Por Leonardo de Almeida
A classificação fiscal, identificada pelo código NCM (Nomenclatura Comum do Mercosul), é um dos pilares para a organização das operações empresariais e para a gestão tributária no Brasil e em países do Mercosul. Criado para padronizar a identificação de mercadorias no comércio internacional, a nomenclatura é usada para definir os impostos que incidem sobre as operações de compra, venda e movimentação de mercadorias, facilitando o controle e a regulamentação do comércio exterior.
Embora a reforma tributária (PLP nº 68/2024) traga mudanças significativas no sistema tributário brasileiro, o código NCM continuará sendo uma referência essencial para a tributação de produtos. O projeto propõe a substituição de tributos como ICMS, PIS e Cofins por um imposto único sobre bens e serviços (IBS). Apesar dessa simplificação, o NCM ainda será utilizado para identificar as alíquotas aplicáveis a cada mercadoria, o que torna indispensável o domínio desse tema pelas empresas.
Cada produto ou grupo de produtos possui um código NCM específico, composto por oito dígitos. Esses números representam características detalhadas do produto, como composição, forma de apresentação e finalidade. Essa especificidade permite que a nomenclatura seja amplamente utilizado na definição de tributos como IPI, Imposto de Importação, ICMS, PIS e Cofins. O código também auxilia no enquadramento de mercadorias em regimes aduaneiros especiais, na emissão de licenças de importação e exportação, e no controle estatístico de fluxos comerciais.
A relevância da classificação fiscal vai muito além de ser uma exigência legal. Ela impacta diretamente a competitividade e a eficiência das empresas. Quando um produto é classificado corretamente, a empresa pode otimizar sua carga tributária, evitando custos desnecessários. Por outro lado, uma classificação incorreta pode resultar em sérios prejuízos financeiros e administrativos, como o pagamento de impostos mais altos do que o necessário, multas e outras penalidades aplicadas pela Receita Federal.
Um exemplo prático que ilustra essa situação ocorreu no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), envolvendo o “Desodorante Leite de Rosas”. Nesse caso, a Receita Federal argumentou que o produto estava sendo tributado de forma errada, com uma alíquota de 7%, correspondente à classificação como desodorante. O Fisco defendeu que ele deveria ser enquadrado como loção embelezadora, o que elevaria a alíquota para 22%. Esse tipo de disputa não é incomum e reforça a importância de uma análise detalhada e criteriosa na definição do código NCM.
Além de evitar problemas fiscais, a classificação correta também permite que as empresas se planejem melhor. Por exemplo, em alguns casos, pequenas alterações na composição ou na apresentação de um produto podem fazer com que ele seja enquadrado em uma categoria com alíquota tributária reduzida. Isso é especialmente relevante em setores como o de alimentos, medicamentos e cosméticos, onde as variações de alíquotas podem ser significativas. Contudo, é fundamental que essas mudanças estejam de acordo com a legislação e sejam respaldadas por análises técnicas e normativas.
Para garantir a padronização internacional, a classificação fiscal segue as diretrizes do Sistema Harmonizado (SH), um conjunto de normas criado pela Organização Mundial das Alfândegas (OMA). O SH organiza os produtos de acordo com o grau de elaboração, começando por categorias mais gerais, como animais vivos, e avançando para produtos altamente manufaturados, como equipamentos eletrônicos e obras de arte.
No Brasil, essas normas são complementadas pelas Normas Explicativas do Sistema Harmonizado (NESH), que detalham critérios técnicos para a definição do NCM. Recentemente, a Instrução Normativa RFB nº 2.269/2023 atualizou e consolidou as diretrizes aplicáveis, reforçando a necessidade de que as empresas realizem análises técnicas aprofundadas para assegurar a correta classificação de seus produtos.
Com as mudanças previstas, o desafio para as empresas será ainda maior. A adaptação ao novo modelo tributário exigirá revisões nas classificações fiscais, auditorias internas e maior integração entre as áreas tributária, logística e de engenharia. Para garantir a correta classificação fiscal, é fundamental que as empresas adotem uma abordagem multidisciplinar, envolvendo diferentes áreas e especialistas.
A colaboração entre os setores tributário, jurídico, de engenharia e de tecnologia é essencial para realizar análises precisas e evitar problemas com o Fisco. A classificação fiscal é mais do que um requisito técnico; é uma peça-chave na estratégia tributária das empresas. Com a correta aplicação do NCM, as organizações podem evitar riscos fiscais, reduzir custos e aproveitar oportunidades de otimização tributária.
Mesmo com as mudanças trazidas pela reforma tributária, o papel do NCM continuará sendo essencial, exigindo atenção redobrada das empresas. O investimento em capacitação, tecnologia e análise detalhada será fundamental para navegar com sucesso nesse cenário em transformação. Garantir uma gestão eficiente da classificação fiscal é, ao mesmo tempo, uma obrigação legal e uma vantagem competitiva.
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