Conciliação possível

Claudio Adilson Gonçalez

Há muitos pontos em comum entre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 110, do Senado, e a PEC 45, da Câmara dos Deputados, que propõem a reforma tributária nos impostos sobre o consumo. Em vários aspectos elas são complementares. Mas ainda persistem diferenças relevantes.

O ponto principal é que um bom Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) deve ser simples, com alíquota única (salvo casos muito especiais), incidência não cumulativa e ter exclusivamente objetivo arrecadatório. Não se deve usar tal tributo para fazer política de incentivos setoriais, regionais ou sociais. Se não for assim, na tributação do consumo haverá alíquotas diferenciadas por atividade, isenções, cobranças monofásicas, créditos de impostos perdidos ao longo do processo de produção e distribuição, entre outras complicações. O tributo deixa de ser simples, transparente e acabará influindo perversamente na alocação eficiente de recursos, como ocorre hoje com o PIS, com a Cofins e, principalmente, com o ICMS.

O IBS é um Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA). Impostos dessa natureza são cobrados pelo sistema de débito e crédito, quer dizer, o vendedor é debitado pela incidência da alíquota sobre o valor total da operação e creditado por todo o imposto pago nos insumos e serviços adquiridos nas etapas anteriores. Se houver isenções, redução de base de cálculo, alíquotas diferenciadas por produtos, tributos monofásicos sobre o consumo, entre outras complicações, parcelas desses impostos não poderão ser creditadas, incorporando-se ao preço final dos bens, como ocorre nas tributações em cascata.

 

Além disso, o tributo deve ter legislação nacional única e cobrança centralizada. Isso é necessário para evitar divergências de interpretação das normas legais entre as unidades da Federação e para eliminar o risco de alguns governadores não reconhecerem o crédito (por exemplo, para o exportador) de impostos pagos no processo produtivo para outro Estado.

E é exatamente a não observância de alguns desses princípios o maior problema da PEC do Senado, que admite, por exemplo, a possibilidade de isenção do IBS para uma ampla gama de bens e serviços, notadamente para alimentos, medicamentos, transporte público coletivo de passageiros, saneamento básico e educação. A ideia tem claramente finalidade social, e isso não deve estar entre os objetivos de um bom IBS. Como já mencionei, políticas de estímulos ou com objetivos sociais devem ser feitas por outros instrumentos, e se necessitarem de recursos públicos devem ter dotação orçamentária específica. Por exemplo, devolver parte ou todo o IBS pago pelos mais pobres, usando dados dos cadastros de políticas sociais já existentes, é muito mais eficiente e simples do que estabelecer isenções ou alíquota zero para alguns bens ou serviços.

Além disso, a PEC do Senado mantém a política e os porcentuais de vinculação de receitas para educação e saúde, nos Estados e municípios, tais como são hoje. Já a PEC 45, ao desdobrar a alíquota por finalidade, garante a preservação dos montantes hoje aplicados nessas áreas, mas acaba com a vinculação sobre o total arrecadado pelo IBS, aumentando muito a flexibilidade da gestão orçamentária.

Para facilitar a aceitação da medida pelos governadores, a PEC do Senado propõe a implantação do IBS dual, um federal e outro estadual. É um complicador totalmente desnecessário. Com exceção da arrecadação centralizada, da qual não se pode abrir mão, a PEC 45 respeita a autonomia das unidades federativas sobre o tributo, já que estas poderão alterar a parcela da alíquota que lhes cabe.

Finalmente, há vários problemas de redação e de conceitos vagos na PEC 110, capazes de gerar muitos contenciosos, que acabarão no STF, caso não sejam corrigidos.

Como se vê, serão necessárias muitas alterações na PEC do Senado para que ela possa se conciliar com a boa e simples PEC 45.

A conciliação não é simples, mas é possível e necessária.

https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,conciliacao-possivel,70003173785

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