Em recente decisão proferida no processo EARESP 1.775.781/SP (de relatoria da Min. Regina Helena Costa), a 1ª Seção do STJ reconheceu o direito ao aproveitamento dos créditos de ICMS vinculados às aquisições de produtos intermediários1.
Esta decisão traz uniformidade no entendimento da matéria, que até então era divergente dentro do próprio STJ. A 2ª Turma, antes com posições restritivas, aderiu ao entendimento da 1ª Turma que era amplamente favorável aos contribuintes, sendo este a prevalecer agora, de forma unânime.
Com efeito, decidiu-se corretamente que o fato de os bens adquiridos serem consumidos ou desgastados gradativamente no processo produtivo, e sem integração ao produto final, não pode ser invocado como óbice ao regular exercício do direito ao crédito de ICMS.
Deste modo, comprovada a necessidade dos materiais para a consecução da atividade-fim do contribuinte, o atributo distintivo suscitado pelo Fisco – desgaste gradual e falta de integração corpórea no produto acabado – é insuficiente para classificá-los como de uso e consumo e afastar o direito ao crédito de ICMS.
Em termos práticos, a pacificação desse entendimento pelo STJ abre espaço para potenciais oportunidades aos contribuintes, dentre as quais se destaca, exemplificativamente, as seguintes:
Impacto do racional firmado pelo STJ nos incentivos fiscais de ICMS
Historicamente, sob a ótica dos Fiscos Estaduais, a essencialidade de determinado produto na produção fabril dos contribuintes não seria suficiente para lhes assegurar o direito ao creditamento do ICMS.
Reféns do engessado entendimento fazendário de que o consumo do produto deveria ocorrer de forma imediata e integral (em que pese a lei Complementar 87/96 não trazer tal restrição, que estava antes contida no antigo Convênio ICMS 66/88), os contribuintes industriais sofrem há décadas com glosas dos créditos apropriados sobre a aquisição de produtos intermediários, perdendo eficiência fiscal.
Cite-se como exemplo a negativa, pelo Estado do Rio de Janeiro, de aplicação do diferimento de que trata o artigo 3º, V, da lei 6.979/152, para as aquisições internas de produtos equivocadamente classificados como “materiais secundários”3.
Vale dizer, não obstante a imprescindibilidade de determinados produtos para o processo produtivo de contribuintes detentores do tratamento tributário diferenciado conhecido como “Rio Interior”, a Fiscalização algumas vezes obsta a utilização do benefício única ao argumento de que a essencialidade do material não afastaria o seu enquadramento ao conceito de “material secundário”.
Ao pacificar que os produtos intermediários (assim entendidos aqueles que possuem participação intrínseca na produção e consecução da atividade-fim de uma empresa), o STJ expressamente os incluiu no conceito de insumos4, que, no referido exemplo, é contemplado expressamente no incentivo da lei 6.979/15 (vide nota de rodapé 2).
Destarte, para o citado exemplo de alcance do incentivo disciplinado pela lei 6.979/15, o posicionamento firmado pelo Tribunal traz maiores elementos para que os contribuintes detentores do regime tributário em questão busquem o direito à utilização do diferimento do ICMS incidente sobre a aquisição interna de produtos intermediários, sendo primordial a análise individualizada de cada caso, nos aspectos técnico e jurídico, sobretudo em função da interpretação literal imposta pelo art. 111, do Código Tributário Nacional.
O mesmo pode valer para outros incentivos fiscais, razão pela qual é recomendável a reavaliação das operações e especificidades, de modo a orientar a classificação fiscal adequada à luz da legislação e da jurisprudência.
Análise do processo produtivo à luz de aquisições passíveis de creditamento do ICMS
Fora do contexto de benefícios fiscais, que muitas vezes estabelecem um recolhimento diferenciado do ICMS, sem direito a crédito do imposto, a nova decisão do STJ propicia uma revisão do tratamento tributário conferido aos insumos, trazendo maior conforto àqueles contribuintes que se dedicam à atividade industrial e, por estratégia gerencial de contenção de riscos, adotam uma postura conservadora no que diz respeito à tomada de créditos de ICMS.
Por inexistir uma lista restritiva a ser observada pelas autoridades fiscais, cabe aos contribuintes a demonstração e a prova da essencialidade dos materiais para o seu processo produtivo e, assim sendo, legitimar o aproveitamento dos créditos de ICMS sobre insumos.
A premissa aqui muito se assemelha ao que foi decidido pelo STJ quanto ao direito ao crédito relativo ao PIS e à COFINS, quando se adotou os critérios da essencialidade (imprescindibilidade) e/ou relevância (importância)5, para autorizar as empresas a classificar como insumo aquilo que se mostrar importante para o exercício da sua atividade econômica.
Deste modo, o fator determinante para a definição do creditamento é a destinação dada aos bens (considerando todas as particularidades e especificidades do processo fabril da empresa), e não uma análise objetiva e simplória quanto à ocorrência de consumo integral / imediato ou agregação física no produto final.
Como reflexo da pacificação do tema pela 1ª Seção do STJ, os contribuintes que, por conservadorismo, optavam por não se creditar do ICMS destacado nas notas fiscais de aquisição dos produtos intermediários – haja vista a controvérsia existente sobre o enquadramento destes ao conceito de uso e consumo – podem reavaliar oportunamente o creditamento.
Por fim, vale ressaltar que essa reavaliação exige muita cautela, podendo a demonstração da legitimidade do crédito estar condicionada à demonstração, via laudo técnico, da imprescindibilidade dos materiais para o seu processo industrial e, via de consequência, para a consecução da atividade-fim.
Imediata aplicação do entendimento aos processos administrativos e judiciais em curso
Como dito, o resultado do julgamento em apreço não representou exatamente uma reviravolta na jurisprudência sobre o tema, uma vez que o posicionamento da 1ª Turma do STJ já era favorável aos contribuintes e que muitos Tribunais de Justiça pátrios vinham julgando também no mesmo sentido.
Contudo, não se podia desconsiderar os julgados da 2ª Turma em sentido contrário. Neste contexto, a decisão unânime do STJ, através da 1ª Seção, representa a uniformização do entendimento no âmbito deste Tribunal Superior, trazendo a necessária segurança jurídica aos contribuintes.
Trata-se de um importante marco para o setor industrial, especialmente considerando que o STF, ao analisar eventual ofensa ao princípio da não-cumulatividade do imposto, já havia se manifestado em sentido diverso.
Por certo, o Estado irá recorrer ao STF. Assim, a vigilância sobre o tema deve permanecer, para fins de acompanhamento de eventuais desdobramentos, notadamente se a Suprema Corte irá reavaliar o caso sob a ótica constitucional, ou se reconhecerá ser o tema de índole infraconstitucional (nesse sentido com posição definitiva do STJ). É o que se crê como correto e também o que se espera!
No contexto atual, portanto, o julgamento do Processo (EARESP) 1.775.781/SP pode ser suscitado como fato novo em processos cujo cerne da discussão seja eventual creditamento – reputado indevido pelo Fisco – sobre a aquisição de produtos intermediários. Embora não possua efeito vinculante, o referido julgado dirime de forma consistente a controvérsia em última instância infraconstitucional, razão pela qual as Autoridades Julgadoras, no âmbito de suas competências, devem seguir o entendimento do STJ.
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1 Aqueles empregados no processo industrial, mas que não integram o produto fabricado.
2 Art. 3º Fica concedido aos estabelecimentos de que trata o artigo 2º desta lei diferimento do ICMS nas seguintes operações:
(…)
V – aquisição interna de matéria-prima, outros insumos e material de embalagem destinados ao seu processo industrial, exceto energia, água e materiais secundários, observado o disposto no artigo 4º desta Lei.
3 Materiais utilizados de forma complementar ou acessória em um processo produtivo, não considerados essenciais ou principais dentre os componentes centrais do produto final.
4 Insumo, nas conhecidas lições do saudoso Mestre Aliomar Baleeiro, significa um conjunto de fatores produtivos, como matéria prima, energia, trabalho etc, empregado pelo empresário para produção de determinado bem. De se comentar que tal conceito foi adotado expressamente no julgamento do STJ.
5 Processo (REsp) 1.221.170. Decisão da 1ª Seção em recurso afetado como repetitivo, o que significa que a tese deve ser aplicada a todos os processos em trâmite sobre a matéria.