Por RAQUEL NOVAIS

O que esperar e não esperar da pauta tributária de 2020? A tão falada reforma tributária sairá?

O Supremo Tribunal Federal (“STF”) realizará os julgamentos importantes que constam de sua robusta pauta para o primeiro semestre de 2020?

A transação tributária será finalmente implementada, após mais de cinco décadas de sua previsão pelo Código Tributário Nacional (“CTN”)?

O Brasil dará algum passo para o ingresso na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (“OCDE”), promovendo a convergência de suas regras de preços de transferência para os padrões da OCDE?

Muitas expectativas estão criadas.

Reforma Tributária

“O Brasil precisa de uma reforma tributária”. Isto é um consenso absoluto, em todos os segmentos da sociedade.

A complexidade de nosso sistema tributário é a maior no mundo e disto decorrem elevadíssimos níveis de conformidade e litigiosidade, geradas pela insegurança na interpretação e aplicação de nosso intrincado sistema de normas.

O consenso sobre reforma tributária, no entanto, para por aí. A partir daí começam os dissensos. Que reforma fazer e em que nível? Quais tributos reformar: sobre a renda, sobre o consumo, ambos?

Unificar tributos incidentes sobre a produção e o consumo parece ser uma aspiração legítima, dadas a complexidade, sobreposição de incidências, conflitos de competência, níveis de conformidade etc. É, no entanto, um desejo tão ideal quanto complexo.

A PEC 45 propõe uma unificação de cinco tributos (PIS, COFINS, ICMS, ISS e IPI). Embora esteja caminhando na Câmara dos Deputados e conte com a simpatia do seu Presidente, vinha concorrendo com proposta semelhante, que tramita no Senado, a PEC 110. O primeiro obstáculo para a unificação foi vencido com a criação de uma comissão mista, formada por cinquenta parlamentares de ambas as Casas, para tramitação de um texto único.

As PECs 45 e 110 não contam com a aprovação incondicional dos Estados, que poderão ter maior arrecadação, mas pagarão o alto preço da perda de autonomia legislativa.

Embora apoiadas pelas atuais lideranças do Congresso Nacional, as propostas tampouco parecem desfrutar do apoio do Governo Federal, que pretende apresentar sua própria proposta de reforma. O suspense sobre o conteúdo da reforma do Governo Federal vem sendo quebrado por informações de diversas fontes, algumas mais confiáveis que outras. Consistiria na unificação do PIS, do COFINS e do IPI, criando um imposto sobre valor agregado, apelidado de IVA Dual, e ainda um imposto seletivo sobre produtos não essenciais.

Juristas importantes1 divergem sobre a viabilidade das propostas, tanto quanto economistas festejados2.

As divergências sobre as reformas não param por aí. Os setores de serviços e do agronegócio vêm compreendendo os efeitos das reformas sobre suas atividades. São hoje os setores mais relevantes na formação do PIB brasileiro e perceberam que o resultado da simplificação tributária para todos terá um alto custo somente para esses setores.

Neste ambiente, ouve-se com frequência sobre volta da polêmica CPMF, associada à desoneração da folha de salários, como estímulo ao emprego.

Falando sobre a tributação sobre a renda, é possível que tenha curso a reintrodução do imposto de renda na fonte na distribuição de dividendos. Seria acompanhada de uma redução da tributação sobre a pessoa jurídica que hoje está no patamar de 34% sobre o lucro tributável, muito acima de vários países da OCDE que caminham para uma tributação em torno de 20%. O cuidado na reintrodução dessa tributação explica-se pelo impacto que pode ter para investidores estrangeiros no Brasil, em especial em razão da tributação territorial, que é adotada por inúmeros países e, mais recentemente, pelos Estados Unidos, com a última reforma tributária lá ocorrida. Além disto, o atual projeto sobre o tema não prevê qualquer mecanismo para a tributação em cascata dos dividendos distribuídos.

Apostas são feitas sobre o que teremos até o fim do ano. Avaliações recentes indicam que a reunião das PECs de unificação de tributos contam com 50 por cento de chances de aprovação, índice otimista para um ano de eleições.

Pauta do Supremo Tribunal Federal

A pauta de julgamentos do STF para o primeiro semestre de 2020 reflete a complexidade do sistema tributário brasileiro.

Os temas se relacionam a:

  1. conflitos de competência de entidades tributantes (ISS ou ICMS sobre softwares, disputa entre Estados por IPVA, ICMS sobre o gás natural da Bolívia, Município de pagamento de ISS em diversas atividades, ICMS ou ISS na manipulação de medicamentos);

  2. créditos em tributos não cumulativos (PIS/Confins na aquisição de resíduos, IPI nas aquisições à alíquota zero ou não tributadas, compensação de créditos de PIS/COFINS na transição dos modelos cumulativo para não cumulativo, limitação temporal para aproveitamento de créditos de PIS//COFINS)

  3. Tributos previdenciários (incidência sobre o salário maternidade, Funrural sobre segurados especiais, a contribuição ao SEBRAE após a EC 33/2001, tributação de agropecuaristas pessoas físicas)

Além de temas que podem ser reunidos em categorias, há diversos outros, como aplicação das regras de imunidade, substituição tributária, definição de base de cálculo, momento de pagamento, cobrança na importação, inconstitucionalidade de leis, validade de decisões transitadas em julgado para a CSL etc.

O julgamento do tema mais importante de toda a pauta, contudo, está para 1º de abril: a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS – embargos de declaração fazendários, inclusive pedido de modulação de efeitos.

A pauta do dia 1º de abril conta com pelo menos seis itens de matéria tributária. Ressalta-se a urgência na definição do tema que está no STF desde 17 de novembro de 1998 e cuja definição de mérito já ocorreu desde 24 de agosto de 2006 com a primeira decisão proferida no RE 240.785/MG, suspenso por pedido de vista por 8 anos, julgada em 08 de outubro de 2014 e confirmada por decisão em 15 de março de 2017, proferida sob o regime de repercussão geral, na qual foi assentada que o ICMS não compõe a Base de cálculo do PIS e da COFINS.

A pacificação desta matéria é imperiosa e urgente, de sorte que é legítima a expectativa que o STF efetivamente ponha fim à esta controvérsia.

MP do Contribuinte legal – Regulamentação da Transação Tributária

Com a aprovação pela Comissão Mista da MP 899/19, estamos a um passo curto da regulamentação da transação tributária, prevista pelo CTN, lei 5172/1966.

O instituto decorre da necessidade de a relação entre o fisco e os contribuintes contar com novas alternativas de pacificação e solução de controvérsias.

Extremamente litigiosa e caracterizada pela falta de confiança de parte a parte, a conturbada convivência entre os fiscos – federal, estaduais e municipais – e os contribuintes tem como resultado um valor de litigio que supera 50% do PIB brasileiro, colocando o Brasil em primeiro lugar absoluto e sem concorrentes, na relação entre litigio tributário e PIB. Na OCDE, esta média é próxima de 1%.

As causas são conhecidas as consequências são drásticas e não indicam a presença de um ambiente de prosperidade e capaz de atrair investimentos.

As soluções por REFIS e os institutos da repercussão geral e dos julgamentos em repetitivos amenizam o problema mas estão longe de contê-lo.

Neste ambiente, foi proposta a regulamentação da transação tributária, que é instituto que permite às partes – fisco e contribuinte – extinguirem o crédito tributário pela concessão mútua em litígios existentes. Tem o potencial de aplicação em processos que somam 2 trilhões de reais.

São previstas três modalidades de transação: créditos de natureza tributaria ou não, desde que inscritos na dívida ativa, créditos tributários envolvendo controvérsia jurídica disseminada e relevante e créditos tributários em contencioso administrativo de baixo valor.

Quando a transação envolver a primeira modalidade e implicar redução do crédito tributário, os créditos devem estar classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação conforme regulamentação posterior; na segunda modalidade, pende de regulamentação se a renúncia deve envolver ou não aquele específico crédito ou tudo o que resultar da matéria controvertida.

Pode representar concessão de descontos nas multas, juros de mora e encargos em créditos irrecuperáveis, prazo e forma de pagamento, diferimento e moratória e oferecimento, substituição ou alienação de garantias ou constrições. De qualquer forma, os descontos não poderão ultrapassar 50% do crédito tributário.

Ocorrerá por proposta da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (“PGFN”) ou por adesão a condições estabelecidas em edital.

Após a apreciação de 220 emendas, o texto aprovado recebeu boas melhorias. Remanesce uma dúvida relevante: a possibilidade de adesão a edital de transação de dívida advinda de processo administrativo encerrado e não inscrito.

É, no entanto, um avanço e as expectativas neste caso são firmes no sentido de que o projeto de lei seja aprovado pelas duas Casas do Congresso, até o dia 25 de março de 2020, prazo limite para a sua aprovação.

Entrada do Brasil na OCDE – convergência das Regras de Preços de Transferência

Finalmente, grande expectativa é posta no avanço das discussões entre o Brasil e a OCDE, para ingresso do Brasil naquela organização.

Dentre as condições para tanto, o Brasil deve promover a convergência de sua legislação de preços de transferência para o modelo da OCDE.

Desde a criação do controle tributário dos preços de transferência, o Brasil optou por um modelo distante da OCDE, que privilegia a simples conformidade e a fácil fiscalização. Seria o regime ideal, fosse o Brasil uma ilha e os seus contribuintes não tivessem qualquer conexão com o mundo exterior. O regime, no entanto, apesar de garantir uma base tributável ao Brasil promove efeitos indesejáveis em um grupo de empresas com operações em diferentes jurisdições. Mais precisamente, acarreta a dupla tributação ou dupla não tributação.

O regime da OCDE é baseado no principio do “arm’s length” (à distancia de um braço), ou seja, em operações realizadas entre empresas do mesmo grupo, cujo elemento comercial não esteja presente, os critérios indicam como devem ser apurados para que sejam os mais próximos daqueles presentes em uma relação comercial similar entre partes independentes. Os níveis de conformidade são bem superiores ao regime brasileiro, implicando maiores desafios à fiscalização e, consequentemente, maior potencial de litigio entre o fisco e o contribuinte.

O preço de uma tributação mais justa sobre as empresas autuando em diversos países, como contemplada no modelo OCDE, pode significar a renúncia à simplicidade na conformidade, fiscalização e arrecadação.

Os debates com a OCDE vêm acontecendo a partir do pedido de ingresso do Brasil naquela organização, e os resultados têm sido informados em eventos promovidos para este fim, nos quais têm participado representantes da OCDE, membros da Receita Federal do Brasil (“RFB”), representantes de empresas multinacionais e profissionais ligados à aplicação destas regras.

Depois de certo impasse em julho de 2019, em que o Brasil manifestou hesitação em aceitar as regras do clube que pediu para entrar, a reunião de 18 de dezembro de 2019 indicou uma tendência à convergência, cujas bases foram estabelecidas em um robusto relatório realizado de forma conjunta pela OCDE e a RFB intitulado “Transfer Pricing in Brazil, Towards Convergence with the OECD Standard”. 3

A expectativa é de que as discussões caminhem e sejam encontradas soluções que permitam o avanço do Brasil para um ambiente efetivamente global no qual a tributação não seja jamais um motivo para afugentar o investimento.

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