Brasil assina acordos fiscais com Suíça e Singapura

Por Luciana Nobrega e Silva Loureiro

O governo Brasileiro assinou, nos dias 3 e 7 de maio, dois novos Acordos para Eliminar a Dupla Tributação em Relação aos Tributos sobre a Renda e Prevenir a Evasão e a Elisão Fiscais (“Tratados”) com Suíça e Singapura, respectivamente.

A assinatura desses instrumentos concretiza os esforços diplomáticos destas jurisdições, que chegaram a ser elencadas pelas autoridades fiscais brasileiras como jurisdições com tributação favorecida. A Suíça foi retirada da lista prevista pela Instrução Normativa 1.037/10 como tributação favorecida em junho de 2014 e a Singapura em dezembro de 2017.

A vigência dos Tratados em referência está condicionada à ratificação pelos Estados signatários, porém trazem algumas inovações frente aos Tratados atualmente em vigor que merecem destaque.

Uma das principais distinções é a inclusão de um artigo específico (artigo XIII) sobre Serviços Técnicos. A redação, idêntica nos dois instrumentos, define remunerações por serviços técnicos como “qualquer pagamento como contraprestação por qualquer serviço de natureza gerencial, técnica ou de consultoria”.

Esse conceito é encontrado no Modelo de Convenção para Eliminação de Dupla Tributação previsto pela ONU e contraria a Convenção Modelo prevista pela OCDE.

A inclusão desse dispositivo nestes Tratados visa preservar o direito do Brasil de tributar na fonte as remessas a beneficiários na Suíça ou em Singapura realizadas a título de remuneração por serviços técnicos, independentemente de estes serviços incluírem ou não transferência de tecnologia.

A maior parte dos Tratados atualmente em vigor incluem a remuneração pela prestação de serviços técnicos sob o escopo do artigo relacionado ao pagamento de royalties (artigo XII), que também assegura a incidência do imposto de renda retido na fonte (“IRRF”) no Brasil. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça já havia consolidado a interpretação de que a classificação de serviços técnicos no artigo XII dos Tratados em vigor requer que os serviços envolvam transferência de tecnologia.

Os novos Tratados com Suíça e Singapura tratam serviços técnicos e royalties como espécies de rendimentos distintos e apresentam um conceito próprio aos primeiros, independentes do segundo.

Assim, remessas efetuadas a beneficiários residentes na Suíça ou na Singapura por serviços gerenciais, técnicos ou de consultoria, permanecerão sujeitas ao IRRF no Brasil, independente de incluírem ou não eventual transferência de tecnologia. A alíquota incidente poderá, contudo, estar limitada a 10% desde que preenchidas as condições previstas nos Acordos.

Disposição e efeitos similares são encontrados, também, no Protocolo (ainda pendente de ratificação) ao Tratado com a Argentina (atualmente em vigor), assinado em 2017.

Outro elemento de destaque nos novos Tratados é a inclusão de extensas cláusulas antiabusivas. O artigo XXVII no Tratado com a Suíça e o artigo XXVIII no Tratado com a Singapura vedam a aplicação dos benefícios previstos pelos respectivos instrumentos em cenários considerados presumidamente abusivos, ou seja, em infração ao objetivo de evitar evasão e elisão fiscal.

Ambos estabelecem a regra geral de que as disposições do Tratado não poderão ser invocadas se comprovado que eventual arranjo negocial ou transação foi implementado com o principal objetivo de acesso aos seus benefícios. Esta previsão está em linha com o Plano de Ação 6 da iniciativa BEPS (Base Erosion and Profit Shifting), proposta pela OCDE e também é uma das medidas sugeridas pela mesma organização na Multilateral Convention to Implement Tax Treaty Related Measures to Prevent BEPS (“MLI”).

As cláusulas antiabusivas também listam condições e presunções que devem ser observadas antes da aplicação de quaisquer dos benefícios previstos por esses instrumentos. Por exemplo, o Tratado com a Singapura condiciona a concessão dos benefícios à comprovação de que o beneficiário efetivo exerça a condução operacional de seus negócios, excluindo expressamente as seguintes atividades, individual ou conjuntamente consideradas: (i) holdings, (ii) supervisão ou administração de um grupo de empresas, (iii) financiamentos intragrupo (incluindo cash pooling) e (iv) a realização ou administração de investimentos, salvo se efetuados por instituições financeiras, seguradoras ou corretoras em exercício de seus objetos sociais.

Por fim, e não menos importante, chama a atenção a inovação no Tratado da Suíça, trazida pelo item 3 do artigo 22, que prevê a possibilidade de um residente de um Estado Contratante auferir rendimentos provenientes do outro Estado Contratante, que possam se encontrar fora do escopo do Tratado. Esta é a primeira vez que um Tratado assinado pelo Brasil admite que alguma espécie de rendimento pode ser considerada como não abrangida pela Convenção.

Essa previsão contraria a premissa consolidada na doutrina internacional de que o Tratado é sempre aplicável (todo e qualquer rendimento auferido por um residente de um Estado Contratante e proveniente do outro Estado Contratante deve ser alocado conforme a sistemática de suas regras distributivas) e enseja o questionamento sobre qual a real intenção do Fisco brasileiro em permitir uma exclusão à sua aplicabilidade.

Esses novos Tratados podem apontar para uma nova geração de acordos internacionais, com maior preocupação em preservar bases tributáveis em situações de planejamento fiscal. No entanto, seus efeitos só poderão ser analisados na prática e considerando as particularidades de cada caso concreto, com aplicação pelas autoridades fiscais e interpretação dos tribunais administrativos e judiciais.

https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/brasil-assina-acordos-fiscais-com-suica-e-singapura/

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