O SPED nas obras

Por Lúcia Moura Fé e Pâmela Reis

A partir de janeiro deste ano, empresas enquadradas no lucro presumido passaram a fazer a Escrituração Fiscal Digital da contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Significa dizer que a apuração desses tributos passou a integrar o Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), um modelo que já estava em vigor desde janeiro de 2012 para empresas do lucro real.

Longe de ser uma mudança meramente contábil, a chamada EFD-Contribuições exige adaptação até mesmo das áreas técnicas de construtoras e dos canteiros de obras. As empresas mais afetadas serão as que apuram o PIS e a Cofins pelo regime não cumulativo, ou seja, aquelas que podem tomar créditos dos tributos pagos por seus fornecedores e deduzir esses créditos de seus próprios tributos.

Para essas empresas, o Fisco agora exige que, a cada crédito tomado, sejam informados detalhes das notas fiscais que os originaram. Ou seja, o controle será mais rigoroso e erros contábeis, cometidos pela empresa ou pelo fornecedor, serão mais facilmente identificados e punidos. (Em tempo: no regime cumulativo, a empresa paga uma alíquota menor, mas não tem direito a deduzir créditos de fornecedores).

Na entrevista a seguir, Roberto Dias Duarte explica como a EFD-Contribuições afeta as empresas de construção e quais os caminhos para se adaptar à nova sistemática. O entrevistado é administrador de empresas, autor de cinco livros e de um blog sobre o SPED, e membro do grupo de trabalho Tecnologia da Informação do Conselho Regional de Contabilidade de Minas Gerais (CRC-MG).

Quais são as principais dificuldades das empresas para se adaptarem à EFD-Contribuições?

A principal dificuldade é compreender que a EFD-Contribuições, assim como os demais projetos do SPED, impacta a gestão das empresas e, por isso, deve ser conduzida pela liderança estratégica e não por áreas isoladas. Em geral, os executivos e empreendedores encaram o SPED como apenas uma obrigação tributária, em vez de compreender seu sentido mais amplo. Essa nova forma de prestar contas ao fisco interfere em todos os setores da empresa.

Como se dá esse impacto nos setores técnicos das construtoras?

Imagine o SPED como um grande facebook tributário, em que cada operação empresarial é “postada”, sem direito à tecla “del” no segundo seguinte. Nessa interface, compras de insumos, vendas, receitas, despesas, apurações tributárias, cadastros de clientes, fornecedores e materiais são compartilhados com o Fisco em tempo real. A grande questão é a seguinte: quem seria o responsável pelo registro dessas informações? O departamento contábil e fiscal? Ledo engano. Na prática, quem registra (e publica) tais dados são os diversos funcionários espalhados pelos departamentos e pelas obras.

Quais as consequências desse foco excessivo na área contábil, quando o problema está espalhado pela empresa?

O pensamento comum aponta que a questão é só tributária, mas, na realidade, apenas parte das informações “nasce” nesse setor. A questão é que é ali que os problemas estouram quando são detectados internamente ou por meio de intervenções do fisco. O pior é que, quando surgem tais intercorrências, muitas vezes os dados são ajustados, mas os problemas acabam não sendo corrigidos na origem. Quer dizer, os processos continuam gerando informações sem integridade ou de forma incompleta. Sem o envolvimento dos diversos departamentos, sob a liderança dos executivos, a adequação ao SPED torna-se um projeto de custo e prazo infinitos. E o pior de tudo: sem solução.

Na nova sistemática, para tomar créditos de PIS e Cofins, as empresas terão que lançar no sistema dados da nota fiscal do fornecedor, que traz, entre outras coisas, o código da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) do insumo adquirido. O que acontece se o NCM que consta na nota fiscal for diferente do NCM que consta no cadastro da construtora?

Quando se compra o mesmo material de fornecedores diferentes e cada um atribui um NCM na nota fiscal, a orientação tributária é que a empresa adquirente ajuste aquele NCM para o NCM real. Mas isso, na prática, torna o processo bastante complicado, pois a empresa acaba tendo que auditar as notas de cada fornecedor, sob pena de absorver o risco fiscal dos forneceres e ser corresponsável pelos problemas. A solução depende de uma análise de risco detalhada. Pode-se, por exemplo, utilizar sistemas de auditoria eletrônica das notas recebidas. Ou, ainda, selecionar e desenvolver os fornecedores.

Como funciona essa auditoria eletrônica das notas fiscais?

O sistema de emissão de nota fiscal eletrônica (NF-e) é conectado ao de auditoria, que realiza uma série de validações pré-configuradas para aquela empresa antes da emissão, como a checagem dos códigos fiscais, para ver se estão compatíveis com a operação realizada e se os valores tributários (alíquotas, bases de cálculo, tributos) são coerentes com a operação, por exemplo. Após essa análise, o sistema de auditoria informa ao sistema emissor de NF-e se a nota está coerente ou se há problemas. O mesmo raciocínio é utilizado para notas eletrônicas recebidas. Quando um fornecedor envia o arquivo da NF-e em formato XML, o sistema de auditoria “captura” esse arquivo por meio de uma integração, analisa os parâmetros tributários e informa à empresa se aquela nota recebida está coerente.

Para uma empresa que tem várias obras, não é impraticável checar o NCM de cada nota fiscal que chega aos canteiros?

Com um volume de dados elevado e regras tributárias tão complexas e instáveis, somente com o uso de tecnologia da informação poderemos realizar uma verificação precisa como essa, de forma a minimizar os riscos. Ou seja, sem o uso de sistemas de auditoria digital em documentos fiscais, o custo da análise é elevado e frágil. Na prática, as construtoras devem utilizar sistemas que recebam as NF-e dos fornecedores, façam essa validação tributária e informem quais notas podem ser recebidas (sem risco) e quais devem ser devolvidas.

Que outros cuidados são necessários no recebimento das notas fiscais?

Um cuidado importante diz respeito ao Danfe (documento impresso). Quase toda empresa brasileira já recebe notas fiscais eletrônicas dos seus fornecedores, mas muitas ignoram que o Danfe não vale nada sozinho. Esse papel é fácil de ser falsificado e só tem valor depois que você o confere junto com o arquivo digital da nota – que chamamos de XML. Muitas vezes, o arquivo digital nem é enviado. Eu diria que a maioria das empresas não confere o XML, e isso é quase como comprar produto sem nota. Você pode estar levando para sua empresa problemas fiscais do seu fornecedor. A solução é conferir o Danfe e a nota eletrônica inteira de toda mercadoria ou serviço adquirido.

Qual a maneira correta de se fazer essa conferência?

O Danfe deve ser conferido no portal da NF-e, analisando- se a autorização da nota e se todos os seus campos são coerentes com a NF-e autorizada, que é exibida no portal. Além disso, deve-se analisar todas as informações tributárias do documento: valores, situações fiscais, códigos fiscais etc. Mas verificar os dados de um arquivo digital é trabalho que só os programas de computador conseguem realizar. Por isso, o ideal é ter uma ferramenta que permita fazer essas conferências em tempo real – tanto do Danfe quanto do XML. De preferência, um bom software de gestão que faça isso automaticamente e ainda armazene cada nota eletrônica recebida.

O processo de adaptação das empresas de lucro presumido é similar ao processo para empresas do lucro real? Ou é mais simples?

Em tese, as empresas enquadradas no lucro presumido têm uma escrituração simplificada. Mas, na prática, os efeitos são similares. O grande “nó” não é somente tributário. A partir do momento em que as operações empresariais são monitoradas [pelo Fisco] de perto e em tempo real, torna-se imprescindível lançar um novo olhar sobre as questões administrativas. A precisão e a velocidade no trâmite de informações geram uma necessidade de redução de erros cadastrais internos ou externos (por exemplo, junto aos fornecedores). Em resumo, por ser mais simples, não quer dizer que a responsabilidade e as consequências sejam menores.

Fonte: Revista Construção Mercado

http://www.robertodiasduarte.com.br/index.php/o-sped-nas-obras/

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