Por LUÍS LIMA

Em tempo de crise, os estados têm enfrentado obstáculos para equilibrar suas contas. A população e as empresas não toleram aumentos de impostos e os governos têm dificuldade para cortar gastos. A crise lança luz sobre uma alternativa estratégica: cobrar com mais eficiência dos devedores de tributos às Secretarias de Fazenda estaduais. 

Empresas com pendências de ICMS, assim como pessoas físicas que devem ITCD (imposto sobre doações e heranças) e Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), são fontes de recursos em potencial. Não resolvem o rombo das contas dos governos – muitos desses débitos são irrecuperáveis, de empresas em recuperação judicial ou que já fecharam as portas. A parcela recuperável, no entanto, pode dar um alívio pontual e bem-vindo à contabilidade pública.

As mordidas das secretarias estaduais não são pequenas. Para ter uma dimensão da rentabilidade da estratégia, na dívida ativa do estado de São Paulo, o maior do país, foram inscritos R$ 15 bilhões só de ICMS de janeiro a agosto, do qual R$ 1,7 bilhão foram recuperados. Somados IPVA, ITCD e outras pendências, o valor chega a R$ 17 bilhões, dos quais R$ 2,8 bilhões foram recuperados.

No Rio de Janeiro, o total de dívidas dos três impostos soma atualmente R$ 4 bilhões. Desde 2015, o chamado Polo de Cobrança Administrativa Amigável, um órgão especializado, recuperou R$ 633 milhões. Atentos a essas cifras, alguns estados têm optado por profissionalizar órgãos dedicados à cobrança.

 

Um exemplo recente e bem-sucedido é Goiás. Com R$ 42,8 bilhões inscritos em dívida ativa (sendo mais de R$ 42 bilhões referentes ao ICMS), o estado redesenhou a Gerência de Recuperação de Crédito (Gerc), órgão ligado à Secretaria de Fazenda estadual. A Gerc duplicou os funcionários da área de telecobrança e implementou medidas para tornar a cobrança mais efetiva. Entre elas está a segmentação dos perfis dos contribuintes e cobranças presenciais por auditores em empresas. O trabalho da consultoria McKinsey, que ajudou o governo na reorganização, envolveu a definição de perfis diferenciados dos devedores e o uso de técnicas de negociação distintas para cada um deles, a partir de múltiplos canais de cobrança.

O resultado do esforço da Gerc é visível: de janeiro a agosto, o governo recuperou R$ 361 milhões – saldo 55% superior ao do mesmo período em 2016 e 62% maior que o do mesmo período em 2015. O comparativo com os dois anos imediatamente anteriores se justifica porque neles não houve programas agressivos de perdão de dívida. Já de 2010 a 2014, os dados foram inflados por anistias ultragenerosas que turbinaram a recuperação de crédito estadual, ao reduzir multas, juros e alongar o prazo de pagamentos. “Os governadores ficam à mercê desse tipo de situação para fechar o caixa. Mas a missão da Gerc é tentar arrecadar, independentemente de programas agressivos de anistia”, diz Marcos Rogério Barreto, diretor do órgão. Todo ano, mais de 90% do total cobrado decorre de dívidas corporativas de ICMS.

Secretaria da Fazenda de Goiás (Foto: Divulgação/Flickr )

No ano passado, a Gerc conseguiu levantar R$ 574 milhões, o que representa quase 5% do total da arrecadação estadual. A continuidade dos trabalhos do órgão redesenhado deverá aumentar o montante para até R$ 700 milhões neste ano e para R$ 900 milhões no ano que vem. “É uma ação que compensa, pois não há mais de onde tirar dinheiro. A população não aguenta mais aumento de impostos e as empresas chegaram ao limite de suas contribuições”, diz Barreto. “A recuperação de crédito é o futuro das contas dos estados.”

O novo modelo de recuperação de créditos de Goiás se tornou referência e motivou a visita de técnicos das Secretarias de Fazenda de outros estados, como Bahia, Amazonas e Alagoas. “Queremos implantar o mesmo modelo de cobrança”, contou o secretário de Fazenda de Alagoas, George Santoro. Uma das medidas, inspiradas no modelo goiano, é interligar sistemas para tornar mais eficiente a cobrança feita pelo call center. “O sistema atual faz cobranças pontuais”, diz. Segundo Santoro, foi enviado um Projeto de Lei à Assembleia Legislativa para aumentar o prazo da negociação de débitos antes da inscrição em dívida ativa, o passo posterior à cobrança, quando malsucedida. Atualmente, o que Alagoas arrecada com a cobrança de devedores corresponde a 0,5% da receita total. Ao profissionalizar a cobrança, a ideia é elevar esse montante para até 10%.

A Secretaria da Fazenda de São Paulo tem uma equipe especializada em cobrança desde o segundo semestre deste ano. Por e-mail, a Sefaz paulista informa que “tem mirado as boas práticas trazidas pela Gerc de Goiás”. Entre as medidas em estudo está um modelo de cobrança com 25 canais de comunicação, que incluem SMS e e-mail. Além disso, informa que está em fase avançada a criação de um site em que pessoas físicas e jurídicas poderão consultar e pagar diretamente seus débitos tributários. Em julho, a Assembleia Legislativa paulista aprovou um Projeto de Lei que reduz em 35% a multa principal e 50% a multa acessória ao contribuinte que confessar suas dívidas relativas ao ICMS. Considerando todos os anos, o estoque total da dívida ativa de empresas com o estado de São Paulo ultrapassa os R$ 357 bilhões.

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A Bahia também possui um órgão especializado destinado à recuperação. A chamada Gerência de Cobrança conseguiu recuperar R$ 4,8 bilhões nos últimos sete anos. Atualmente, o valor total de dívidas de ICMS dos contribuintes com o estado da Bahia, considerando os processos ainda na esfera administrativa e os que já estão judicializados, é de R$ 27 bilhões. Um dos braços do órgão é o Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos (Cira), criado em 2014. Ele reúne o Ministério Público Estadual, o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, as Secretarias estaduais da Fazenda, da Segurança Pública e da Administração e a Procuradoria-Geral do Estado. O objetivo é potencializar as ações de combate à sonegação e à concorrência desleal. Com escritórios em Salvador, Feira de Santana e Vitória da Conquista, o Cira registra a cifra de R$ 180 milhões em créditos tributários recuperados nos últimos três anos. 

No Rio de Janeiro, uma das novidades é o Domicílio Eletrônico do Contribuinte (DEC), lançado no dia 4 de maio. Funciona como uma ferramenta de comunicação eletrônica  entre o estado e o contribuinte e possibilitou o lançamento do Fisco Fácil, no dia 28 de setembro. Por meio desse sistema, os contribuintes e contadores fluminenses passaram a ter acesso a três funcionalidades on-line: a Certidão Negativa de Débitos, a Baixa de Inscrição Estadual e a consulta à Malha Fiscal, que permite ao contribuinte verificar as pendências e se autorregularizar. Ou seja, o contribuinte pode conferir as divergências que estão sendo acompanhadas pela Fazenda e corrigir antes do início de qualquer ação fiscal que venha implicar aplicação de multas. 


União - A experiência de cobrança da União precede a de alguns estados. Em 2015, a Receita Federal passou a adotar procedimentos obrigatórios, com um roteiro de 20 medidas punitivas, para empresas com débitos superiores a R$ 10 mil. Exemplos são a exclusão de parcelamentos especiais, de benefícios fiscais, multas e até representações para fins penais. Como estratégia de cobrança, a Receita também passou a usar informações específicas de cada um de seus devedores, obtidas a partir de um aplicativo, como indicadores financeiros o comportamento delas em cobranças anteriores. “Até 2012, a cobrança era quase automática e igual para todo mundo. Mandávamos a cartinha de cobrança, a empresa não pagava e depois o débito ia compor a dívida ativa”, explica João Paulo Martins da Silva, subsecretário de arrecadação do Fisco.

Para medir a eficiência de suas atividades, a Receita criou o chamado índice de recuperação de cobrança especial. De 2015 para cá, ele passou de 13% para 22%. “Há pouco tempo a cobrança não era uma atividade considerada das mais importantes. Valorizava-se a fiscalização mais do que a cobrança. Mas ambas são importante e geram resultado”, diz Silva. Nos últimos três anos foram recuperados R$ 25 bilhões  para os cofres federais de um saldo devedor atual de R$ 240 bilhões.

Segundo o subsecretário, um entrave para os trabalhos são os parcelamentos especiais, que alongam o prazo de recebimento. “O Refis é um dos inimigos da nossa cobrança.” Na última quarta-feira (27 de setembro), a Câmara dos Deputados aprovou uma versão mais flexível do texto-base da Medida Provisória (MP) que cria o novo programa de parcelamento de dívidas com o governo federal. Com descontos maiores e prazos alongados à quitação de débitos, a União abrirá mão de cerca de R$ 5 bilhões em receitas, segundo cálculos do Tesouro Nacional. 

http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2017/09/estados-avancam-nos-devedores-de-impostos-para-ampliar-receitas.html

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