Pelo fim da confusão tributária

Por Germano Rigotto

Sistema, para o vernáculo nacional, é um conjunto de ideias ou elementos ligados de maneira lógica, solidária, coerente e interdependente. Ou seja, é um cipoal de regras que faz sentido como unidade. Pois bem: o ordenamento tributário brasileiro, por esse padrão, pode ser tudo, menos um sistema organizado. Isso porque, além de muitas normas não conversarem entre si, a integração de todas elas forma um verdadeiro mostrengo para o contribuinte. Ou melhor, uma grande confusão.

Não é difícil constatar essa realidade – que começou por uma Constituição Federal excessivamente detalhista e, se não bastasse, emendada e remendada milhares de vezes. O que já não estava tão bem desenhado na carta original de 1988 foi piorando significativamente ao longo dos anos. Um estudo feito pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), divulgado pelo site Consultor Jurídico, mostrou que, desde a promulgação da Constituinte, foram editados e publicados mais de 5,4 milhões de textos normativos. Não errei a digitação: são milhões mesmo!

Tivemos 769 normas por dia útil, aí incluídas leis, medidas provisórias, instruções normativas, emendas constitucionais, decretos, portarias e atos declaratórios. Em matéria tributária, surgiram mais de 363 mil normas, mais de 1,88 por hora (dia útil), sendo 16 emendas constitucionais. Desse total, 31.221 são federais, 110.610 são estaduais e 221.948 são municipais. Em 28 anos, nasceram tributos como a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), o Programa de Integração Social (PIS), o Cofins Importação e o Imposto sobre Serviços de Importação. Todas as alíquotas foram majoradas. E somente 4,13% das normas novas não sofreram nenhuma alteração.

Como a Constituição determinava que qualquer imposto criado deveria ser partilhado com estados e municípios, os governos federais inventaram as chamadas contribuições. Na verdade, foi um artifício para driblar a norma constitucional, evitando que a arrecadação fosse partilhada e, ao mesmo tempo, ampliando cada vez mais a participação da União no bolo tributário nacional. Esse “by-pass” fez com que a carga fosse aumentada sem a respectiva percepção da população na melhora e no aumento dos serviços. Isto é, lá na ponta, nos municípios, onde a vida acontece, a situação ficou muito mais difícil de ser administrada. Temos uma das maiores cargas tributárias do mundo e, por outro lado, os piores índices de qualidade do serviço público.

Quanto às empresas brasileiras, ainda segundo o mesmo estudo, elas precisam seguir 3,8 mil normas, isso porque não fazem negócios em todos os estados e municípios, senão o número seria muito maior. Se esse dado for dissecado, fica ainda mais alarmante: são 42.633 artigos, 99.336 parágrafos, 317.618 incisos e 41.781 alíneas a serem observados. Em virtude disso, as companhias gastam R$ 60 bilhões por ano com pessoal, sistemas e equipamentos para acompanhar as mudanças da legislação. Algo, a propósito, que sempre tenho denunciado: há muita gente ganhando dinheiro e vantagem com tamanha confusão, e normalmente são esses os primeiros que resistem a qualquer mudança mais substancial no atual modelo.

Veja-se que o principal sentido de um sistema tributário – financiamento sustentável das atividades do Estado, especialmente as essenciais – foi completamente perdido. Hoje a tributação ampliou seu escopo para finalidades políticas e corporativas, carregando um aparelho estatal que ficou demasiadamente inchado e ineficiente. Além disso, como se mostrou, remunera o mercado dos caros escritórios especializados no assunto. A desordem e a falta de lógica tornam a gestão impeditiva para um empreendedor, ficando sempre dependente de quem possa ajudá-lo a lidar com tamanha complexidade. Resta claro que a população, especialmente a mais necessitada, é a última preocupação dessa cadeia de vantagens. O que temos, então, é antítese do que pretendia a Constituição ao gerar um modelo para custear o Estado.

Esse completo desvirtuamento não será corrigido com analgésico ou perfumaria. É preciso uma cirurgia profunda, existencial, originária em nosso modelo tributário. Ou seja, a partir da própria Constituição Federal, descendo para o restante dos diplomas normativos. E a melhor forma de fazer isso é por meio da convocação da uma Assembleia Constituinte revisora com finalidade específica, tendo o reforma tributária dentre suas atribuições. Caso contrário, os interesses serão de tal modo influentes que irão inibir avanços – exatamente como se viu nos últimos anos, com inúmeras tentativas frustradas. Precisamos reformar a Constituição para fazer surgir, aí sim, não mais uma confusão, mas um verdadeiro sistema tributário no país. Em favor da sociedade.

http://institutoreformar.com.br/?p=11524

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Comentários

  • É fato que cosméticos como se pretende só irão mesmo maquiar a coisa sem resolvê-la em definitivo, tal como já dito por alguém que não me lembro do nome, que "uma dançarina de boate de segunda classe à noite parece linda, mas, de dia, à vezes nem mulher é". Quem está de fato disposto a isso, se a maldita burocracia parece compor o DNA do brasileiro? Devíamos ter seguido o caminho bem mostrado pelo autor (Germano Rigotto) antes mesmo de implantarmos as escriturações digitais, pois, o que se fez foi apenas a "informatização do caos" que culminará com o e-Social e que, até agora, nem com empregados domésticos deu certo, conseguindo, assim, aumentar o risco do contribuinte induzido ao erro pela complexidade tributária.

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