Reforma do Ensino Médio e a Profissão Contábil

A Medida Provisória 746/16, que propõe uma reestruturação do ensino médio no Brasil, teve ampla repercussão na sociedade, provocando discussões favoráveis e desfavoráveis à sua implantação. Dentre as alterações apresentadas, destaca-se que 50% da carga horária de todo o ensino médio será de disciplinas básicas (Base Nacional Curricular Comum - BNCC) e a outra metade do currículo, poderá ser composta por formação técnica ou profissional. Ou seja, embora exista atualmente a possibilidade de ensino médio integrado ao ensino técnico, com a mudança a formação técnica ganhará destaque e poderá ser parte da carga horária. Desta forma, existe a possiblidade de que a formação técnica contábil ganhe destaque a partir desta reforma, prevista para entrar em vigor em 2018. Contudo, algumas considerações devem ser feitas, especialmente em relação à extinção do registro de novos profissionais Técnicos em Contabilidade, desde 2015, conforme a Lei 12.249/10.

É relevante destacar que qualquer proposição de um “novo” Curso Técnico em Contabilidade, conforme alguns profissionais estão sugerindo, depende primordialmente de uma alteração da Lei 12.249/10, que estabelece em seu artigo 12 que “os profissionais a que se refere este Decreto-Lei somente poderão exercer a profissão após a regular conclusão do curso de Bacharelado em Ciências Contábeis”. Ou seja, na condição de estudante do ensino médio, mesmo que o curso apresente conteúdo específico, é proibido o exercício profissional contábil. Esta também é a definição da Resolução do Conselho Federal de Contabilidade - CFC 1.494/15, que em seu artigo 1º estabelece que “somente poderá exercer a profissão contábil, em qualquer modalidade de serviço ou atividade, segundo normas vigentes, o contador ou o técnico em contabilidade registrado em CRC”. Ou seja, aquele que não possui Registro no CRC ou que não for Bacharelando em Ciências Contábeis não pode desenvolver atividades na área.

Sobre a possiblidade do Bacharelando desempenhar atividades contábeis, tal possibilidade está regulamentada na Res.CFC 1.246/09, que dispõe sobre a participação de estudantes em trabalhos auxiliares da profissão contábil. Segundo a norma, os estudantes do curso superior em Ciências Contábeis podem participar de trabalhos auxiliares compreendidos entre todas as prerrogativas profissionais estabelecidas pelo Art. 25 do Decreto-Lei 9.295/46, inclusive dos trabalhos privativos de contadores, entre eles, perícias judiciais ou extrajudiciais, auditorias contábeis, verificação de haveres, revisão permanente ou periódica de escritas, assim entendidas as contabilidades societárias e fiscais e quaisquer outras atribuições de natureza técnica conferidas por lei aos profissionais de Contabilidade. Ainda segundo a Res. CFC 1.246/09, a participação nos trabalhos auxiliares está condicionada à comprovação, pelo estudante, de 300 horas/aula de disciplina específica de Contabilidade. Assim, não basta ser estudante de Ciências Contábeis: o Bacharelando deve ter um mínimo de estudo contábil específico para iniciar a prática contábil, ainda que sob a supervisão, orientação e responsabilidade direta de profissional de Contabilidade legalmente habilitado.

Ao destacar os trabalhos privativos previstos no Decreto-Lei 9.295/46, nota-se que mesmo na função de Assistente Contábil ou de Escriturário, é vedado exercer atividade se não for Bacharelando em Ciências Contábeis ou profissional registrado no Conselho, conforme que dispõe o Art. 2º da Res. CFC 560/83, que regulamenta as prerrogativas profissionais: “o contabilista pode exercer as suas atividades na condição de profissional liberal ou autônomo, de empregado regido pela CLT, de servidor público, de militar, de sócio de qualquer tipo de sociedade, de diretor ou de conselheiro de quaisquer entidades, ou, em qualquer outra situação jurídica definida pela legislação, exercendo qualquer tipo de função. Estas funções poderão ser as de analista, assessor, assistente, (...) escriturador contábil ou fiscal, (...).” Ou seja, independentemente do nível hierárquico e responsabilidade sobre o processo de escrituração contábil e fiscal (Contador, Analista Contábil ou Fiscal e Assistente Contábil ou Fiscal, por exemplo), o Decreto-Lei 9.295/46 e as demais normas mencionadas garantem ao Bacharelando ou profissional com registro no CRC prerrogativas de atuar na área contábil, mesmo que o profissional tenha adquirido conhecimentos profissionais suficientes para desempenhar suas tarefas em cursos técnicos, por exemplo.

Neste sentido, cabe observar que apesar da Lei 12.249/10 ter motivado o fechamento de muitos cursos técnicos em contabilidade, muitas instituições continuam oferecendo cursos para a formação de profissionais que atuam em funções mais auxiliares, mesmo sem possibilidade de registro no CRC. Muitos destes cursos possuem carga horária que pode chegar a 1200 horas (o que corresponde a 50% da atual carga de 2400 horas do ensino médio). E a formação contábil destes cursos pode ser tão boa ou até melhor que muitos cursos de Graduação em Ciências Contábeis. O problema, nestes casos, é que o aluno do ensino médio, ao conseguir uma colocação na área contábil, ficará condicionado durante todo o período do curso, a desempenhar atividades auxiliares, sob pena de estar descumprindo as normas da profissão. Isso faz com que muitos acabem optando pelo ensino médio regular e na sequência, ingressando no curso de Ciências Contábeis.

Assim, mesmo que a Lei 12.249/10 ou outras normas profissionais não sejam alteradas, uma interessante oportunidade proporcionada pela MP 746/16 é o aproveitamento dos conteúdos cursados durante o ensino médio no curso de Graduação. Ou seja, as disciplinas cursadas no ensino médio poderão ser convalidadas para aproveitamento de créditos no ensino superior (§ 16 do Art. 36 da MP 746/16). Ou seja, dependendo da grade curricular do curso superior, o concluinte do ensino médio poderia, por exemplo, ingressar já no quarto semestre (ou segundo ano) do curso de Ciências Contábeis. Assim, se atualmente um jovem demora 7 anos para obter o diploma de Ciências Contábeis (3 anos no ensino médio e 4 anos no ensino superior), com a mudança poderia obter o diploma profissional em 5 anos e meio.

Cabe observar que esta é uma mera simulação, já que esta convalidação depende, segundo a MP 746/16, de normatização do Conselho Nacional de Educação e homologação pelo Ministro de Estado da Educação. Mas a mera possibilidade já permite vislumbrar que a MP 746/16 poderá auxiliar a suprir a demanda do mercado profissional contabil, reduzindo custos e permitindo que o estudante consiga obter o diploma (e o consequente registro profissional) em menor tempo no futuro.

Enfim, como diz Érico Veríssimo “Quando os ventos de mudança sopram, umas pessoas levantam barreiras, outras constroem moinhos de vento.”

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