Por Daniel Leib Zugman

Artigo produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no NEF/Direito GV. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

Algo que pode ser útil para muitas empresas, principalmente àquelas que não possuem setores de controle tributário desenvolvidos, é solicitar informações sobre seu histórico de recolhimento de tributos, compensações e demais movimentações que possam constar de registros da Administração Tributária. Isso pode trazer à tona, por exemplo, eventuais pagamentos indevidos ou em duplicidade.

Foi para obter exatamente tais informações que uma empresa de Minas Gerais requereu à Secretaria da Receita Federal acesso à relação de todos os débitos e recolhimentos existentes em seu nome e constantes do Sistema de Conta Corrente de Pessoa Jurídica da Receita Federal do Brasil.

A RFB negou acesso a tais informações pela empresa, que, irresignada, impetrou Habeas Data[1]perante a Justiça Federal de Belo Horizonte. O pedido foi indeferido e a decisão confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Na sequência, foi interposto Recurso Extraordinário ao Supremo Tribunal Federal (RE 673.707), que teve repercussão geral reconhecida pelo relator ministro Luiz Fux e está pendente de julgamento.

Os argumentos utilizados para defender a negativa de informação são os seguintes: (i) o registro indicado não se enquadra na hipótese de cadastro público, o que elimina a possibilidade de Habeas Data; (ii) a RFB não é obrigada a disponibilizar tais informações, pois são as mesmas que a empresa presta ao Fisco e sobre as quais deveria ter controle.

Ambos são inconsistentes e devem ser afastados por dois motivos. (i) Invocar o conceito de “cadastro público” para negar acesso à informação que, por direito, pertence ao contribuinte e da qual o poder público é mero depositário[2], é defesa inócua. Quem custeia o aparato estatal para arrecadar tributos é o contribuinte: logo, tem direito de acessar as informações colhidas pelo Fisco. O argumento de que as informações não se enquadram em “cadastro público” procura atribuir significado a conceito abstrato de baixa densidade normativa. Isso desloca o foco da discussão para terreno incerto e secundário, enquanto a questão central é saber a quem pertencem os dados e quem tem o direito de acessá-los. Para obtê-los, bastaria à empresa formular pedido com base na Lei de Acesso à Informação (LAI, Lei 12.527/2011), que determina a transparência como regra e o sigilo como exceção e admite negativa de informação pública apenas nas hipóteses de sigilo previstas em lei. E, obviamente, não pode haver sigilo de informação que o contribuinte solicita sobre si mesmo! (ii) Ademais, negar acesso a informações porque o contribuinte deveria manter esses registros seria o mesmo que instituição financeira negar extrato de conta bancária a correntista sob o argumento de que ao cliente incumbiria manter controle de suas finanças: beira o ridículo. E nem se argumente que isso geraria custos para a Administração Tributária, pois os dados solicitados já existem e são facilmente acessíveis. Ainda que existam custos de impressão ou cópia, poderiam ser repassados ao solicitante, como autorizado pela LAI.

Portanto, a negativa de acesso é insustentável. A criação de obstáculos desarrazoadamente gera desconfiança e estremece ainda mais a relação Fisco-contribuinte. A longo prazo, a tendência é que esse tipo de atitude prejudique o próprio Fisco. O cumprimento voluntário da legislação tributária não é garantido apenas por normas punitivas e o decorrente “medo de ser pego” incutido na população. É maximizado com a formação de uma moral tributária, que se constrói com confiança nas instituições e relações pautadas pela ética recíproca[3].

A complexidade do sistema tributário brasileiro é desafio que as empresas atuantes no país têm de enfrentar cotidianamente. A profusão diária de normas, o emaranhado de competências tributárias e a manipulação da interpretação da legislação pelo fisco com o objetivo de aumentar a arrecadação são alguns dos fatores que configuram este “carnaval tributário”.

Para as empresas, mais grave do que a pesada carga tributária é a insegurança jurídica imperante nesse cenário. A constante busca da conformação às normas tributárias, nas empresas, se executada com êxito evita surpresas desagradáveis, como despesas não programadas decorrentes de autuações fiscais, contencioso administrativo e judicial e contratação de advogados terceirizados.

Maior transparência da Administração Tributária poderia facilitar a atividade de conformação à legislação[4]. Se o Fisco tornar público seu entendimento acerca das leis e oferecer orientação prática às empresas muito contribuirá para redução desses riscos tributários.


[1] Instrumento utilizado para obter informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público.

[2] Cf.: Joseph Stiglitz. On Liberty, the Right to Know, and Public Discourse: The Role of Transparency in Public Life. Disponivel em http://goo.gl/RrIZu.

[3] Cf. James Alm e Jorge Martinez-Vazquez, Tax Morale and Tax Evasion in Latin America. Disponível em http://goo.gl/h4jSP.

[4] Existem diversas pesquisas apontando a relação entre transparência e aumento de arrecadação. Cf. Marjorie Kornhauser, Doing the Full Monty: Will Publicizing Tax Information Increase Compliance?disponível em http://goo.gl/AGpJn; e James Alm et al., Taxpayer Information Assistance Services and Tax Compliance Behavior, disponível em http://goo.gl/48eDd.

Revista Consultor Jurídico, 9 de maio de 2013

http://www.conjur.com.br/2013-mai-09/daniel-zugman-informacoes-prestadas-fisco-pertencem-contribuinte

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