Por CRISTIANE I. MATSUMOTO e MARIANA MONTE ALEGRE DE PAIVA

O atual governo, em especial por intermédio de sua equipe econômica, comprometeu-se a adotar uma série de medidas para estimular novos investimentos e colocar o Brasil de volta nos trilhos, não apenas por meio de medidas macroeconômicas, mas também na forma de novas regras de desburocratização e simplificação das atividades empresariais.

A MP no 881/2019, mais conhecida como a MP da Liberdade Econômica e recentemente convertida na Lei nº 13.874/2019, é um desses exemplos. Idealizada pelo próprio Ministério da Economia, é de fato uma medida salutar que merece ser celebrada, ao trazer muitos avanços ao desenvolvimento da atividade econômica.

Uma das novidades contida no artigo 16 da nova Lei e que já vinha inclusive sendo anunciada pelo Governo Federal, de forma oficiosa, é a extinção do Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas, o famoso eSocial.

Vale lembrar que o eSocial foi criado em 2014 pelo Decreto no 8.393 como instrumento para aglutinar informações a serem prestadas pelas empresas empregadoras para fins de cumprimento de obrigações tributárias, previdenciárias e trabalhistas.

Na sua origem, o eSocial foi introduzido como uma obrigação acessória completa, que já tinha como propósito a simplificação, substituindo uma série de declarações específicas por meio um único sistema eletrônico. Ali constam informações diversas sobre contratação, acidentes de trabalho, férias, aviso prévio, desligamentos etc., que servem para todas as três esferas. As informações constantes em GFIP, GPS, CAGED, RAIS, CAT, DIRF, DCTF, Folha de Pagamento – dentre muitas outras – já estavam concentradas no eSocial.

Muito embora a sua intenção tenha sido positiva, na prática o sistema se mostrou um complexo. A sua implementação exigiu uma série de investimentos, não só de cunho financeiro – por meio do desenvolvimento de softwares e ferramentas capazes de adequar o fluxo interno de informações das empresas para alimentar o sistema – mas também de cunho pessoal, mediante treinamento de mão-de-obra especializada para usar e gerenciar o sistema no dia-a-dia, evitando erros e inconsistências, que, aliás, são passíveis de penalização mediante imposição de severas multas.

Muitas pesquisas divulgadas indicaram as dificuldades enfrentadas pelas empresas com o eSocial, cujo funcionamento e operacionalização foram duramente criticados nos últimos anos, levando à mobilização em especial de associações que tentaram emplacar mudanças e ajustes no sistema1.

O Governo Federal admitiu que o sistema é de fato problemático, divulgando sua extinção a partir de 2020, o que foi confirmado na recente Lei nº 13.874/2019 que, em seu artigo 16, prevê a substituição do eSocial por “sistema simplificado de escrituração digital de obrigações previdenciárias, trabalhistas e fiscais”.

Alguns pontos merecem atenção. Primeiro, o mencionado artigo 16 não prevê a extinção, mas sim a sua substituição. Segundo, não há qualquer indicação na Lei de como será o novo sistema, na medida em que a redação do mencionado artigo é genérica.

Note-se que em 8.8.2019, a Receita Federal do Brasil divulgou Nota Conjunta sobre o assunto. Admitindo que a utilização do eSocial precisa ser “mais intuitiva e amigável”, informou que, em conjunto com a Secretaria Especial da Previdência e Trabalho, editará até 30.9.2019 ato normativo conjunto para tratar do novo sistema, ocasião na qual também divulgará o cronograma de substituição ou eliminação de 15 obrigações tributárias, previdenciárias e trabalhistas.

Não se pode dizer, portanto, como será o novo eSocial, ou mesmo os novos sistemas, por haver indicativos que o atual eSocial será desmembrado em 2 sistemas mais simples. Também não se pode afirmar se realmente haverá efetivo ganho nessa mudança.

É preciso ponderar que nem toda mudança, por mais louvável que seja a sua intenção – como justamente é o caso da recente Lei nº 13.874/2019 –, tem necessariamente efeitos positivos.

A nosso ver, é insuficiente projetar um sistema melhor sem considerar os altos custos envolvidos na sua substituição e sem ouvir, de forma detalhada, os problemas que são enfrentados pelos seus usuários. A Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (“LINDB”) exige, em seu artigo 20, que devem ser consideradas as consequências práticas de cada decisão administrativa, levando em conta todas as possíveis alternativas. Essa preocupação, aliás, consta na própria Lei nº 13.874/2019, que, em seus artigos 4e 5o, impede que a Administração Pública aumente os custos de transação sem demonstração de benefícios e exige a análise do impacto de todos os possíveis efeitos de todo novo ato normativo.

O Governo não pode contar apenas com a boa vontade das associações ao expor as dificuldades, mas sim deve inserir o tema ao diálogo público para entender, de fato, as questões complexas por trás da ferramenta. Somente assim há chances reais de mudar o eSocial para melhor, caso contrário, corremos o risco de gastar ainda mais dinheiro e mais horas para implementar e aprender a usar o novo sistema.

Inegavelmente, o eSocial é hoje uma obrigação acessória de alta complexidade, impactando diretamente no recolhimento de tributos e contribuições previdenciárias. Aliada a alta carga tributária, especialmente sobre a folha de salários, as empresas ainda precisam se preocupar em cumprir suas obrigações secundárias, como ocorre com o eSocial, o que pode acarretar a imposição de multas, caso não o façam. Há, ainda, a preocupação que surge no manuseio dos sistemas e declarações, sem contar com um canal aberto de diálogo e discussão com as Autoridades. É esse tipo de ineficiência que mina o desenvolvimento econômico e que contribui, infelizmente, para o nosso custo Brasil tão elevado.

Que o eSocial precisa melhorar, ninguém tem dúvidas. A ponderação que trazemos é quanto à forma pela qual as alterações precisam ser propostas, discutidas e implementadas, para que as novas obrigações acessórias sejam factíveis de um cumprimento mais simples e efetivo.

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