Tributos e a Tomada Brasileira

Por Glaucia Lauletta Frascino

Além da jabuticaba, da paçoca e da tomada de três pinos, há algo no Brasil que muito surpreende o estrangeiro que chega por aqui: a enorme quantidade de processos judiciais tributários que a grande maioria das empresas tem. Mais uma das nossas excentricidades, absolutamente incorporada à cultura empresarial local. E qual é a origem disso? Certamente o intrincado e complexo sistema tributário brasileiro é o principal fator que fomenta essa realidade. Mas não podemos deixar de levar em conta a cultura de "judicialização" de demandas, que vem desde o chamado Plano Collor - quando o ingresso no Judiciário se tornou a única alternativa para a liberação de recursos às empresas e aos cidadãos, diante do bloqueio dos cruzados -, passando pela contestação dos efeitos dos diversos planos econômicos sobre as poupanças, questão que somente veio a ser decidida pelo Supremo Tribunal Federal no ano de 2017. E, ao que tudo indica, não temos qualquer perspectiva de que essa realidade se altere. Ao contrário, a dificuldade do governo de implementar mudanças ou, ao menos, simplificar o sistema tributário nacional, somada à incapacidade do Judiciário de pôr fim às diversas discussões ainda em curso evidenciam que esse cenário não vai se alterar no curto e médio prazos. O Brasil deve continuar sendo o país onde mais se judicializa questões tributárias e onde a paciência do contribuinte é quase infinita Para o ano de 2018, algumas discussões se mostram evidentes e, certamente, ocuparão o tempo e a atenção dos nossos julgadores. E provocarão, no meio empresarial brasileiro, dúvidas, inseguranças e inconformismos, todos esses traduzidos em novas ações judiciais a serem distribuídas. Não é difícil antever esse cenário. Em relação à Contribuição ao PIS (PIS) e à Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) não há qualquer perspectiva de quando a necessária reforma -há tanto tempo anunciada pelas próprias autoridades - se tornará realidade. As alíquotas das contribuições - que hoje, somadas, alcançam 9,25% - deverão ser elevadas, as dúvidas em relação aos créditos a serem apropriados permanecerão e, muito provavelmente, a diversidade de normas em relação à exigência continuará sendo um enorme desafio às empresas estabelecidas no Brasil. Isso sem falar nas discussões já decididas, como a que trata da exclusão do ICMS da base de cálculo das contribuições, finalizada pelo Supremo Tribunal Federal em março de 2017, mas que continua viva, em função de recurso apresentado pela União, com poucas chances de alterar aquilo que já foi julgado, mas suficiente para manter inconclusiva discussão que monta alguns bilhões. No caso do ICMS e da crônica guerra fiscal entre os Estados, embora a Lei Complementar nº 160, de 2017, tenha se mostrado uma louvável iniciativa para pacificação do conflito - pela qual os benefícios concedidos unilateralmente por Estados seriam gradualmente suprimidos - está longe de ser a solução derradeira. Os Estados terão autonomia para aderir ou não à causa e há muitos outros aspectos que, mais do que indefinidos, poderão gerar novas discussões judiciais. Como se não bastasse, é bem possível que, após a edição da Lei Complementar nº 157, as discussões judiciais envolvendo o ISS ganhem certo protagonismo nos tribunais judiciais brasileiros, haja vista que, em relação a algumas atividades - cartões de crédito e débito, leasing, planos de saúde - a nova lei pretendeu deslocar a competência para a exigência do imposto do município do estabelecimento prestador para o município do tomador do serviço. Por fim, as discussões em torno da desoneração da folha de salários permanecem. Por um lado, o governo ameaça acabar com a possibilidade de algumas empresas recolherem a contribuição previdenciária sobre a receita, e não sobre a remuneração a seus empregados, como forma de estímulo à contratação de mão de obra. Por outro lado, as empresas que, uma vez excluídas da regra de exceção, pretendem voltar à sistemática que lhes pareça mais favorável. Enfim, o ano de 2018 certamente será bastante intenso, no qual as discussões tributárias deverão movimentar os juízes de primeiro grau, os tribunais locais e os próprios tribunais superiores. Se teremos a definição de temas importantes, especialmente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, não há como saber. Uma coisa é certa: o Brasil deve continuar sendo o país onde mais se judicializa questões tributárias e onde a paciência do contribuinte - que não raro aguarda décadas para que os assuntos tenham uma definição, nem sempre definitiva - é quase infinita. Tornou-se famosa a frase de que, no Brasil, até o passado é incerto. Essa frase se mostra cada vez mais verdadeira, com a demora do Judiciário em decidir questões essenciais ao dia a dia das empresas. Realmente, o Brasil é e continua sendo um país singular, também e principalmente em relação ao seu sistema tributário. Quem dera se nossas excentricidades fossem sempre positivas, tais como a jabuticaba e a paçoca. Não parece ser o caso. O sistema tributário brasileiro, origem do enorme acervo de processos existentes, está mais próximo da tomada de três pinos, que é inútil, inevitável e nos exige grande capacidade de adaptação e resiliência. Em 2018 tudo indica que nada vai ser diferente. Glaucia Lauletta Frascino é sócia do escritório Mattos Filho Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Fonte: Valor via http://www.gsnoticias.com.br/noticia-detalhe/educacao-cultura-sociedade/tributos-tomada-brasileira

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