhecer contabilidade no mundo moderno parte essencial do currículo de um bom gestor. E como o IFRS é uma norma em constante evolução, este conhecimento não pode ser visto como mais um certificado ou diploma para ser pendurado na parede, mas como uma contínua busca de manter-se atualizado a respeito do que está por vir.

Por exemplo, os gestores que ainda não se prepararam para as mudanças que a entrada em vigor do IFRS9, prevista para janeiro de 2018, irá trazer para sua empresa e para a precificação de seus ativos, como resultado de um enfoque completamente novo para o reconhecimento, mensuração e baixa dos instrumentos financeiros (empréstimos, recebíveis, títulos mobiliários, investimentos, derivativos, etc.) terão muito a explicar aos seus acionistas e conselhos ao longo dos próximos meses.

Gestores, está na hora de voltar às salas de aula!
*Vânia Borgerth é professora no IAG Escola de Negócios da PUC-RIO

Fonte: CFC

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