A CPMF e os Encargos sobre a Folha de Pagamento

Por Victor Cezarini

Este artigo têm dois objetivos: (i) explicar porque a recriação da CPMF ou a implementação de qualquer outro imposto sobre transações financeiras (ou pagamentos) é uma péssima ideia e (ii) o que deve ser feito com relação aos encargos sobre a folha de pagamento, outra péssima forma de tributação que tem como consequência a destruição de empregos e informalização da mão de obra.

Imagine uma economia onde não existe nenhum imposto. Nesse incrível mundo imaginário as empresas se organizam da forma mais eficiente possível, de forma a minimizar seus custos e maximizar seus lucros. Da mesma forma, os consumidores gastam sua renda da forma mais eficiente possível, escolhendo o tipo e quantidade dos produtos que maximizam a sua utilidade. Nessa situação, a economia se encontra em seu ponto de eficiência máximo.

Um sistema tributário ideal é aquele que, quando implementado, não altera a forma como as empresas se organizam e nem como os consumidores gastam a sua renda. É inequívoco que qualquer imposto criado irá reduzir a renda dos consumidores e diminuir a produção das empresas. Mas o ideal é que ele não altere a proporção dos bens consumidos/produzidos. Por exemplo, se na economia sem imposto a razão entre a quantidade de carros produzidos em relação a toneladas de trigo é de 4/3, no sistema tributário ideal essa razão deve permanecer a mesma, mesmo com a redução de ambos em valor absoluto.

A CPMF ou qualquer outro imposto sobre transações financeiras (ou pagamentos), infelizmente, não possui essa característica. Muito pelo contrário. Esse tipo de imposto é cumulativo, isto é, aquelas empresas que se encontram no início da cadeia de produção irão pagar muito menos impostos do que aquelas no final da cadeia de produção.

Ilustrando: Suponha que o plantador de algodão tenha de fazer 10 transações financeiras (ou pagamentos) para concluir a sua produção e vender ao seu cliente, e que o produtor de tecidos também tenha de fazer 10 transações para a conclusão da sua atividade. Enquanto o primeiro paga sobre 10, o segundo paga sobre 20! Isso porque quando o produtor de tecidos comprar o algodão do plantador, já estará embutido no preço do algodão o imposto acumulado das 10 transações.

E quanto mais na ponta da cadeia, mais imposto se acumula. A atividade de confecção de vestuário, por exemplo, pagará os impostos acumulados sobre as 20 transações anteriores (plantação de algodão + produção de tecidos), mais os impostos que incidirem sobre as novas transações que realizar.

Portanto, o custo tributário de produzir um bem no final da cadeia será muito superior ao de produzir um bem de início da cadeia. Isso desorganiza por completo a matriz de produção e afasta totalmente a economia de seu ponto de eficiência máximo. No exemplo inicial, de unidades de carros e toneladas de trigo, a razão de produção sairá do ponto ótimo de 4/3, para, por exemplo, 1/2.

Além disso, a CPMF dizima a capacidade de competição das empresas nacionais localizadas na ponta da cadeia em relação aos produtos importados. Por exemplo, a produção de um carro envolve uma infinidade de transações financeiras, portanto, um carro produzido no Brasil embutirá em seu preço final todos aqueles impostos pagos em todas as transações financeiras realizadas, ao passo que em um carro importado incidirá somente o imposto pago em uma única transação, aquela feita para compra do carro. Dessa forma, quem produzir no Brasil pagará muito mais imposto do que quem produzir fora do Brasil.

O Ministro Paulo Guedes ressalta que se a alíquota desse novo imposto for suficientemente baixa, essas distorções serão mínimas, e permitirão arrecadar o suficiente para acabar com os encargos sobre a folha de pagamento, outro tributo destrutivo para a economia nacional. Compartilho da opinião do Ministro que os encargos sobre a folha devem ser eliminados, mas não compartilho da opinião que devemos utilizar um imposto sobre transações ou pagamentos para essa finalidade.

No artigo “Da dificuldade de ligar causa e efeito” escrito em 1993, Roberto Campos disse que “Quanto mais o Congresso inventa leis salariais e conquistas sociais, mais diminuem os assalariados com carteira assinada”. Ele não poderia estar mais correto, o Brasil de 2020 possui 145 milhões de pessoas em idade ativa e somente 33 milhões trabalham com carteira assinada. Os encargos sobre a folha desestimulam a contratação de mão de obra e aumentam a informalidade. A empresa informal sofre mais riscos em crescer e prefere permanecer pequena, diminuindo ainda mais a capacidade de geração de empregos e riquezas, gerando um círculo vicioso. Além disso, os encargos sobre a folha de pagamento inflam de forma artificial o “valor agregado” das empresas brasileiras, portanto, caso seja adotado o novo IVA (PEC 45 ou 110), o produtor nacional irá pagar mais imposto sobre o valor agregado do que os produtos importados, mesmo que a alíquota seja igual para ambos.

Até mesmo os partidos políticos, que se dizem favoráveis a proteção dos trabalhadores pela Consolidação das Leis do Trabalho, pagam seus dirigentes partidários utilizando contratos de pessoa jurídica. Ou seja, não há dúvidas de que os encargos sobre a folha de pagamento devem ser eliminados. Mas seria a CPMF a solução? Nos parágrafos a seguir detalho uma outra solução para o tema.

A tabela abaixo mostra os encargos incidentes sobre a folha de pagamento para o caso de um trabalhador que recebe R$ 3.000 mensais. 7203827055?profile=RESIZE_710x

 

Os problemas mais fáceis de serem resolvidos são o FGTS e a multa sobre o saldo do FGTS. A última deveria ser eliminada por completo, já que cria um conflito entre o empregador e o empregado quando este quer sair do emprego, além disso, já existe o seguro desemprego, o qual possui a mesma finalidade da multa. Já o FGTS propriamente dito deveria se tornar opcional, sendo o dinheiro depositado diretamente na conta do trabalhador. Com relação ao 13º salário e férias, dever-se-ia abrir a possibilidade de serem dividas em 12 parcelas, o que tornaria mais eficiente a gestão do capital de giro pelas empresas e não prejudicaria o trabalhador.

A PEC 45 de Reforma Tributária que está na Câmara dos Deputados propõe a unificação dos impostos PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS em um único imposto sobre o valor agregado (IVA), chamado de IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). Já a PEC 110, que está no Senado, propõe a unificação dos cinco impostos anteriormente citados, mais a CIDE, o IOF e o Salário Educação. Entendo que ambos deveriam incluir o Salário Educação e também os valores para o Sistema S. Já o Seguro Contra Acidente de Trabalho deveria ser extinto e caberia à própria empresa contratar um seguro privado (plano de saúde ou outros) caso necessário.

Com relação ao INSS, a solução ideal e de longo prazo seria a redução progressiva das alíquotas até sua total extinção. Claro, isso teria de ser acompanhando de um forte ajuste fiscal para financiamento do déficit. Dessa forma, o controle das aposentadorias por parte do Governo seria eliminado, concedendo maior liberdade ao cidadão para administrar seus próprios recursos. Já no curto e médio prazo, a solução mais prática é que a PEC 45 e a PEC 110 incorporem no novo imposto sobre o valor agregado também a contribuição patronal do INSS. Essa ideia tem sido criticada pelo fato de que a alíquota do novo IVA ficaria extremamente elevada. Isso é verdade. Contudo, seria elevada para todos, inclusive para produtos importados, garantindo total isonomia nas condições de competição a todos participantes do mercado. Com o tempo, a alíquota do novo IVA poderia ir reduzindo, enquanto os impostos diretos sobre a pessoa física seriam elevados, diminuindo a regressividade do nosso sistema tributário.

Com essas medidas seria possível acabar com praticamente todos os encargos sobre a folha sem implementar qualquer imposto sobre transações financeiras ou pagamentos. Os resultados seriam a diminuição da informalidade da mão de obra, a geração de mais empregos e um aumento vigoroso da competividade das empresas brasileiras.

 

Victor Cezarini é Graduado em Economia pela UFMG e Mestre em Economia pela Universidade de São Paulo. Trabalhou nos Bancos de Investimento Brasil Plural e Indusval & Partners, foi coordenador do diagnóstico financeiro da equipe de transição do Governador Romeu Zema e atualmente trabalha como Assessor de Desestatização do Governo de Minas Gerais. Este artigo reflete uma opinião pessoal e não necessariamente a posição do Governo.

Fonte: https://blog.bluetax.com.br/profiles/blogs/a-cpmf-e-os-encargos-sobre-a-folha-de-pagamento

 

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