Por José Constantino de Bastos Júnior 

Ao tratar do regime diferenciado que deveria ser aplicado às micro e pequenas empresas, a Constituição Federal não registrou no texto do artigo 179 o comando para a simplificação de suas obrigações trabalhistas. Apesar disso, ao longo do tempo foram ocorrendo inovações a partir da previsão de simplificação no campo administrativo.

A Lei Geral das MPE, em 2006, por exemplo, trouxe um capítulo sobre a “simplificação das relações de trabalho”, com inovações interessantes, apesar do evidente exagero no seu nome.

Isso porque apenas dispensou os pequenos negócios de afixar quadro de trabalho, anotar férias em livros, empregar ou matricular aprendizes nos serviços nacionais de aprendizagem, possuir livro de inspeção do trabalho e comunicar ao Ministério do Trabalho a concessão de férias coletivas.

Também reconheceu a dificuldade da micro e pequena empresa manter serviços especializados em segurança e medicina do trabalho, dizendo que o poder público e os serviços sociais autônomos estimulariam a formação de consórcios para facilitar o seu acesso.

O maior avanço da Lei Geral das MPE, no entanto, veio da imposição da aplicação de fiscalização orientadora como regra quanto aos aspectos trabalhistas da legislação, estabelecendo a lavratura de auto de infração apenas na segunda visita, precedida de orientação e informação quanto às obrigações exigidas, sob pena de nulidade, além de criar tratamento diferenciado e favorecido para a fixação de multas e outras sanções.

Quando se observa o fato de que micro e pequenas empresas, mesmo as optantes do Simples Nacional, ainda suportam uma carga descomunal de obrigações estatais, constata-se o longo caminho que ainda temos pela frente para conseguir um ambiente menos hostil, em que pesem os enormes avanços dos últimos anos.

A verdade é que era tão ruim que esses avanços, infelizmente, ainda não deram conta.

Por isso, deve ser comemorada sob vários aspectos a edição, em 2014, do Decreto 8.373, de 11 de dezembro, que cria o Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas – eSocial.

Um desses aspectos é o uso do decreto para sua instituição. Isso se deve ao trabalho desenvolvido pelo Ministério da Micro e Pequena Empresa, que lutou muito por uma base normativa superior e, portanto, muito mais estável (e imune a mudanças do humor técnico) do que outras esferas do Governo pretendiam, assim como por uma governança de diretrizes pela alta administração, apta a evitar surpresas burocráticas no decorrer do processo de implantação, além de garantir o tratamento diferenciado e favorecido para os pequenos negócios.

Desde 2010 o eSocial vinha sendo gestado pelo Governo Federal, e em 2013 foi aprovado por ato normativo inferior, editado por subsecretário da Receita Federal, o leiaute dos arquivos eletrônicos que deviam ser transmitidos em prazos a serem fixados posteriormente.

Sob os protestos da MMPE, pela ausência de tratamento diferenciado para os pequenos, o assunto começou a ser debatido e várias preocupações sobre o modelo proposto vieram à tona, inclusive milhões de inconsistências cadastrais nas bases de dados dos órgãos estatais envolvidos, entre outros vários gargalos.

Em janeiro de 2014 começou a discussão sobre o texto de uma portaria interministerial que seria firmada pela Fazenda, Previdência e Trabalho, cuja resistência do MMPE resultou em mudança de planos.

Esse texto previa calendário de cumprimento a partir de maio de 2014 (segurado especial) e janeiro de 2015 (lucro presumido, imunes e isentas, optantes do Simples e órgãos da administração) e na ocasião uma das nossas propostas foi mudar a ordem para iniciar a exigência com as empresas públicas e os órgãos da administração.

Ora, faz todo o sentido que o lado estatal dos obrigados seja o piloto da nova obrigação de modo a permitir que as empresas não sejam oneradas na fase de ajustes e consolidação do sistema. Como era de se esperar, não houve acordo quanto a isso, mas valeu a provocação do que poderia ser uma diretriz nas iniciativas do Estado.

O acordo com os envolvidos, ainda assim positivo, consistiu na promoção de consulta pública pelo Ministério da Micro e Pequena Empresa sobre proposta com o objetivo de subsidiar o desenvolvimento de módulo específico do eSocial destinado aos pequenos negócios, o que ocorreu no período entre outubro e novembro de 2014 e resultou em mais de 100 sugestões, concomitantemente com a análise sobre decreto presidencial a respeito do assunto, que veio a ser editado em dezembro desse mesmo ano. Esse decreto é o 8.373.

Objetivamente, o eSocial é um novo sistema informatizado para o qual todas as empresas e demais empregadores enviarão periodicamente informações que atualmente são exigidas por outros vários sistemas on-line ou são registradas em papel (livros e formulários).

Ou seja, trata-se da unificação do cumprimento de obrigações fiscais, trabalhistas e previdenciárias abrangendo exigências da Receita Federal, do Ministério do Trabalho, do Ministério da Previdência Social, do INSS e da Caixa Econômica Federal.

A comunicação do Governo sobre a iniciativa dá conta de que serão eliminadas ao longo do tempo 15 obrigações: GFIP – Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social; CAGED – Cadastro Geral de Empregados e Desempregados para controlar as admissões e demissões de empregados sob o regime da CLT; RAIS – Relação Anual de Informações Sociais; LRE – Livro de Registro de Empregados; CAT – Comunicação de Acidente de Trabalho; CD – Comunicação de Dispensa; CTPS – Carteira de Trabalho e Previdência Social; PPP – Perfil Profissiográfico Previdenciário; DIRF – Declaração do Imposto de Renda Retido na Fonte; DCTF – Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais; QHT – Quadro de Horário de Trabalho; MANAD – Manual Normativo de Arquivos Digitais; Folha de pagamento; GRF – Guia de Recolhimento do FGTS; e GPS – Guia da Previdência Social.

A geração das guias de recolhimento do FGTS e das contribuições previdenciárias não é propriamente obrigação acessória, mas está sendo agregada em função de que o novo sistema é que as elaborará, a partir das informações coletadas.

Espera-se simplificar processos e diminuir erros nos cálculos de recolhimentos tributários, previdenciários e trabalhistas, assim como unificar em uma única base de dados informações relativas aos trabalhadores, suas condições de trabalho e os tipos de risco aos quais estão sujeitos, o que gera a perspectiva de também agilizar o acesso a benefícios previdenciários e trabalhistas.

Sem esquecer, certamente, o objetivo de aumentar a arrecadação e diminuir a sonegação. A Casa Civil recentemente divulgou que só a eliminação de erros deve gerar uma receita extra de R$ 20 bilhões.

Depois de algumas prorrogações do início da implantação do eSocial, inclusive em função da necessidade de antecipar a construção do módulo especial dedicado ao empregador doméstico em 2015, a primeira etapa inicia-se em 8 de janeiro de 2018 e envolve as empresas maiores, aquelas com receita superior a R$ 78 milhões por ano. São 13,7 mil empresas que empregam 15 milhões de pessoas, um terço do total do País.

Apesar do êxtase vivido pelo mercado das empresas de consultoria, de tecnologia da informação e de treinamento em função das demandas geradas por essa “novidade”, inclusive para servidores públicos fora do seu horário de trabalho, e, que, portanto, somente veem as nuvens cor de rosa, ainda existem preocupações.

Uma delas é que o Brasil ainda não está coberto inteiramente pela banda larga e que mesmo em grandes centros às vezes se torna um suplício emitir uma simples nota fiscal eletrônica.

Outra das mais importantes, em função de precedente negativo recente no âmbito do Simples Nacional, diz respeito ao viés fiscal da iniciativa: ao vincular a emissão pelo sistema de guias de recolhimento tributário às informações prestadas, qualquer provável inconsistência ou erro pode ser entendido como tentativa de sonegação e causar bloqueio do seu uso até que se retifiquem declarações, não estando claro nesse caso como serão tratadas multas eventuais por atraso no recolhimento ocasionado pela impossibilidade de acesso às guias.

Finalmente quanto a isso o fato é que durante um certo período, com duração ainda não clara, as empresas continuaram cumprindo concomitantemente as 15 obrigações que serão suprimidas e o eSocial.

Quanto a isso sou otimista. A governança superior, os debates para aprimoramento do eSocial e a garantia de um módulo simplificado para micro e pequenas empresas, e microempreendedores individuais, legados da MMPE, a experiência adquirida com o módulo do empregador doméstico e as discussões em curso com entidades empresariais e de outros setores – o chamado grupo confederativo – são instrumentos e meios importantes de superação desses e de outros desafios.

O eSocial ainda é muito importante para as optantes do Simples Nacional pois viabilizará que as contribuições previdenciárias retidas dos empregados e o FGTS sejam recolhidos na mesma guia desse regime tributário simplificado, possibilidade criada pela Lei Complementar 147, de 2014. Isso significa um novo grande passo de simplificação.

Diria que esse meu otimismo em relação ao eSocial é realista em função de um dado não considerado pelo mercado vendedor de “soluções”, que propala penalidades: o Ministério da MPE conquistou a inclusão em 2014, na LC 147, de um novo parágrafo no artigo 55 da Lei Geral das MPE, o quinto, que prescreve a fiscalização orientadora também para as obrigações acessórias cumpridas de forma unificada, leia-se: por meio do eSocial.

Com isso, a esmagadora maioria das empresas, as micro e pequenas, tem um anteparo de proteção: devem ser orientadas antes da aplicação de qualquer penalidade. Como diz o provérbio, o seguro morreu de velho!

https://dcomercio.com.br/categoria/opiniao/e-possivel-imaginar-a-eliminacao-de-15-obrigacoes-estatais-da-vida-das-empresas

Enviar-me um e-mail quando as pessoas deixarem os seus comentários –

Para adicionar comentários, você deve ser membro de Blog da BlueTax - Conteúdos Validados por Especialistas.

Join Blog da BlueTax - Conteúdos Validados por Especialistas