Por Marcos Mortari

Pressionado pelo início dos trabalhos na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia no Senado Federal, o governo Jair Bolsonaro tenta resgatar reformas econômicas no Congresso Nacional em busca de uma agenda positiva.

Nos últimos dias, a reforma tributária voltou a ser assunto abordado por alguns dos principais operadores políticos em Brasília. Apesar de as propostas em tramitação nas duas casas legislativas sofrerem resistências, as movimentações chamaram a atenção de investidores.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL), tem dito que um texto inicial da reforma tributária será apresentado na próxima segunda-feira (3), para que seja submetido a discussão pública na sociedade.

A proposta referida seria a versão mais atualizada do parecer construído pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (Progressistas-PB), relator em uma comissão mista extraoficial criada em fevereiro de 2020.

O objetivo do colegiado era chegar a um projeto de consenso entre os congressistas. Após 13 reuniões e 10 audiências públicas e algumas prorrogações de funcionamento, a comissão perdeu prazo na última sexta-feira (30) e deve ser dissolvida sem votar um texto final.

O presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), havia assinado uma nova prorrogação dos trabalhos, mas Lira não tem indicado disposição em fazer o mesmo. O presidente do colegiado, senador Roberto Rocha (PSDB-MA), pede a prorrogação dos trabalhos.

“Entreguei ofício ao relator dando prazo máximo de 3 de maio para que tenhamos acesso ao relatório. Essa é uma demonstração clara de que vamos voltar a focar nesse assunto importante”, disse Lira após encontro com o ministro Paulo Guedes (Economia).

Há três propostas principais de reforma tributária em tramitação no parlamento. Duas delas são discutidas na Câmara dos Deputados.

A PEC 45/2019, assinada por Baleia Rossi (MDB-SP), substitui cinco tributos (PIS, Cofins, ICMS, IPI e ISS) por um único, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

Já o PL 3887/2020, encaminhado pelo próprio governo federal, trata apenas da unificação de impostos federais. Esta seria a primeira de quatro etapas planejadas pela equipe econômica ‒ que, embora prometidas para o segundo semestre de 2020, até hoje não foram entregues.

A terceira proposta (PEC/110/2019) tramita no Senado Federal. Baseada em texto do ex-deputado Luiz Carlos Hauly, ela unifica nove tributos (IPI, IOF, PIS, Pasep, COFINS, Cide-combustíveis, salário-educação, ICMS e ISS) em um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA).

As propostas de simplificação tributária, contudo, enfrentam resistências setoriais e até divergências regionais ‒ o que tem levado alguns atores políticos a avaliarem a discussão de um texto menos ambicioso. Do ponto de vista federativo, governadores aceitam uma reforma ampla, que contemple o ICMS, mas defendem a compensação pela União aos entes que perderem recursos com as mudanças – opção que sofre resistências entre a equipe econômica.

Lira defendeu publicamente, na última segunda-feira (26), a possibilidade de a reforma tributária ser discutida em partes, em uma forma de reduzir os pontos de atrito – estratégia oposta à de seu antecessor e adversário político, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Em entrevista à rádio Jovem Pan, ele fez analogia entre aprovar a totalidade do texto e comer um boi inteiro.

“Você não consegue. Mas você sai fatiando ele, você sai das partes mais fáceis para as mais difíceis, você consegue adiantar uma reforma que dê justamente simplicidade, desburocracia, um ajuste fiscal mais justo, uma riqueza de fundamentos daquela que a gente colocou aqui: quem ganha mais vai pagar mais, quem ganha menos vai pagar menos”, disse.

Segundo Lira, a estratégia seria buscar pontos de convergência relacionados ao tema, o que permitirá a aprovação de um texto ainda em 2021. Assuntos mais polêmicos podem ficar para outro momento ou tramitar em paralelo. Neste caso, um dos possíveis relatores seria o deputado Hugo Leal (PSD-RJ), nome próximo de Lira e que já integra a comissão mista.

Lira chegou a defender o fatiamento da reforma tributária em reunião com líderes, mas ficou de debater com seus técnicos e bancadas sobre o assunto e voltar a conversar depois. As incertezas quanto às demais fases defendidas pelo governo para o processo, porém, dificultam a construção de um entendimento mais amplo.

Quando apresentou o projeto de lei inicial sobre o assunto, o governo sinalizava com outras três fases para a reforma tributária. A segunda etapa tratava de um redesenho do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), tornando-o uma espécie de imposto seletivo, incidente sobre produtos com externalidades negativas (cigarros, bebidas alcoólicas etc.).

Na sequência, viria um movimento de redução do Imposto de Renda Pessoa Jurídica, que seria compensada pela implementação de tributação sobre dividendos ‒ hoje isentos. Desta forma, as companhias seriam estimuladas a reinvestir lucros.

Do lado de pessoas físicas, discutia-se a possibilidade de correção da tabela do IRPF e a introdução do chamado “imposto negativo” a trabalhadores informais.

Por fim, a quarta fase discutida pelo governo federal trazia a polêmica ideia do chamado imposto sobre transações digitais, normalmente associada por críticos à extinta Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).

Os recursos viabilizariam a desoneração da folha de salários, muito demandada pelo setor de serviços, visto como prejudicado por etapas anteriores em discussão. Mas o modelo tem muitos críticos na sociedade e dentro do parlamento.

O movimento de Lira tem como obstáculo o risco de disputa por protagonismo com os senadores. A comissão mista para discutir a reforma tributária, que caminha para a dissolução, havia sido criada como solução costurada pelos então presidentes das duas casas, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), para esfriar uma corrida dentro do parlamento.

Ao estimular o debate entre os deputados, Lira pode realimentar a disputa por protagonismo. O gesto, inclusive, foi apontado por alguns senadores como busca por holofotes e agenda positiva no momento em que a outra casa avança com os trabalhos da CPI da Pandemia. Seria uma forma de sinalizar compromisso com reformas econômicas enquanto senadores pressionam o Palácio do Planalto pela conduta adotada no enfrentamento à crise sanitária.

O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR), anunciou em plenário, na última quinta-feira (29), um acordo para votar a reforma tributária em quatro etapas, começando pelo projeto de autoria da equipe econômica do governo, que funde PIS/Cofins.

“Vamos começar pela simplificação tributária e depois vamos avançar na direção de organizarmos um sistema tributário mais fácil para o contribuinte, portanto mais simples, que custe menos para o contribuinte poder pagar corretamente os seus impostos ‒ hoje nós temos um exército de funcionários nas empresas só cuidando de cumprir as obrigações tributárias ‒ e também com uma tributação mais justa”, disse.

A decisão, porém, não havia sido acertada com os demais líderes na casa legislativa, o que provocou desgaste, gerou críticas e fez o parlamentar ter que se retratar nas redes sociais.

“Sobre o fatiamento da reforma tributária, a decisão depende ainda de consultas ao Relator DEP Aguinaldo Ribeiro, ao autor DEP Baleia Rossi, à comissão mista, Sen Roberto Rocha é dep Hildo Rocha e aos senhores líderes partidários. É importante para o Brasil”, disse.

Apesar dos ruídos, analistas políticos da consultoria Eurasia Group veem chances crescentes de êxito de uma reforma tributária focada apenas nos impostos federais.

“Depois que o Congresso concluiu as negociações em torno do auxílio emergencial e o Orçamento de 2021, a reforma tributária está retornando aos holofotes, juntamente com propostas como a reforma administrativa e a privatização da Eletrobras”, pontuam.

“Mas as condições políticas para uma reforma tributária ambiciosa parecem turvas, o que tem tornado cada vez mais provável uma reforma exclusivamente federal, centrada sobretudo na unificação do PIS e da Cofins”, complementam.

Para os especialistas, os congressistas podem dar uma chance para a reforma tributária em nível constitucional avançar, mas não insistirão muito neste caminho – o que abriria caminho para mudanças menos ambiciosas, a partir de legislação ordinária. Mesmo assim, eles acreditam que a tramitação não será rápida e exigirá negociações.

“As menores exigências para aprovação, porém, não devem ocultar o fato de o PL 3.887/2020 estar longe de um consenso no Congresso. Há diversos pontos polêmicos em questão, como o curto período de transição, potencialmente inferior a um ano, e a elevada taxa nominal proposta pelo governo a todos os produtos e serviços, de 12%”, ponderam.

O analista político Ricardo Ribeiro, da MCM Consultores, acredita que a reforma fatiada amplia as chances de êxito, sobretudo se houver ajustes para atenuar as resistências de setores como o de serviços, caminho que chegou a ser ventilado na imprensa nos últimos dias.

“A proposta tem boa chance de ser aprovada na Câmara e no Senado, especialmente se for amenizada – isto é, se, ao invés de uma alíquota única, contemplar quatro ou cinco, para reduzir a resistência do setor de serviços. Com quatro ou cinco alíquotas, um dos objetivos da CBS, a simplificação do sistema tributário, ficará parcialmente prejudicado. Mas, segundo a maioria dos especialistas, a deglutição dessa fatia da reforma será positiva”, observa.

“É improvável, contudo, que outras ‘fatias do boi’ sejam servidas neste ano. Deputados e senadores não terão tempo nem apetite político para encarar o restante do boi”, pondera. Para ele, porém, os desdobramentos da CPI da Pandemia podem ter impactos importantes sobre o andamento da agenda. As atividades do colegiado podem esquentar no início do segundo semestre.

O vice-presidente da Câmara dos Deputados Marcelo Ramos (PL-AM) também reconhece os riscos de a comissão parlamentar de inquérito dos senadores afetar o andamento de pautas de interesse do governo federal no parlamento.

“Não tem como dizer que uma CPI para avaliar a condução do governo federal na pandemia não impacta o funcionamento das duas casas ‒ e impacta essencialmente o funcionamento do Senado, mas das duas Casas”, disse em entrevista ao podcast Frequência Política, da XP Política.

O parlamentar tem sugerido uma espécie de “blindagem” para a agenda de reformas no parlamento, como ocorreu com a reforma da Previdência em 2019 – que não reverberou com tanta intensidade as crises entre Executivo e Legislativo.

“Vamos tentar blindar a reforma administrativa, blindar a capitalização da Eletrobras, blindar a privatização dos Correios e blindar a reforma tributária – se é que vamos conseguir avançar alguma coisa com a reforma tributária”, afirmou.

Mesmo que a “blindagem” ocorra, Ramos mantém ceticismo com relação a avanços na agenda tributária. “Considerar a aprovação de uma reforma que a Câmara tem uma proposta, o Senado tem outra e o governo tem outra, que ninguém sabe qual é, é algo que não me parece possível”.

O parlamentar critica a falta de clareza nas fatias a serem propostas pelo governo e diz que o desenho do CBS defendido pela equipe econômica traz poucos efeitos em termos de simplificação e muitos impactos sobre setores sensíveis da economia, que possuem alta capacidade de pressão política.

“O resultado do ponto de vista da simplificação é pífio. E PIS e Cofins, na verdade, são IPI disfarçados de contribuição para a União ficar com tudo e não dividir com Estados e municípios, como CSLL é imposto de renda de pessoa jurídica disfarçado para a União ficar com tudo”, criticou.

Outro obstáculo relevante para o avanço da agenda tributária está relacionado ao calendário. Integrantes do próprio governo admitem que o calendário para reformas seria até o início do segundo semestre, já que os parlamentares têm até outubro para debater a reforma eleitoral – para que as modificações aprovadas possam valer para o pleito do ano que vem.

Simpatia do mercado

A nova ofensiva pela reforma tributária é vista como um aceno do governo aos agentes econômicos, sobretudo após novo desgaste produzido pelos desencontros com a sanção da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021.

Após permitir a aprovação de uma peça “inexequível” pelos parlamentares, que subestimou em cerca de R$ 30 bilhões despesas obrigatórias, o governo levou quase um mês para construir acordo que viabilizasse o cumprimento das regras fiscais vigentes.

A costura exigiu um veto parcial que retirou R$ 10,5 bilhões das emendas do relator-geral do texto, o senador Márcio Bittar (MDB-AC), e R$ 1,4 bilhão em emendas indicadas por comissões do parlamento. Também houve corte de R$ 7,9 bilhões em despesas do Poder Executivo.

Outra fatia da recomposição veio do bloqueio adicional de R$ 9,3 bilhões em recursos destinados aos ministérios. Os cortes provocaram profundo desgaste dentro do Poder Executivo.

Membros da ala política do governo já trabalhando em um possível contra-ataque, já que parte das medidas, executadas por vetos e PLNs dependem de análise do Congresso Nacional.

A LOA 2021 também retirou da meta fiscal gastos com os programas de crédito a micro e pequenas empresas (Pronampe) e de redução de jornada e salário ou suspensão de contratos de trabalhadores (BEm), além de despesas em saúde relacionadas à pandemia da Covid-19.

Com a retomada da agenda de reformas, o governo busca minimizar as dúvidas geradas a partir dos recentes tropeços fiscais, coroados com elevada pressão sobre o ministro Paulo Guedes (Economia) e a nova onda de mudanças em postos-chave da pasta.

(com Agência Estado)

Governo resgata reforma tributária em meio a pressão de CPI da Pandemia (infomoney.com.br)

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