O planejamento fiscal de Lula

Por Anderson Furlan*

A conduta do ex-presidente não é censurável. Censuráveis são as leis e as decisões judiciárias de um país que legitimam a existência de artifícios jurídicos elaborados para diminuir a carga tributária.


Há poucos dias foi noticiado pela imprensa que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia constituído pessoa jurídica para atuar no ramo de eventos e publicações. Com R$ 100 mil de capital inicial, a pessoa jurídica em questão foi nominada LILS Palestras, Eventos e Publicações Ltda, tendo como sócios o ex-presidente, com 98% das quotas sociais, e Paulo Okamoto, com 2% restantes. A sede da pessoa jurídica será no endereço do apartamento do ex-presidente em São Bernardo do Campo.


Mas por qual razão o ex-presidente necessitaria constituir uma empresa para realizar palestras? A razão é meramente financeira. Se estiverem corretas as estimativas feitas pela imprensa, Lula receberá entre R$ 150 mil e R$ 200 mil por cada palestra proferida. Na condição de pessoa física, a cada R$ 200 mil recebidos, o ex-presidente deveria pagar R$ 405,86 como contribuição previdenciária (INSS), R$ 54.164 a título de Imposto sobre a Renda (IRPF) e cerca de R$ 6 mil a título de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN). Pagando R$ 60.570 de tributos, sobrariam-lhe R$ 139.429,70. A empresa que efetuasse o pagamento pela palestra estaria ainda obrigada pagar mais 20% como contribuição patronal, algo como R$ 40 mil. Resumidamente, a carga tributária total seria em torno de 50% do valor do serviço.


Com a constituição da empresa, a situação se altera sensivelmente. Uma vez que os valores cobrados pelas palestras não permitem o ingresso no Simples, a empresa poderá optar pela tributação na modalidade do lucro presumido. Nessa hipótese, a cada R$ 200 mil recebidos pela empresa LILS, deverão ser pagos R$ 10 mil a título de Imposto sobre a Renda (IRPJ), R$ 13.060 para a Previdência Social e R$ 6 mil pelo ISSQN, totalizando R$ 29.060 de tributos devidos, não estando a empresa contratante, por outro lado, obrigada a pagar qualquer tributo pelo serviço. Para que a receita da empresa chegue até Lula, basta que se faça distribuição de lucros entre os sócios, recebendo o ex-presidente proporcionalmente às suas quotas (98%), não incidindo sobre esses lucros qualquer tributo, nem mesmo o imposto sobre a renda.


Comparando-se as situações, verifica-se que a constituição de uma empresa representa uma economia tributária de cerca de 16%, aproximadamente R$ 32 mil. A essa operação os tributaristas denominam planejamento fiscal ou planejamento tributário.

 

A conduta do ex-presidente não é censurável. Simplesmente procurou arranjar juridicamente seus negócios de forma a pagar menos tributos. O mesmo atualmente fazem técnicos de futebol, professores, artistas, músicos e outros profissionais. Censuráveis são as leis e as decisões judiciárias de um país que legitimam a existência de artifícios jurídicos elaborados para diminuir a carga tributária devida, deixando o contribuinte contornar livremente a incidência da norma tributária, fazendo com que uns paguem pelos outros.

 

Nos Estados Unidos, em 1935, foi decidido o caso Gregory versus Helvering. A senhora Gregory havia engendrado uma operação jurídica com o objetivo de reduzir o montante fiscal devido pela transferência dos direitos sobre ações adquiridas por meio de herança. O Judiciário americano entendeu que a realização de negócios sem substância econômica, sem um propósito negocial válido, não poderia frustrar a aplicação da norma tributária. Esse entendimento, com algumas variações, vem sendo seguido até hoje. Países como Inglaterra, Canadá, França, Espanha, Portugal, Itália e Alemanha têm seguido essa orientação, seja pelas decisões judiciárias, seja por cláusulas antielisivas.

 

O Brasil poderia ter avançado nessa matéria. No governo Fernando Henrique Cardoso foi aprovada a criação de uma cláusula antielisiva no Código Tributário, a qual remetia à lei ordinária sua regulamentação. Foi expedida medida provisória, regulamentando a cláusula, mas que não foi convertida em lei. No governo Lula, a cláusula continuou sem regulamentação. Caso a regulamentação anterior houvesse sido convertida em lei, a existência da LILS seria possivelmente desconsiderada para efeitos tributários.

 

*Anderson Furlan é juiz federal e autor de obras publicadas no Brasil e exterior sobre direito tributário e direito ambiental.

 

Fonte: Gazeta do Povo / PR

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